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Ser agente da CIA

A espiã americana Lindsay Moran diz que ser agente da CIA significa passar horas dentro de escritórios e perder todo o direito à privacidade.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h25 - Publicado em 31 mar 2007, 22h00

Texto Tiago Cordeiro

Na infância, ela era fã de um romance infantil de espionagem chamado Harriet the Spy. Mas Lindsay Moran Kegley seguiu um rumo diferente no final da adolescência. Aprovada em Harvard, começou a estudar literatura inglesa e a ganhar a vida como professora. Até que soube por intermédio de uma amiga que a Central Intelligence Agency (CIA), a agência de espionagem americana, estava contratando novos agentes. Sem contar para ninguém, Lindsay se candidatou. Aprovada em 1998, passou 5 anos trabalhando para a agência responsável por espionar governos, corporações e pessoas de outros países, além de difundir pelo mundo informações – verdadeiras ou falsas – que sejam do interesse dos EUA.

Lindsay foi parar na Macedônia, na região dos Bálcãs europeus, onde atuou por dois anos. Em 2003, largou a carreira e começou a contar os bastidores de sua vida em artigos publicados com grande repercussão nos jornais Washington Post, The New York Times e USA Today. Em 2005, reuniu todas as suas experiências no mundo das ações de inteligência no livro Blowing My Cover: My Life as a CIA Spy. Em entrevista, Lindsay conta que a preparação para ser espiã era emocionante, mas a rotina da agência era muito monótona. “Acredite, ser espiã não é muito mais emocionante do que ser mãe”, ela garante.

ARQUIVOS SECRETOS – O que você fazia antes de virar espiã?

LINDSAY MORAN – Nasci em Iowa City, no estado americano de Iowa. Eu era apaixonada pelo livro Harriet the Spy, da escritora Louise Fitzhugh. Moldei minha vida no exemplo da personagem Harriet. Queria ter um kit de espionagem e me imaginava passando para meus chefes relatórios sobre o comportamento dos meus colegas. A fascinação por essa vida nunca foi embora, nem na adolescência nem quando estudei literatura inglesa em Harvard. Antes de trabalhar para a CIA, eu era professora. Dei aulas de inglês e de literatura na Bulgária, e depois em São Francisco.

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Por que você resolveu se candidatar para a CIA? Foi fácil entrar para a agência?

Esse sempre foi meu sonho, desde que eu era uma garotinha. Mas o processo de seleção foi tremendamente difícil. Eles remexem em toda a sua vida, querem saber como eram seus avós, seus pais, seus tios, seus amigos, remexem em cada trauma de infância e em cada problema da adolescência. Além disso, você obviamente não pode contar a ninguém que está se candidatando. E ninguém, absolutamente ninguém, entra para a CIA sem contar a vida inteira em uma entrevista com um detector de mentiras. Essa é a parte mais difícil.

Como era o treino? Quanto tempo demorou para você se tornar uma agente?

Era rigoroso e intenso, e incluía saltar de aviões com pára-quedas e arremessar carros contra muros e cercas. Esse é um dos treinamentos mais complicados, porque você tem que calcular a velocidade do carro e o ângulo certo para arrebentar o obstáculo do melhor jeito, sem se machucar. Mas a parte mais importante da preparação é o treinamento para espião em si. Existe um curso completo de espionagem, é quando você aprende a ser um agente infiltrado de sucesso. Durante vários meses, moramos em uma instalação da CIA, que chamamos de “fazenda”, onde vivíamos com disfarces, imaginando que estávamos morando em um país completamente diferente do nosso. Era uma forma de saber o que fazer quando precisássemos viajar com nomes falsos sem ninguém perceber. É difícil criar um personagem que tem que durar meses e, ao mesmo tempo, manter o foco na ação que precisamos realizar.

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O treinamento tinha aulas práticas de espionagem?

Algumas das lições são colocadas em prática, sim. Somos testados em nossa capacidade de seguir pessoas. Mas outras coisas você só aprende fazendo. Usar disfarces, por exemplo, é muito difícil, requer muita repetição. No começo, você esquece que personagem está fazendo, troca seu nome ou sua profissão, é algo muito difícil.

Após se tornar agente, você passou mais tempo mexendo com papéis no escritório ou em ações de verdade, na rua?

É meio a meio. Ficamos tanto tempo em ação quanto no escritório, o que para mim foi uma surpresa bastante desagradável. Para ser honesta, não é nem de longe tão perigoso ou excitante quanto as pessoas imaginam. Passei horas e horas sentada em carros estacionados, vigiando pessoas que poderiam ter alguma informação importante, mas que também poderiam não ter absolutamente nada de relevante.

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Quantas missões você fez no exterior?

Durante dois anos, fiquei locada na Europa. Mais precisamente na Macedônia, na região dos Bálcãs. Ali era a minha central de operações, e eu viajava muito por todo o sudoeste europeu.

Entre suas missões, qual foi a mais perigosa?

Missão é coisa de filme. Na verdade, você não recebe missões. O principal trabalho é recrutar estrangeiros que queiram vender segredos para você. Parece simples, mas localizar a pessoa certa e convencê-la a falar é um trabalho árduo de meses e meses, chegando até mesmo a demorar vários anos. É tudo muito lento. Não existe nada parecido com as cenas do filme Missão Impossível, por exemplo.

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Você teve que chegar a matar alguma pessoa?

Bem, eu provavelmente nunca iria admitir isso em uma entrevista! Mas não. Ou pelo menos não que eu saiba.

Qual impacto a carreira teve na sua vida pessoal?

Que vida pessoal? Ela acabou quando eu entrei para a CIA. O máximo que acontecia era eu me apaixonar de vez em quando. Cheguei a namorar uma fonte de informações lá na Macedônia, mas era impossível não misturar trabalho e prazer. E o trabalho, quando você é um agente, vem sempre em primeiro lugar. Durante meus anos de espiã, o máximo de relações pessoais que eu tinha era com meus chefes e com essas fontes. Certa vez, comecei a trabalhar com um comerciante albanês bem relacionado entre pessoas importantes na região do Kosovo. Foi uma dificuldade convencer esse homem a se comportar de um jeito discreto. Ele estava muito mais interessado em me levar para a cama do que no dinheiro que ele ganharia ao colaborar para a CIA. Na nossa primeira viagem de reconhecimento de campo, inventei o disfarce de que éramos casados, porque esse é sempre o jeito mais simples de duas pessoas de sexos diferentes chegarem a um lugar estranho. Ele gostou da mentira e começou a andar pela rua falando alto: “Nós estamos fazendo sexo!” Nos restaurantes, falava para mim, em voz alta, que estava muito feliz em colaborar com o governo americano. Mas discutimos tanto sobre isso que ele acabou aprendendo a se comportar como um informante.

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Você acha que a CIA tem condições de lidar com o terrorismo hoje?

Não tem. A CIA é uma organização assustadoramente desorganizada e muito pouco racional. Não tenho dúvida de que muitas pessoas com vínculos com o terrorismo vivem hoje nos EUA, e a pergunta não é “se” elas vão voltar a atacar com violência, mas sim “quando”. É assustador, mas a CIA é tão burocrática que os melhores profissionais acabam saindo. A agência premia as pessoas que cumprem o protocolo, e não as mais competentes. Além disso, para ser espião é preciso ser um tanto mau-caráter. O trabalho do espião é sujo, consiste em enganar e manipular as pessoas o tempo todo.

Vem daí a sua decisão de deixar a agência?

Deixei a CIA tanto por motivos pessoais quanto ideológicos. Basicamente, me dei conta de que não queria passar a vida inteira numa vida dupla, especialmente porque era um sacrifício inútil. Eu estava abrindo mão da minha juventude para servir a um órgão que não está ajudando o país. Hoje, sou escritora, esposa e mãe. E acredite, ser espiã não é muito mais emocionante do que ser mãe. Minha rotina ficou só um pouco menos excitante. Em compensação, sou uma pessoa infinitamente mais saudável e feliz.

Campo minado

A região onde Lindsay Moran atuou como espiã é problemática há quase 600 anos. Localizados no sudeste europeu, os Bálcãs foram tomados pelo Império Otomano durante o século 16. Com o isolamento dos otomanos e a mudança do centro de poder da Europa rumo ao oceano Atlântico, eles se tornaram a parte mais pobre do continente. Foi em Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegóvina, que foi dado o tiro que detonou a 1a Guerra Mundial, com o assassinato do arquiduque austríaco Franz Ferdinand, em 1914. Depois da 2a Guerra, a região foi dominada pela União Soviética, e a mão forte dos russos represou as fortes tensões étnicas que existiam ali. O lugar é um caldeirão de culturas: a região foi formada pela influência dos gregos e dos romanos, mas depois foi ocupada pelos eslavos, pelos cristãos ortodoxos e, depois, pelos muçulmanos. Na Idade Média, durante a Inquisição, a área ainda foi procurada por judeus.

Na década de 1990, a região foi seriamente afetada pelo conflito entre as antigas repúblicas da Iugoslávia, o que resultou na intervenção da ONU na Bósnia-Herzegóvina, em Kosovo e na Macedônia. A situação da província de Kosovo e de seus habitantes albaneses continua sem solução. Por exemplo: a nova Constituição sérvia, aprovada em novembro, reivindica a posse imediata da província. “Nossa missão principal era acompanhar de perto os grupos extremistas da Sérvia, para evitar que eles provocassem instabilidade naquela região e nos países vizinhos, especialmente a Turquia”, diz Lindsay.

Quando a espiã chegou à região, a Sérvia ainda era governada pelo ditador Slobodan Milosevic, o causador das guerras que, entre 1991 e 1995, desintegraram a Iugoslávia. A pretexto de preservar os sérvios que viviam na Bósnia e na Croácia, Milosevic começou a invadir os países vizinhos. Em 1999, a Sérvia sofreu 11 semanas de bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Quando foi deposto, em 2000, Milosevic foi julgado na Corte de Haia, sob a acusação de iniciar uma limpeza étnica e cometer as piores violações dos direitos humanos na Europa desde a 2a Guerra. No entanto, o ditador acabou morrendo na cadeia, sem ver o resultado final de seu julgamento.

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