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Por que acreditamos?

O medo da morte e a necessidade de dar um sentido à vida nos aproximam da fé. Mas um cientista americano garante: nascemos geneticamente "programados" para acreditar

Por Tarso Araújo
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 18 fev 2011, 22h00

O poeta português Fernando Pessoa atribuiu boa parte de sua obra a 3 heterônimos – Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos -, cada qual com uma opinião sobre Deus. Caeiro era o que não acreditava – nem Nele, nem em qualquer outro “sentido íntimo das cousas”, como se referia a tudo que é transcendente. Mas reconhecia o tremendo desconforto, por causa da falta de fé, de viver sem explicação para o sentido da vida. No poema O Guardador de Rebanhos, Caeiro inveja a tranquilidade das árvores: “A de não saber para que vivem nem saber que não o sabem”.

Para alguns estudiosos da relação entre o homem e o divino, esse incômodo do poeta – ou a angústia diante das coisas inexplicáveis do mundo – é o que leva boa parte da humanidade a acreditar que, por trás de tudo, existe uma força superior. “Temos consciência, e ela nos obriga a procurar um sentido para a vida”, diz o filósofo Mário Sérgio Cortella, professor do Departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

 

Instinto básico

Desse ponto de vista, acreditar em Deus funcionaria, por exemplo, como um conforto diante da inevitabilidade da morte. E emprestaria propósito à existência – pois nossa “passagem” pela Terra seria apenas uma das etapas a ser cumpridas. “Quando estamos numa cidade estrangeira, ficamos inseguros. É sempre assim: precisamos construir algo ao nosso redor que nos dê segurança”, afirma o teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, também professor da PUC de São Paulo. “Queremos entender e dar sentido a tudo que nos cerca. E a crença em Deus atende a essa necessidade elementar.”

Com o avanço experimentado por todas as áreas do conhecimento nos últimos 150 anos, a fé teve de se adaptar. Mas não deu qualquer sinal de fragilidade. Ao contrário: nunca na história tantas pessoas acreditaram em alguma forma de Deus (leia mais na pág. 62). Para Ribeiro, a razão é simples. “Quanto mais compreendemos o mundo, mais percebemos que não controlamos nada”, diz o teólogo. “O conceito de que tudo é fruto do acaso não parece convincente para muitas pessoas. Há quem aceite essa hipótese e viva bem com ela. Mas há quem prefira acreditar em Deus.”

 

Herança genética?

Uma das possíveis – e mais espantosas – explicações para essa aparente perpetuação da fé mundo afora vem da genética. Segundo o cientista americano Dean Hamer, o homem já nasce “programado” para acreditar em Deus. Hamer afirma ter identificado no DNA humano o que ele decidiu chamar de “gene da espiritualidade”. O vmat2, como foi batizado, estaria envolvido com atividades cerebrais ligadas às sensações de bem-estar e paz interior, e seria capaz de tornar um indivíduo mais suscetível à crença – seja em algum tipo de Deus, seja em qualquer outro fenômeno sobrenatural.

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“Não acho que [o vmat2] seja ‘o’ gene que torna as pessoas espirituais, só acho que seja parte da via bioquímica no cérebro das pessoas que é usada para esse tipo de sentimento ou resposta emocional”, disse Hamer ao jornal Folha de S.Paulo em dezembro de 2005, pouco depois do lançamento de seu livro – O Gene de Deus – no Brasil. Apesar da ressalva, a teoria virou alvo de críticas ferozes. “A crença religiosa não está relacionada apenas à pessoa mas também à sociedade, à tradição, ao caráter…”, declarou ao jornal britânico The Daily Telegraph o teólogo Walter Houston, do Mansfield College, na Inglaterra. “Um gene que seja capaz de substituir isso tudo me parece pouco provável.”

O filósofo americano Daniel Dennett é outro a contestar a teoria de Hamer. Dennett defende a tese de que a humanidade não tem nenhuma programação biológica que conduza à crença. A mania de acreditar em Deus, na verdade, seria explicada pelo processo de evolução e seleção natural (leia mais na entrevista da pág. 6). Em vez de genes, o filósofo usa o conceito de meme, cunhado pelo zoólogo britânico Richard Dawkins.

Memes seriam unidades de informação ou valores culturais – os religiosos, por exemplo – que se autopropagariam de uma mente para outra, instalando-se no aparelho biológico humano como vírus de computador. A religiosidade, portanto, seria transmitida culturalmente. E estaria tão arraigada em nosso “sistema operacional” que acabaria sendo “naturalizada” – como se fosse algo que nos pertencesse intrinsecamente. Hamer, Dennet e Dawkins concordam em pelo menos um ponto: a fé é uma característica humana, que provavelmente vai nos acompanhar até o fim dos tempos.

 

Trecho de O Guardador de Rebanhos,
Alberto Caeiro

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Metafísica?
Que metafísica têm
aquelas árvores?
A de serem verdes
e copadas e de terem ramos.
E a de dar fruto na sua hora,
o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos
dar por elas.
Mas que melhor metafísica
que a delas,
Que é a de não saber
para que vivem
Nem saber que não o sabem?

 

 

Sinal de civilização
Na antropologia, a fé é indicador de complexidade social

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Todo antropólogo, quando quer descobrir quão complexa é determinada sociedade, dedica-se logo a estudar a religiosidade daquele grupo. A crença em alguma força ou ser superior, para a antropologia, é sinal de civilização – ou evidência da tentativa de encontrar respostas para aquilo que não se compreende (leia mais na reportagem da pág. 42). “Não por acaso, as divindades mais comuns entre os povos primitivos eram associadas à natureza”, diz a historiadora Eliane Moura, da Universidade de Campinas (Unicamp), especialista em religião. “As primeiras sociedades não tinham apenas um Deus mas um verdadeiro panteão, onde estavam representados o Sol, o relâmpago, o trovão, o fogo e a chuva, entre outros fenômenos naturais.”

 

 

Para saber mais

• O Gene de Deus
Dean Hamer, Mercuryo, 2005.

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• Quebrando o Encanto
Daniel Dennett, Globo, 2006.

 

 

 

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