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Quando os gênios foram burros

Nem os maiores cientistas do mundo escaparam de falar uma asneira ou outra ao longo da história.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 31 out 2008, 22h00

Texto Karin Hueck

Todo gênio tem seu dia de asno. Do pai da física moderna, Isaac Newton, ao maior cérebro de todos os tempos, Albert Einstein: ninguém escapou de um escorregão ou outro ao longo da vida. Reunimos aqui as maiores bobagens já levadas a sério na história da ciência.

 

Séc. 3 a. C.

Quanto mais pesada é uma pedra, mais rápido ela cai.

Aristóteles. Ele só foi desmentido por Galileu, 19 séculos depois.

 

Séc. 16

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O inferno de Galileu

Gênio burro: Galileu Galilei.
Por que ele é um gênio: Fez descobertas importantes na mecânica, na física e na astronomia.
Por que ele é um burro: Provou matematicamente a existência do inferno de Dante.

Galileu Galilei era um rapaz perdido na vida. Em 1585, tinha acabado de largar a faculdade de medicina para se dedicar às ciências exatas, contra a vontade do pai. Para concorrer a uma vaga de professor de matemática na Universidade de Pisa, o cientista resolveu entrar numa polêmica que movimentava a ciência da época havia 100 anos: onde e como é o inferno? Galileu calculou e localizou não o inferno bíblico, mas o de Dante Alighieri, da Divina Comédia. Usando bases matemáticas, ele o descreveu como cônico, com a parte mais profunda no centro da Terra e o teto logo abaixo da crosta terrestre, em volta de Jerusalém. Para nós, parece uma viagem tão grande quanto tentar descrever o castelo de Frankenstein, mas o estudo foi recebido com entusiasmo pela academia de Pisa. Tratar a fé com seriedade científica fazia sentido na época – aliás, era bom ser respeitoso com a Igreja. Em 1632, quando Galileu defendeu que a Terra girava ao redor do Sol, e não o contrário, por pouco ele não foi executado pela Inquisição. Acabou tendo de negar a descoberta para, assim, salvar a pele.

Kepler, o sagitariano

Gênio burro: Johannes Kepler.
Por que ele é um gênio: Descobriu as leis do movimento planetário.
Por que ele é um burro: Acreditava que a astrologia e a astronomia eram a mesma coisa.

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O casamento de Johannes Kepler estava marcado para o dia 27 de abril de 1596, mas algo incomodava o noivo. Embora estivesse apaixonado por sua futura esposa, o cientista alemão pressentia que seu casamento seria um fracasso. O motivo? A “constelação de mau agouro” que se formava no céu aquele dia. Sim, o astrônomo que descobriu a lógica por trás dos movimentos planetários não fazia nada sem consultar o horóscopo antes. Boa parte de seus trabalhos foi dedicada a validar a astrologia frente à astronomia, e provar que uma não existe sem a outra. Aliás, sua maior fonte de renda eram os mapas astrais que fazia por encomenda – mais de 800 deles estão preservados até hoje. Assim, com base nos astros, ele descreveria o pai como “propenso ao crime, brigão, passível de um final infeliz”, e a mãe era “magra, tagarela e mal-humorada”. Ele foi o último cientista importante a acreditar que astrologia e astronomia eram a mesma coisa. (Só para constar: seu casamento, de fato, foi um fracasso.)

 

Séc. 17

Xixi brilhante

Gênio Burro: Robert Boyle.
Por que ele é um gênio: Calculou a relação entre volume e pressão em gases.
Por que ele é um burro: Acreditou que urina daria origem à pedra filosofal.

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O pai da química, quem diria, foi um alquimista de mão-cheia. O inglês Robert Boyle transformou a química numa ciência racional ainda no século 17, e foi o primeiro a descobrir a relação entre pressão e volume nos gases. Acontece que ele passou boa parte da vida procurando a pedra filosofal – aquela que transformaria qualquer metal em ouro – e de um jeito pouco convencional. Em 1677, Boyle soube que um alquimista alemão havia descoberto uma substância que brilhava no escuro e que daria origem à pedra filosofal. Boyle pediu ao alemão uma dica para que ele também pudesse experimentar com o material. “A substância vem do corpo humano”, foi a resposta. Boyle, então, passou anos coletando a urina das latrinas da mansão onde morava para fervê-la, cozinhá-la e misturá-la a outras substâncias, na esperança de chegar ao material brilhante. Dois anos e muitas idas ao banheiro depois, ele conseguiu isolar a substância misteriosa, que nada mais era do que fósforo – e não transforma coisa alguma em ouro.

A luz viaja mais rápido pela água do que pelo ar.

Isaac Newton, afirmando exatamente o contrário do que acontece.

 

Séc. 18

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O mago newton

Gênio burro: Isaac Newton.
Por que ele é um gênio: Determinou todas as leis da física.
Por que ele é um burro: Estabeleceu uma data para o fim do mundo.

Isaac Newton passou a maior parte da vida estudando… a Bíblia. Pois é, o homem que determinou as 3 leis básicas da física dedicou muito mais tempo e páginas escritas (cerca de 1,3 milhão de palavras) a desvendar as profecias bíblicas e a entender os segredos da alquimia do que a descobrir as regras da mecânica. O cientista chamava de “fanáticas e despreparadas” aquelas pessoas que levavam a Bíblia ao pé da letra, então o que ele fez? Ficou obcecado em encontrar os significados escondidos das escrituras sagradas. Foi assim, por exemplo, que ele calculou a data do fim do mundo, previsto para 2060 (se o mundo realmente acabar, pedimos desculpas a Newton). Os textos não científicos do inglês são pouco conhecidos e revelam que ele usava termos místicos e códigos misteriosos para descrever suas descobertas na alquimia, como “o sol se põe na água brilhante” – que queria dizer simplesmente “o ouro derrete”. O problema é que, no comecinho do século 18, esse tipo de estudo já estava ultrapassado. E o pior: durante anos, Newton nem tomou conhecimento da física. Como disse o economista John Maynard Keynes, que comprou os manuscritos religiosos do físico, em 1936: “Newton não foi o primeiro homem da idade da razão, mas o último dos magos”.

Sapos elétricos

Gênio Burro: Luigi Galvani
Por que ele é um gênio: Descobriu a corrente elétrica.
Por que ele é burro: Achava que rãs mortas emitiam eletricidade

A moda, no fim do século 18, era investigar a energia elétrica. Luigi Galvani era um professor de anatomia na Universidade de Bolonha em 1780 e era apenas mais um cientista que fazia seus estudos em mais de uma área do conhecimento. Galvani resolveu observar o que aconteceria se colocasse energia elétrica no sistema nervoso de rãs mortas. Surpreendentemente, as pernas do animal se retorciam com a eletricidade. E o mais assustador: bastava molhar o anfíbio e ligar uma máquina que emitisse faíscas elétricas por perto para fazer a rã se mexer. Nem ao menos era preciso encostar as faíscas no animal! O italiano tinha descoberto a corrente elétrica, que mais tarde seria a base para o galvanômetro, aparelho capaz de medir essa corrente. Como a física da época não conseguia entender o fenômeno, Galvani publicou um trabalho dizendo que os músculos dos sapos emitiam eletricidade – e que isso seria o fluido vital que explicaria a vida de todos os seres vivos. Genial, não?

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A República não precisa de cientistas.

Jean-Paul Marat, revolucionário francês, minutos antes de Lavoisier, o descobridor do oxigênio, ser decapitado na guilhotina.

 

Sec. 19

Sou totalmente contra essa viagem do Charles com o Beagle. Ele está se afastando da Igreja e entrando numa vida de jogos e preguiça.

Robert Darwin, pai de Charles Darwin, antes da viagem que serviria de inspiração para a Teoria da Evolução.

Acho que essas ondas sem fio que eu descobri não têm nenhuma aplicação prática.

Heinrich Hertz, descobridor das ondas de rádio.

 

Séc.20

Ele já sabia

Gênio Burro: Albert Einstein.
Por que ele é um gênio: Transformou todos os conceitos da física para sempre.
Por que ele é um burro: Descobriu que o Universo está em expansão, depois negou a descoberta, depois assumiu de novo a expansão.

Em 1900, o Universo era estático. Albert Einstein era apenas mais um físico a acreditar que a Via Láctea e todas as outras galáxias estavam fixas no espaço, e ficariam assim até o fim dos tempos. Mas ele não era um cientista qualquer. Quando Einstein bolou a Teoria da Relatividade – na qual o espaço e o tempo se distorciam em função da massa e da energia –, ele descobriu que as contas só fechavam se o Universo estivesse em movimento. Como essa possibilidade era inconcebível até mesmo para ele, inventou uma tal de “constante cosmológica”, que faria tudo ficar paradinho. (Essa constante era tão furada que nem mesmo ele acreditava muito nela quando a inventou.) Doze anos depois, o físico americano Edwin Hubble conseguiu comprovar por meio de observações telescópicas que o Universo estava, sim, crescendo. Einstein, gênio do jeito que era, não insistiu na besteira. Reconheceu que sua primeira intuição estava certa e chamou a constante cosmológica de maior erro da sua vida. Mesmo na burrice, ele tinha razão.

Não há nenhuma evidência de que se possa obter energia do átomo.

Albert Einstein, antes da bomba atômica.

 

Para saber mais

Scientific Blunders: A Brief History of How Wrong Scientists Can Sometimes Be

Robert Youngson, Carroll & Graf Publishers, 1998.

 

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