Livro analisa o legado do Império Romano, da política ocidental até Elon Musk
Confira um papo com Aldo Cazzullo, autor de "Roma, o império infinito", que chegou recentemente ao Brasil.
O Império Romano acabou em 476 d.C, quando o imperador Rômulo Augusto foi deposto (e já não tinha muito poder efetivo).
Essa é a data escolhida pelos historiadores para representar a culminação de um processo longo, marcado pelas invasões bárbaras e pela decadência daquele que um dia foi o maior império do planeta.
A queda foi o fim da influência e hegemonia romana. Mas será que foi assim mesmo? Uma rápida pesquisa na internet faz parecer que nunca falamos tanto sobre esse império.
Em 2023, no TikTok, vários vídeos mostravam namoradas em choque depois de descobrirem que seus parceiros eram obcecados pelo Império Romano. Virou meme.
Esses romanófilos e muitas outras pessoas provavelmente estarão fazendo fila nos cinemas no final do ano para assistir a dois filmes inspirados na história de Roma: Megalopolis, o épico que Francis Ford Coppola (de O Poderoso Chefão) financiou do próprio bolso, e Gladiador 2, onde Ridley Scott vai fazer o galã Paul Mescal entrar numa batalha marinha dentro do coliseu.
A influência dos romanos não está só na cultura. Nossa comida, leis e organização social são diferentes por causa deles. É muito poder para um império morto. Tanto que, segundo o jornalista italiano Aldo Cazzullo, Roma, na verdade, nunca caiu.
Império zumbi
Roma, o Império Infinito, publicado em português pela HarperCollins, propõe-se a mostrar a influência que o Império Romano teve sobre tudo que veio depois, de Napoleão a Hitler, do imperialismo americano às empresas multinacionais do Vale do Silício (que, diga-se, são lideradas por admiradores de Roma, como Mark Zuckerberg e Elon Musk).
“Roma foi o arquétipo de todos os impérios”, afirmou Cazzullo em entrevista à Super. “Todo imperador da história pensou que era o novo César, e todo revolucionário se viu como um novo Espártaco”. O jornalista não nega a queda da cidade de Roma como aconteceu no século 5 d.C., mas afirma que a influência do império mostra que ele nunca caiu plenamente, “absorvendo outras civilizações e etnias”. É como se o Império Romano fosse um zumbi: morto, mas ainda causando bastante estrago.
É uma influência que está na base de como fazemos política, por exemplo: “povo, cidadania, liberdade, justiça, presidente, ditador, socialismo, comunismo, nacionalismo, república, todas essas palavras derivam do latim”.
Para Cazzullo, até a miscigenação brasileira tem um pouco de DNA romano. “Era possível se tornar romano independentemente da sua cor de pele, lugar de origem ou religião. Os romanos não eram racistas, só contra os góticos, os alemães de hoje, que eram considerados altos demais, loiros demais e um pouco tolos”.
A influência não fica só nos povos latinos, herdeiros mais diretos de Roma. O império russo, por exemplo, chegou a chamar Moscou de “a terceira Roma”, depois da original e de Constantinopla.
Passando pano para a história?
É verdade que a visão de Cazzullo de Roma pode soar um pouco romantizada, talvez ignorando a violência envolvida na conquista imperial. Porém, ele não deixa de mostrar as inspirações negativas que os romanos deixaram para os nazistas, por exemplo.
O que parece ficar claro em seu livro e na conversa conosco é que o modelo romano é reivindicado por quase todos, dos poderosos às pessoas comuns. Essas podem ser inspiradas pelos gladiadores lutando pela liberdade, ou mesmo pelo sonho de pax romana, um mundo unido e em paz.
Esse sonho se estende a algo que Cazzullo defende ser muito mais uma criação romana do que grega: a democracia. “É uma palavra grega, é verdade, mas que só existia entre quatro paredes na Grécia Antiga. Em Roma, ela se tornou real” com eleições, magistrados e leis redigidas pelo povo.
O império deixou esses ideais democráticos de lado depois, mas Cazzullo ainda acha que “uma semente havia sido plantada”. As mulheres, por exemplo, eram excluídas da política. “Sim, mas também é verdade que as mulheres eram muito mais livres do que na Grécia Antiga. Elas poderiam estudar, sair de casa, ir aos banhos públicos, ao teatro, herdar a propriedade do pai e serem economicamente independentes”.
Ele conta a história da “primeira ocupação feminista na história”. O imperador Augusto introduziu o crime de adultério feminino, enquanto as escapadas masculinas continuaram sendo aceitas perante a lei. “As mulheres romanas ocuparam o fórum para reivindicar seu direito de amar”.
“Eu não quero idealizar o Império Romano, que também foi baseado em violência, opressão e escravidão”, afirma Cazzullo. “Mas o sonho de governar o mundo, de enfrentar problemas globais que deveriam preocupar a todos nós, juntos, ainda é um sonho que vale a pena sonhar.”