Por que os incas cavaram milhares de buracos em uma montanha? Estudo traz pistas
Pesquisadores encontraram indícios que podem mudar o entendimento sobre um dos sítios mais enigmáticos dos Andes.
Durante quase um século, o Monte Sierpe (ou “Montanha da Serpente”), no sul do Peru, intrigou arqueólogos. A encosta rochosa, recoberta por mais de 5 mil buracos alinhados com precisão, parecia desafiar qualquer explicação.
Agora, uma pesquisa publicada na revista Antiquity apresenta a hipótese mais consistente até hoje: o local pode ter sido um antigo mercado de trocas e, mais tarde, um sistema de contabilidade usado por povos indígenas e pelos incas.
Os pesquisadores combinaram mapeamentos com drones e análises microscópicas do solo para examinar o sítio, conhecido também como “Faixa de Buracos”. A investigação revelou padrões numéricos na disposição das cavidades e vestígios de milho e de plantas usadas tradicionalmente para fazer cestos.
Os buracos se estendem por cerca de um quilômetro e meio no Vale do Pisco, a 35 quilômetros do litoral. Têm de um a dois metros de largura e meio metro de profundidade, distribuídos em seções ou blocos separados por faixas de terra.
O padrão das fileiras segue repetições específicas, como séries de sete ou oito buracos, sugerindo um sistema organizado. Essa estrutura se assemelha à de um quipu, o dispositivo de cordas com nós usado pelos incas para registrar tributos e estoques.
As análises de sedimentos mostraram pólen de milho e de juncos, plantas que há milênios são usadas para trançar cestos. Isso indica que pessoas depositavam produtos vegetais nos buracos, provavelmente utilizando feixes ou cestos para o transporte.
O local está em uma região de transição ecológica entre a serra e a costa, conhecida como chaupiyunga, onde diferentes grupos costumavam se encontrar para trocar mercadorias. Essa localização, somada à proximidade com antigas rotas comerciais e centros administrativos incas, reforça a hipótese de que o sítio tenha funcionado como ponto de encontro e de comércio.
O arqueólogo Jacob Bongers, autor principal do estudo, sugere que o Monte Sierpe tenha sido um mercado pré-inca frequentado por agricultores, pescadores e comerciantes.
“Sabemos que a população pré-hispânica aqui era de cerca de 100.000 pessoas. Talvez comerciantes itinerantes e caravanas de lhamas se reunissem no local para trocar produtos locais, como milho e algodão. Vejo esses buracos como um tipo de tecnologia social que reunia as pessoas e, mais tarde, se tornou um sistema de contabilidade em larga escala sob o Império Inca”, afirmou em comunicado.
O estudo indica que o local foi construído por volta do ano 1000, quando o Vale do Pisco integrava o Reino de Chincha, uma sociedade próspera baseada em agricultura e comércio marítimo.
Quando os incas conquistaram a região no século 15, reorganizaram os sistemas produtivos e passaram a cobrar tributos em bens e trabalho. Segundo os autores, o Monte Sierpe pode ter sido incorporado a esse sistema, servindo como uma ferramenta física de registro e controle. Cada conjunto de buracos poderia representar um grupo responsável por entregar uma quantidade específica de produtos.
A disposição geométrica dos blocos de cavidades se assemelha à estrutura de um quipu encontrado próximo dali, hoje preservado no Museu Etnológico de Berlim. Para os pesquisadores, essa semelhança reforça a hipótese de que o Monte Sierpe tenha funcionado como um “quipu da paisagem”, um instrumento de contabilidade materializado no terreno.
O trabalho também ajuda a afastar explicações fantasiosas que associavam o sítio a civilizações perdidas ou seres extraterrestres. Nenhuma evidência de fortificações, sepultamentos ou mineração foi encontrada, e a hipótese agrícola é inviável, já que o clima extremamente árido e a falta de água impediriam o cultivo local.
Para Bongers, Monte Sierpe representa um exemplo único de como comunidades antigas modificavam a paisagem para organizar trocas e encontros. “Esta pesquisa contribui com um importante estudo de caso andino sobre como as comunidades do passado modificaram as paisagens para reunir pessoas e promover a interação”, disse.
Os autores pretendem continuar as investigações com novas escavações e datações por radiocarbono. O objetivo é compreender melhor quando e como o monumento foi construído, além de aprofundar o estudo sobre os sistemas de contabilidade e troca usados por sociedades andinas antes da colonização.
“Ainda há muitas perguntas, mas estamos cada vez mais perto de compreender esse sítio misterioso. É muito empolgante”, concluiu o arqueólogo.
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