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Torre Eiffel: Cem anos nos céus de Paris

Inaugurada em maio de 1889, a Torre Eiffel é um prodígio de engenharia e o símbolo de um tempo. Seus 300 metros ergueram as aspirações de um mundo em transformação.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h08 - Publicado em 30 abr 1989, 22h00

Gisela Heymann

Neste dia 15 de maio, uma das mais belas filhas da França completa a respeitável idade de 100 anos. Símbolos por excelência de Paris, como o Coliseu é de Roma e o Cristo Redentor do Rio de Janeiro, a Torre Eiffel – construção vizinha à margem esquerda do Sena, num dos pontos mais elegantes da cidade – é também um dos símbolos característicos de um período de formidável expansão da civilização humana, na esteira da Revolução Industrial desencadeada na Inglaterra. Naquele final do século XIX, tudo era movimento e mudança, inovação e invento. Por toda parte vicejava a ordem burguesa, cujo grande edifício político começara a ser construído na Revolução de 1789 na França – em celebração da qual se decidiu erguer em Paris um marco imperecível. Para não melindrar as muitas monarquias ainda existentes, porém, optou-se por festejar o advento da República francesa longe da memória da guilhotina, valorizando mais o presente e o futuro.

Era uma idéia esculpida sob medida para um homem que encarnava em seu métier o espírito ousado da época – Gustave Eiffel, engenheiro nascido em Dijon, a terra da mostarda, no sul do país, em 1832. Monsieur Eiffel era um construtor de pontes, conhecido também pela criação de algumas obras nada convencionais, como a estrutura da Estátua da Liberdade, em Nova York, a cúpula do observatório de Nice, no sul da França – que tinha a peculiaridade de poder ser girada apenas com as mãos, devido a um genial mecanismo apoiado num lençol de água. Usando seu extraordinário talento para cálculos, concebeu pontes como se fossem kits, para serem montadas em poucas horas. Foi um sucesso de vendas, pois Eiffel era ainda um excelente homem de negócios.

Cinco anos antes do centenário da Revolução Francesa, os organizadores da Exibição Universal de Paris, de 1889 – uma exposição periódica de inventos do mundo inteiro -, tomaram a decisão de construir um monumento para honrar a data. Seria uma torre de mil pés (304,8 metros), altura que pairava como um desafio ao engenho tecnológico do tempo. Dois engenheiros da construtora Eiffel, Emile Nouguier e Maurice Koechlin, trabalhavam então no projeto de um imenso pilar de ferro – o material da moda, na época – formado por quatro bases que se encontravam no topo. Segundo seu desenho, a torre seria intercalada por plataformas metálicas, o que serviria para fixar a construção.

As plantas foram apresentadas a Eiffel. Este, embora não aparentasse maior interesse, permitiu que os dois discípulos continuassem com os estudos. A eles se juntou o arquiteto Stephen Souvestre, outro veterano da empresa, responsável por diversas modificações no projeto inicial. Para começar, Souvestre idealizou um imenso salão envidraçado que ocuparia todo o primeiro andar. O salão e as quatro colunas seriam unidos por arcos monumentais, que não só dariam impressão de maior estabilidade ao conjunto como também serviriam de portão de entrada da Exibição.

Tais alterações e, sobretudo, a possibilidade de ser o primeiro a levantar uma obra de 300 metros, despertaram a vaidade do construtor. Em março de 1885, Eiffel se apressou a exibir o projeto à Sociedade dos Engenheiros Civis. Resultado: quando o ministro do Comércio, Eduard Leckroy, abriu a concorrência para a escolha da torre, o texto deixava claro qual tinha sido a fonte de inspiração: “Sugerimos que se pense na alternativa de projetar uma torre de ferro de 300 metros de altura, com quatro pilares de base, que formem um quadrado de 125 metros de lado…”

A 12 de junho, a comissão julgadora anunciou a decisão, de resto já esperada por todos: entre setecentos projetos de 107 autores, o de Gustave Eiffel tinha sido escolhido para o monumento à Revolução. Ele receberia uma subvenção de 1,5 milhão de francos para os trabalhos, que custariam na verdade 7,8 milhões – uma dinheirama equivalente ao custo de 20 mil casas de padrão médio. O resto do orçamento deveria ser levantado pelo próprio Eiffel. Ele teria, em compensação, o direito de explorar o monumento por vinte anos. Era pegar ou largar. Eiffel pegou. O terreno doado pela Prefeitura de Paris, ficava junto aos jardins do Campo de Marte na Rive gauche. Nos dezoito meses seguintes, cinquenta engenheiros desenharam nada menos de 5 300 plantas. As 18 038 peças da torre foram pré-fabricadas, nas oficinas Lavallois-Perret, algo até então nunca tentado em obras de grande porte (nesses casos, as peças eram produzidas no local da montagem).

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De 150 a 300 operários trabalharam na construção da torre propriamente dita, enquanto outros tantos fabricaram os 2,5 milhões de parafusos e o milhão de rebites que uniriam com precisão de décimos de milímetro todas as partes desse gigantesco brinquedo de montar. As vigas já subiam no tamanho certo e devidamente furadas – só os parafusos eram fixados no local. Para sustentar os quatro pilares voltados para os pontos cardeais, que deveriam repousar sob o solo num lençol arenoso, foi necessário remover 30 mil metros cúbicos de lodo, argila e terra; só isso consumiu quase meio ano de trabalho. Mais uma vez, Eiffel se mostrou revolucionário: para trabalhar no subsolo, utilizou caixas de ar comprimido que eram progressivamente empurradas até alcançar a profundidade ideal. Depois, preenchidas com cimento, serviram de fundações para a torre.

Houve quem não gostasse da idéia de espetar nos céus de Paris tão extravagante agulha de ferro. Um respeitável número de artistas, por exemplo, redigiu uma carta de protesto contra a “aberração” que “ofendia o bom gosto dos franceses”. O escritor Guy de Maupassant, por exemplo, dizia tratar-se de um “esqueleto horroroso”. Impassível Eiffel levou adiante seu propósito. A construção acima do solo finalmente começou a 1 de julho de 1887. A maior dificuldade era atingir o primeiro andar. A partir dali a estrutura básica estaria armada, bastando apenas, por assim dizer, empilhar algumas toneladas de traves e parafusos.

Antes disso, porém, os quatro pés eram colunas inclinadas, soltas no espaço. Foi preciso escorá-las com postes de madeira que sustentavam as caixas de areia onde as colunas de ferro se apoiavam. Estas atingiam a inclinação exata à medida que, pouco a pouco, se escoava a areia. Além disso, sob cada uma das quatro bases, foi colocado um macaco hidráulico, para ajustar a altura ideal. O resultado foi uma perfeita coincidência dos quatro pilares a 57 metros de altura – não foi preciso limar ou cortar 1 centímetro sequer. As obras, em si, logo viraram uma grande atração: parisienses, franceses de outras cidades e até estrangeiros vinham todos contemplar a colossal armação.

A perfeição do trabalho entusiasmou tanto os franceses que alguns deles se dispuseram a escalar 345 degraus, o equivalente a dezenove andares de um prédio, até uma barraca improvisada onde o exigente Eiffel e sua equipe festejavam a proeza. Seu desafio seguinte era a altura. Como não existiam guindastes capazes de içar peças a tamanha elevação, o engenheiro recorreu a um sistema inovador que, depois de imaginado, parece óbvio: a própria torre sustentaria quatro gruas a vapor para transportar as vigas.

À medida que a construção subisse, as roldanas das gruas também seriam deslocadas para andares superiores. Quatro meses depois, alcançou-se o segundo andar.

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Para que os trabalhadores não perdessem tempo subindo e descendo intermináveis escadas, Eiffel autorizou a construção de duas cantinas nas plataformas. O preço das refeições era módico: 65 centimes, pouco mais da metade do que os peões recebiam por um hora de serviço. Não obstante, e talvez motivados pela inquietação do final do trabalho, em setembro de 1888 os operários entraram em greve por melhores salários. Quatro dias parados depois, as reivindicações foram atendidas. Para Eiffel valia a pena pagar a diferença para não perder a batalha contra o tempo. Pouco mais tarde, outra greve eclodia. Dessa vez, porém, Eiffel foi inflexível: não só não aumentou os salários como também puniu de maneira peculiar os líderes do movimento, confinando-os ao primeiro andar – um humilhante rebaixamento para quem construía a grande obra de engenharia do século.

A tarefa de encaixar as milhares de peças do imenso quebra-cabeça tornava-se cada vez mais rápida: a torre afinava à medida que ganhava altura. Erguidas pelo sistema das gruas, as peças levavam em média apenas 15 minutos para alcançar a altura de 200 metros. Em fevereiro de 1889, quando a torre alcançou 264 metros, um obscuro matemático francês, cujo nome não entrou para a história, previu seu desmoronamento; naturalmente, nada aconteceu – ela se mantinha absolutamente rígida. O vento, esse sim, era uma das principais preocupações de Eiffel, construtor de uma ponte que ruiu sob um vendaval noturno. Para não correr riscos parecidos, o engenheiro desenhou a torre de maneira que resistisse a rajadas de até 250 quilômetros por hora, algo que os parisienses jamais tiveram o dissabor de ver nestes cem anos.

Mesmo nesse caso extremo, a estrutura da torre permitiria que a ponte se movesse nada menos de 70 centímetros, sem apresentar, contudo, o menor perigo (o recorde até hoje foram apenas 15 centímetros). Além do vento, também o sol influi na dança porque a face da torre diretamente exposta ao calor dos seus raios se dilata mais depressa, fazendo o conjunto se inclinar levemente na direção oposta. Hoje, um monitor de TV instalado no primeiro andar mostra aos visitantes, graças a um sistema de visualização por raios infravermelhos, como a torre oscila lá em cima.

A 31 de março de 1889, a construção estava pronta. Nos exatos dois anos, dois meses e cinco dias de trabalho, vários recordes foram batidos.

Em primeiro lugar, com seus 300,65 metros, a torre permaneceria a estrutura mais alta do mundo até a inauguração do Empire State Building, em Nova York, com 380 metros, 41 anos depois. (Atualmente, a mais alta construção é a torre da TV Nacional da Polônia, em Varsóvia com 646 metros.)

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Além disso, numa época em que a segurança no trabalho era mínima, a inexistência de acidentes fatais foi um marco à parte. Enfim, trata-se, literalmente de um monumento à leveza. Perfeitamente encaixadas, devido aos impecáveis cálculos de Monsieur Eiffel, as 7 300 toneladas da torre propriamente dita exercem uma pressão de apenas 4,5 quilos por centímetro quadrado de seus pés – equivalente à pressão sobre uma cadeira exercida por uma pessoa sentada.

Mantidas as proporções reais entre altura e peso, se a Torre Eiffel medisse apenas 30 centímetros, como uma régua escolar, pesaria 7 gramas, como uma folha de papel. Ainda assim, pode suportar um total de 10 416 pessoas em suas três plataformas – e, desde que foi inaugurada, o que nunca faltou ali foi justamente muita gente. Só no primeiro ano de existência, foi visitada por 2 milhões de pessoas – pouco menos que toda a população de Paris na época. Cobrando 5 francos por uma excursão até o topo – de elevador, naturalmente – e 2 até o primeiro andar, a Sociedade da Torre, então fundada, logo arrecadou 6 milhões de francos, o suficiente não só para reembolsar os banqueiros que financiaram o engenheiro Eiffel mas também para fazer dele próprio um milionário.

Em pouco tempo, a fama do monumento e de seu autor correram mundo. O inventor americano Thomas Edison se apressou a cruzar o Atlântico e ver com os próprios olhos a nova maravilha. Eiffel, para ele, era nada menos que o “engenheiro de Deus”. Os seis meses que durou a Exibição foram uma festa permanente. Eiffel, já perto dos 60 anos, tinha um prazer especial em convidar as pessoas para conhecer seus laboratórios, instalados num apartamento particular no terceiro andar do monumento. À época, ele se interessava por Astronomia, Meteorologia e Aerodinâmica, a que iria se dedicar integralmente anos depois. Para a nata da sociedade, o creme de la creme parisiense, não havia nada mais charmoso que almoçar num dos dois restaurantes do primeiro andar e comprar o diário Le Figaro no segundo, onde funcionaram a redação e as oficinas do jornal durante a mostra.

No entanto, um fantasma pairava sobre a torre – o limite de vinte anos da concessão outorgada a Eiffel. Ou seja, a partir de 1909, a inigualável torre de peças encaixadas poderia ser transformada numa montanha de sucata. Era preciso, portanto, torná-la útil para que sobrevivesse. O engenheiro, então com cerca de 70 anos, já tendo construído no Campo de Marte o primeiro túnel de vento do mundo para experimentos em Aerodinâmica, não parara de pensar no futuro de sua obra-prima. Em 1898, um certo Eugène Ducreter obtivera licença para instalar a antena de um aparelho de telégrafo sem fio no topo da torre. Eiffel logo percebeu que aí estava a garantia de longa vida para o monumento. No fim de 1903 ofereceu a torre ao Exército para a instalação dos equipamentos necessários à telegrafia militar. A oferta foi prontamente aceita.

Proporcionando uma visão de 360 graus a uma distância (em dias claros) de até 70 quilômetros, a torre possuía evidente utilidade como posto de observação militar. Por isso mesmo, ficou fechada aos civis nas duas guerras mundiais. Desde então, continua a servir como ponto de apoio a sistemas de comunicação. Em meados da década de 30 foram realizadas ali as primeiras experiências francesas com emissão de imagens – e em 1946 uma antena de TV instalada no topo elevou a altura da torre a 320 metros. Atualmente, ela pode receber e transmitir os sinais de seis emissoras de TV e dez estações FM de rádio. Passados cem anos, a majestosa construção permanece como uma das maiores atrações turísticas do mundo, visitada anualmente por cerca de 4 milhões de pessoas, que levam como souvenirs 1,5 milhão de cartões-postais e 100 mil chaveiros com o formato da torre.

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Para saber mais:

A salvação da torre

(SUPER número 8, ano 5)

O ENGENHEIRO QUE PENSAVA GRANDE

O vencedor do concurso para o monumento da Exibição Universal de 1889 era um circunspecto cavalheiro de 53 anos, frios olhos azuis, baixote e rechonchudo, autoritário por temperamento e antimonarquista por convicção. Do pai, um veterano das guerras napoleônicas, Gustave Eiffel tinha herdado o espírito sonhador e inventivo; da mãe, a verdadeira chefe da família, o senso prático e o tino para negócios. Em 1857, aos 25 anos, de posse de um diploma de engenheiro químico da École Centrale de Paris, começou a trabalhar numa fábrica de máquinas a vapor e material para ferrovias. Tão bem se saiu que, no ano seguinte, já em outro emprego, supervisionou a construção de uma ponte ferroviária sobre o rio Garonne, em Bordéus, a maior do gênero na França.

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Era a primeira de uma centena de obras que lhe dariam fama e fortuna como um dos grandes construtores de pontes de seu tempo, com obras pelos quatro cantos do mundo, da Rússia à Indochina, da Áustria ao Peru. Desde os 35 anos tinha sua própria empresa de engenharia e não se distinguia exatamente pela modéstia: todo fim de ano tinha o costume de dar um retrato seu de presente à mulher, Marie Gandelet, com quem se casara aos 30 anos e com quem teria cinco filhos. Marie morreu em 1877 de doença pulmonar. Muita gente não gostava de Monsieur Eiffel. Dizia-se que não primava pela lisura nos negócios e se apropriava com muita ligeireza de idéias alheias.

Um episódio em especial deu munição aos seus inimigos. Em 1887, no mesmo ano em que a Torre começava a surgir em Paris, projetou as eclusas do canal do Panamá – o que teria sido a maior obra de sua vida, não fosse um escândalo envolvendo acusações de corrupção que estourou no ano seguinte, mal haviam começado os trabalhos. A participação de Eiffel no caso nunca ficou efetivamente provada. Mesmo assim, foi condenado a dois anos de prisão, sentença depois suspensa pelo Supremo Tribunal. Inaugurada a Torre, o autor trocou as obras pelas pesquisas ligadas à aerodinâmica. Ao morrer, em 1923, aos 91 anos, tinha a seu crédito mais de 5 mil experiências e pelo menos dois projetos futuristas: o de um túnel sob o canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra, de 1890, e o de um avião de combate de alta velocidade, de 1917.

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