Qual o segredo da linguagem humana?
Programação genética ou aprendizado cultural? De onde vem nossa habilidade para a comunicação?
Eduardo Sklarz
Ao longo da história, esse mistério mobilizou duas correntes teóricas principais. Para as chamadas teorias nativistas, as crianças já nascem predispostas a adquirir a linguagem. O cérebro, portanto, estaria geneticamente preparado para albergá-la. A estrela dessa corrente é a Teoria da Gramática Universal (GU), segundo a qual todas as línguas compartilham de certos princípios que são inatos ao ser humano. Ao serem expostas a essas línguas, as crianças rapidamente assimilam sua estrutura. Não é à toa que, com alguns meses de idade, elas balbuciam palavras e, por volta dos 4 anos, conseguem fazer múltiplas combinações a partir de um vocabulário finito.
Do outro lado estão as teorias não nativistas, que enfatizam fatores ambientais e a interação das crianças com seus pais e educadores. Essas teorias não se concentram apenas nos elementos lin- güísticos, mas no uso que fazemos deles – ou seja, no contexto e na forma como as frases são utilizadas. Vista desse modo, nossa habilidade de adquirir linguagem não dependeria exclusivamente da ativação de um aparato interno inato, mas do processo de socialização no grupo a que pertencemos.
Genes e ambiente
Hoje, a maioria dos lingüistas concorda que tanto a biologia como o ambiente são importantes. “Ninguém pode duvidar de que existe um fator genético que determina a aquisição da linguagem pelos humanos – enquanto outros organismos, vivendo exatamente no mesmo ambiente, não a adquirem. Eles nem ao menos reconhecem que alguns elementos do ambiente estão ligados à linguagem”, diz o lingüista americano Noam Chomsky, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), principal expoente da Teoria da Gramática Universal. “As crianças adquirem a linguagem de forma quase reflexiva, muito antes de terem familiaridade com muitos aspectos de sua cultura. Por outro lado, tampouco existem dúvidas de que o ambiente influencia esse processo. É graças aos fatores ambientais, por exemplo, que eu falo inglês e não suaíli.”
A neurologia segue no mesmo caminho. “O programa genético garante a possibilidade de aprender linguagem e constituir a mente humana. Mas, para que essa possibilidade se realize, ela vai depender da interação com pessoas e coisas, ou seja, da constituição das redes neurais que representam os conceitos e as palavras”, diz o neurologista Benito Damasceno, da Unicamp. Ou seja: o desenvolvimento da linguagem seria semelhante ao da visão, ao da locomoção ou ao de qualquer outro sistema orgânico.
O problema é que, ao contrário de outros sistemas orgânicos, a linguagem é difícil de ser estudada por ser exclusiva da nossa espécie. Golfinhos e macacos podem se comunicar, mas aparentemente não desenvolvem regras para formar frases como nós. Mas tudo deve ficar mais fácil em breve. Quanto mais conhecermos as causas de distúrbios de linguagem, mais ficaremos sabendo sobre o peso dos genes e dos fatores ambientais envolvidos em nossa habilidade para a comunicação.