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Um mistério chamado Atlântida

Uma ilha fantástica que desapareceu sob as águas do oceano ou uma das muitas lendas contadas através dos tempos?

Por Ivonete Lucirio
Atualizado em 31 out 2016, 18h08 - Publicado em 28 fev 1991, 22h00

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Várias são as opiniões sobre a existência ou não da Atlântida, e mesmo os que nela acreditam divergem quanto a sua localização e o modo como desapareceu. A primeira referência sobre a Atlântida aparece em dois célebres diálogos de Platão, filósofo ateniense que viveu no século IV a. C. No primeiro deles, Timeu, Crítias, um dos personagens de Platão, conta a história de um povo que habitava além das Colunas de Hércules — que hoje é o Estreito de Gibraltar — e cujos “reis haviam formado um império tão grande e maravilhoso”. No outro diálogo, chamado Crítias, ou A Atlântida, Platão, sempre pela boca de Crítias, fornece maiores detalhes sobre aquela sociedade. Conta que, quando os deuses dividiram as terras do planeta entre si, Poseidon (o deus dos mares) ficou com a Ilha de Atlântida. Em uma montanha no centro da ilha vivia Cleitó, uma jovem mortal por quem o deus se apaixonou. Para proteger sua amada, ele isolou a montanha, rodeando-a com água e terra, fossos e muros, alternadamente.Da união de Poseidon e Cleitó nasceram dez filhos homens, em cinco pares de gêmeos. Poseidon dividiu então a ilha em dez partes, uma para cada um dos filhos.

O mais velho recebeu o nome de Atlas, que em grego significa suporte e que passou a designar a ilha intei-ra. O trono era herdado pelo filho mais velho de cada um dos reis, e o poder se conservou assim durante séculos. A ilha, segundo Platão, era maior que a Líbia e a Ásia juntas, pelo menos do que se conhecia desses territórios na época. Muito rica dispunha de grande quantidade de oricalco, uma espécie de liga de metal muito valiosa.Lá viviam muitos animais domésticos e selvagens, incluindo elefantes, e a terra proporcionava grande quantidade de frutos. Os reis tinham todo o poder sobre seu reino e faziam a maioria das leis, podendo castigar e condenar à morte quem quisessem. Contudo, o poder de um rei sobre outro era ditado pelos decretos de Poseidon. Uma inscrição gravada pelos primeiros reis sobre uma coluna de oricalco que se encontrava no templo em honra a Poseidon, no centro da ilha. ordenava que eles se reunissem periodicamente a cada cinco ou seis anos, quando acontecia um julgamento mútuo.A cerimônia se iniciava com ritos táureos. Os reis ficavam sozinhos no recinto sagrado de Poseidon, onde eram soltos vários touros. Eles tinham de capturar e degolar os animais, após o que se aspergiam com seu sangue. Jogavam parte dele no fogo, enquanto juravam respeitar as leis sagradas. Ao anoitecer, vestidos com belas túnicas, sentavam-se para serem julgados uns pelos outros.Esses reis permaneceram durante muitas gerações ligados às leis divinas e, como conta Crítias, mantinham seu senso de justiça.

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Mas, com o decorrer do tempo, abandonaram o principio divino e passaram a ser dominados por humanos, tornando-se ávidos de poder. Foi então que começou a decadência. Zeus, o deus do Olimpo, decidiu tomar providências e promoveu uma reunião com todos os deuses. Nesse ponto, Platão interrompe a narrativa.Entretanto, retomando oTimeu, é possível saber como Platão imaginou o fim da ilha: “Durante um dia e uma noite horríveis, todo seu exército foi tragado de um golpe pela Terra, e ainda a Ilha de Atlântida afundou no mar e desapareceu”. Junito de Souza Brandão, um dos maiores especialistas brasileiros em mitologia, que estuda há quarenta anos, e autor do livro Mitologia grega não acredita na existência da Atlântida. Para ele, o interesse pela história de Platão atravessa milênios porque é inerente ao ser humano buscar um modelo de paraíso e “a Atlântida realmente existe submersa dentro de cada um que a busca”.Para afirmar sua tese, Brandão, aponta o recurso usado por Platão de localizar a história em um tempo bastante remoto. Na obra Timeu, Crítias conta que tomara conhecimento da Atlântida por seu avô, que por sua vez a tinha ouvido de seu bisavô, que ouvira o tal relato do governador ateniense Sólon (630 a 560 a.C.). Sólon ficou sabendo da existência da Atlântida em uma de suas viagens ao Egito.Nessa ocasião, alguns sacerdotes Ihe contaram que possuíam escritos nar-rando como Atenas havia conseguido vencer o povo atlante quando esse tentou subjugar a cidade. O fato teria ocorrido por volta de 9 000 anos antes de Sólon, ou seja, em cerca de 10000 a.C.

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A origem da Atlântida, assim, perde-se no tempo. As primeiras culturas urbanas cuja existência pode ser comprovada através de restos arqueológicos começaram a se desenvolver na Mesopotâmia por volta de 2800 a.C.Várias são as hipóteses que buscam explicar a real localização da Atlântida, e muitas delas a colocam na região do Mediterrâneo. Deve-se levar em conta que os mitos gregos—de onde vêm as lendas atlânticas-foram criados por pessoas vivendo em territórios que mantinham contato muito estreito com a Creta minóica, autêntica superpotên-cia política e econômica da Antiguidade. Localizada no Mar Mediterrâneo, Creta era uma ilha muito rica e muito sofisticada, a ponto de lá existirem palácios de vários pisos. Também vale mencionar que os cretenses celebravam festas táureas (SUPERINTERESSANTE número 6, ano 4). Como se pode ver, são várias as analogias entre Creta e a Atlântida.Mas há ainda outros fatos que também são relacionados com a ilha fantástica. Trata-se da enorme explosão do vulcão da Ilha de Thera, no Mar Egeu, ocorrida provavelmente no século XVI a.C. Tudo o que restou do vulcão e sua cratera foi um círculo de ilhas que os italianos chamam de Santorini e os gregos, de Thera. Em 1967, o arqueólogo grego Spyridon Marinatos descobriu os restos de uma cidade cretense da Idade do Bronze em uma dessas ilhas.A população provavelmente abandonou a ilha quando os primeiros tremores de terra anunciaram a erupção, e essa fuga teria dado origem à lenda da Atlântida.

Um mistério chamado Atlântida

A hipótese da erupção do vulcão é reforçada pela leitura de textos bíblicos. Para alguns pesquisadores, muitos dos fenômenos que a Bíblia narra, como o escurecimento do céu sobre o Egito e a separação das águas do Mar Vermelho, foram conseqüência da explosão em Santorini.Ainda dentro da linha de pesquisas que situa a Atlântida na região do Mediterrâneo, existe outra hipótese para localizar o reino perdido. Ele poderia estar situado na pequena Ilha de Pharos, em frente ao delta do Nilo, que na Idade do Bronze possuía um grande porto. Pharos estava na área de influência política e econômica dos cretenses seu porto era dotado de uma bacia interior e outra exterior. Hoje, essas impressionantes construções portuárias estão submersas nas águas, talvez devido a um terremoto submarino.Por outro lado, o gigante Atlas dos mitos anteriores a Platão habitava na cadeia montanhosa que se encontra no Norte da África, que recebe precisamente seu nome. A esse fato deve acrescentar-se a descrição final de Platão no Timeu, quando a Atlântida já tinha sucumbido sob a fúria dos deuses: nessa zona marítima havia sérias dificuldades para a navegação devido à “quantidade de limbo que a ilha depositou ao submergir”. Ainda hoje existem perigosos arrecifes na costa do Norte da Africa.

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Eles indicam que antigamente ali havia uma cadeia de ilhas, das quais restaram Djerba e Kerkenna.A história de Platão, entretanto, situa a Atlântida além das Colunas de Hércules, no Oceano Atlântico. Portanto, é para essa região que converge grande parte dos pesquisadores que buscam a ilha submersa. No mundo antigo existia a crença de que o Ocidente Distante era um lugar cheio de mistérios, pois as terras conhecidas se encontravam no Oriente. Mais além das Colunas de Hércules nascia a dúvida.Essas colunas têm sido identificadas freqüentemente com a civilização de Tartessos, destruída por volta de 500 a.C., e que provavelmente se situava numa região nas proximidades da cidade de Cádiz, no sul da Espanha. Curiosamente, Platão menciona essa cidade em seu relato—chama-a Gadiros—, servindo como ponto de referência para assinalar um dos extremos da Atlântida. Para muitos, há coincidências suficientes entre a civilização de Tartessos e a descrição de Platão para identificá-la como sendo a Atlântida. Se aceita, essa suposição seria então um ponto intermediário entre a hipótese mediterrânea e a do Oceano Atlântico.No fundo daquele oceano se estende uma larga cordilheira, cujos picos mais altos aparecem na sul superfície, desde a Islandia, no extremo norte do oceano, até Cabo Verde no Atlântico central inclinando-se nesse ponto para sudeste até as ilhas de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, no Atlântico sul. Segundo a hipótese que situa a Atlântida nessas latitudes, essas ilhas seriam o último vestígio de sua existência.A teoria adquire certa credibilidade quando se centra a atenção no arquipélago das Ilhas Canárias.

Localizado a 108 quilômetros da costa noroeste da África, ali os arqueólogos têm encontrado restos de antiquíssimas tumbas gigantes. Uma das hipóteses que permeia a teoria da Atlântida é que seus habitantes seriam muito altos.Porém, pesquisas antropológicas revelam que os antigos habitantes das Canárias vinham das costas africanas e teriam trazido consigo uma cultura rudimentar do Período Neolítico (por volta de 5000 a.C). Outro dado revelador é que, à exceção das Canárias e dos demais picos mencionados, toda a Cordilheira Atlântica tem estado submersa por pelo menos 60 milhões de anos. A história do homem, como grupo específico, desligado das diferentes raças de hominídeos, abrange meros 600 000 anos.O patamar submerso de Dogger Bank, no Mar do Norte, seria outra das possíveis coordenadas. Em outros tempos, ele não esteve coberto pelas águas e, mais importante, era habitado. Porém, os restos de ossos e utensílios recolhidos mostram que o desastre que ocasionou seu afundamento aconteceu no Paleolítico, há aproximadamente 500 000 anos. Os sobreviventes, dotados de uma tecnologia extremamente rudimentar, dificilmente poderiam navegar à deriva por uma grande extensão de água e chegar às costas européias e egípcias, levando consigo a recordação da catástrofe.

Em meio às diversas hipóteses que localizam o continente perdido no Oceano Atlântico, contudo, uma pelo menos é bastante singular. Trata-se da que identifica a Atlântida como sendo a América do Sul. Quem defende essa tese é o físico Enrico Mattievich, um peruano de 52 anos, que vive há vinte no Brasil. Suas pesquisas sobre a Atlântida começara n em 1981, quando, já um físico respeitado em seu país, visitou as ruínas arqueológicas no Palácio de Chavin de Huantar, no Peru.Numa das partes do palácio, um verdadeiro labirinto, encontra-se a figura da Medusa (personagem da mitologia grega que tinha os cabelos em forma de serpentes, e cuja cabeça foi cortada pelo herói Perseu) gravada em pedra. Esse detalhe inspirou os primeiros pensamentos de Mattievich sobre uma possível ligação entre a América do Sul e a Grécia, mais especificamente Creta.Além disso, segundo o físico, alguns objetos encontrados no Palácio de Chavin eram feitos de uma liga de ouro e prata, que ao receber uma parte de cobre tornava-se avermelhada. Esse metal, que os incas, habitantes dessa região hoje pertencente ao Chile, chamavam de coriculque, é semelhante ao oricalco. Platão, ao referir-se a ele, dizia que tinha reflexos de fogo. Por essa razão, para Mattievich, “não faltam evidências de que os gregos alcançaram o continente americano e por centenas de anos devem ter explorado a região, rica em ouro”.

Como essas viagens devem ter ocorrido entre 1500 e 1200 anos antes de Platão nascer, Mattievich supõe que o filósofo tenha se enganado quando localizou a existência do continente atlântico por volta de 10000 a.C. O físico acredita que Platão tenha aproveitado o cenário, no caso a Atlântico/América, para nele desenvolver o seu modelo de sociedade ideal. Para ele o que Platão chamava de submersão do continente nada mais era que a deturpação da história, causada pelo tempo, da explosão do vulcão na Ilha de Thera.Nessa catástrofe, o que restava da frota marítima de Creta acabou e com ela o império colonialista dos micenos, que então habitavam aquela parte do mundo. O contato com a América foi interrompido como se 0 continente tivesse sido simplesmente tragado pelas águas. Mattievich, que também estuda Física aplicada a Arqueologia, afirma ser possível testar cientificamente sua teoria, lembrando que testes de rádio-carbano, por exemplo, poderiam determinar a idade de fortalezas incas para saber se as épocas coincidem.Essa teoria, como as demais, possui sua carga de verossimilhança. Porém, nenhuma delas pôde ser totalmente comprovada ante a absoluta carência de restos arqueológicos que possam ser identificados, com certeza, como sendo da Atlântida. Talvez o mistério maior não esteja em saber se ela existiu ou não, ou onde se localizava, mas por que, há tanto tempo, os homens continuam à sua procura.

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