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Por dentro do Zohar

Uma aventura mística, repleta de figuras bíblicas e seres celestiais: assim é o Zohar, livro essencial para quem pretender mergulhar nos mistérios da cabala. Não se trata, porém, de uma leitura fácil. Para tentar entender a origem do Universo e a natureza de Deus, é preciso decifrar um texto intrincado - e, por isso mesmo, fascinante.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 19 mar 2011, 22h00

Texto Michelle Veronese

Shimon bar Yochai estava sentado no chão batido, dentro de uma caverna. Ao lado dele, o filho Elazar e 8 jovens, seus mais aplicados discípulos, aguardavam o que o rabino tinha a dizer. Durante 13 anos, Shimon havia vivido isolado naquela mesma caverna, para escapar da perseguição do Império Romano, que o havia condenado à morte. Ali, aprendeu os segredos ocultos da Torá, a bíblia hebraica, ensinados a ele diretamente pelo profeta Elias. O sábio, agora livre, havia decidido que era hora de passar adiante esses ensinamentos. Munidos de pergaminho, seus alunos anotavam tudo o que ele dizia. “Todos os dias de minha vida esperei por este momento. Meu desejo hoje foi coroado.” Assim começou a ser escrita a mais famosa aventura mística da tradição judaica, uma história repleta de símbolos, metáforas e mistérios: o Zohar, também conhecido como o Livro do Esplendor.

O que você acabou de ler pode até ser verdade. Mas é bem mais provável que se trate de uma bela lenda, passada de mestre para discípulo durante gerações e gerações de cabalistas. Afinal, ninguém jamais viu os tais manuscritos em aramaico que teriam resultado dessas sessões entre Yochai e seus discípulos no século 2. O Zohar só voltaria à tona muito tempo depois, já no século 13, pelas mãos do rabino espanhol Moisés de León. Naquele período, o esoterismo florescia na Europa e muitos judeus se interessavam por obras que propunham uma visão mística sobre a origem do Universo. Moisés era um deles.

Ele apresentou aos grupos esotéricos uma série de manuscritos que seguiam essa linha, propondo uma leitura alternativa da Torá. Os escritos, segundo ele, eram trechos copiados do Zohar original, aquele mesmo, escrito pelos alunos de Yochai. Como eles teriam ido parar nas mãos de León, ninguém sabe. E, já que o espanhol jamais mostrou os originais, a dúvida permanece até hoje. Mas, para muitos estudiosos, a prova final está na própria linguagem dos manuscritos: segundo eles, o vocabulário e a gramática do livro são muito diferentes do aramaico típico do século 2.

Durante muito tempo, os manuscritos foram comercializados apenas na forma de brochuras. Foi só no século 16 que o Zohar virou livro: na cidade italiana de Mântua, em 1558, foi impressa a primeira cópia, seguida pela edição de Cremona, de 1560. Poucos anos depois, a obra estaria no centro das discussões dos cabalistas reunidos em Safed, Israel: o mestre Isaac Luria deu especial atenção ao Zohar, usando-o como base em suas aulas na Academia da Cabala. Em 1922, o livro seria traduzido para o hebraico moderno pelas mãos de Yehuda Ashlag. Durante o século 20, ganharia várias traduções para o inglês, a maioria delas parcial – afinal, a obra completa tem cerca de 1 700 páginas. Não existe uma versão completa para o português, mas é possível encontrar diversos livros que analisam seu conteúdo (veja matéria na página 66).

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Com a popularização da cabala, a partir dos anos 80, muitos leigos passaram a se interessar pelo Zohar. Entender o que está escrito ali, porém, não é fácil. “Não se pode estudar o livro de forma independente”, diz David Zumerkorn, autor do livro Numerologia Judaica e Seus Mistérios. “É preciso ter conhecimento de distintas áreas da tradição judaica”, diz. À primeira vista, o Livro do Esplendor parece um grande romance. Os protagonistas são o rabino Shimon, seu filho Elazar e seus 8 discípulos. O cenário é a Terra Santa, onde os personagens transitam e encontram figuras bíblicas e seres celestiais. Mas, apesar do tom de aventura, a narrativa não tem nada de linear. A linguagem é repleta de metáforas, palavras de duplo sentido e neologismos. Fascinante, sim, mas quase impenetrável.

Em determinados trechos, o livro assume uma linguagem erótica: de acordo com o Zohar, Deus é igualmente macho e fêmea: a grande tarefa do homem seria promover a união sagrada entre o casal. Mas um dos maiores enigmas está no trecho que fala da criação do Universo. Na versão original do Gênese, o texto era “No princípio, Deus criou o céu e a terra”. Já o Zohar conta a história de modo diferente: “No começo, o Deus-Infinito (Ein Sof) criou Deus, o céu e a terra”. Complicado? Você nem imagina…

Livro sagrado
Página de abertura da primeira edição impressa do Zohar, publicada na cidade italiana de Mântua, em 1558. Antes disso, o livro era comercializado apenas na forma de brochuras, nas quais os manuscritos apareciam fora de ordem. Só com a impressão o Livro do Esplendor ganhou seu formato definitivo.

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