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Vômito de 110 milhões de anos revela espécie inédita de pterossauro no Brasil

Batizado de Bakiribu waridza, o réptil voador habitou a região que hoje forma a Bacia do Araripe, no Nordeste.

Por Luiza Lopes
16 nov 2025, 16h00

Há mais de 110 milhões de anos, um dinossauro terminou a refeição de um jeito pouco elegante. Depois de engolir dois pequenos pterossauros répteis voadores que viveram entre 220 e 66 milhões de anos atrás , o predador acabou vomitando parte do almoço.

A massa expelida caiu nas águas calmas de uma laguna e foi rapidamente soterrada por uma lama fina. Com o passar dos anos, aquele amontoado de ossos envoltos em muco endureceu e se transformou em pedra.

A cena ocorreu onde hoje fica a Bacia do Araripe, que se estende pelo sul do Ceará, oeste de Pernambuco e sudeste do Piauí. A região é conhecida pela preservação excepcional de fósseis: as águas salobras (mais salgada que água doce, mas menos que água do mar), quase sem ondas, e o acúmulo constante de sedimentos criaram um ambiente perfeito para registrar detalhes minúsculos da vida no período Cretáceo, há cerca de 145 a 66 milhões de anos.

Nos anos 1980, o bloco de rocha contendo o vômito foi resgatado e levado ao Museu Câmara Cascudo, em Natal (RN). Sem informações de procedência, acabou guardado na ala de peixes fósseis. E ali ficou, esquecido, por cerca de quarenta anos.

A redescoberta veio recentemente, durante uma revisão do acervo do museu. William Bruno de Souza Almeida, aluno de biologia da paleontóloga Aline Ghilardi na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), examinava o material quando percebeu que os ossos ali dentro não pertenciam a peixes.

Ele mostrou a professora, que havia lido, dias antes, um estudo sobre os dentes filtradores do Pterodaustro, um pterossauro argentino. “Na hora veio a imagem daquele artigo na cabeça. Era idêntico. Eu virei para eles e falei: vocês não vão acreditar no que tem na nossa mão”, conta Ghilardi à Super.

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Nova espécie brasileira

A análise do bloco, descrita em um artigo publicado na Scientific Reports, revelou que ele continha restos de dois pterossauros pertencentes a uma espécie até então desconhecida. A equipe a nomeou Bakiribu waridza, termo derivado do idioma Kariri, pertencente ao povo originário da Chapada do Araripe, que significa “pente na boca”.

Uma rocha em superfície branca.
Visão geral do bloco que preserva os restos de Bakiribu waridza. (Aline Ghilardi/Divulgação)

O nome faz referência à sua dentição singular: mandíbulas longas com centenas de dentes muito finos e alinhados, que funcionavam como uma espécie de peneira. Assim como os flamingos modernos, o Bakiribu filtrava a água em busca de pequenos organismos.

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Como outros membros do grupo, ele provavelmente tinha asas grandes, pernas alongadas e a cabeça proporcionalmente grande. A partir dos fragmentos da mandíbula, os pesquisadores estimam que o crânio medisse entre 17 e 25 centímetros e que a envergadura chegasse a cerca de um metro. “Ele devia ser mais ou menos do tamanho de uma gaivota”, diz Ghilardi.

A espécie pertence à família Ctenochasmatidae, um grupo de pterossauros conhecidos por sua adaptação à filtragem, mas ainda sem representantes registrados no Brasil ou nos trópicos. Até agora, esse tipo de pterossauro era encontrado sobretudo na Europa e na Argentina.

A descoberta ajuda a preencher um vazio no registro desses animais. O Bakiribu combina características presentes nas espécies europeias e sul-americanas, sugerindo um “estágio intermediário” na evolução dos pterossauros filtradores, quando os continentes Gondwana e Laurásia ainda estavam próximos.

Fóssil em um vômito?

Desde o início, o formato e composição do bloco intrigou a equipe. “A gente até apelidou o material de mingau, porque parecia uma papa cuspida”, diz a professora. Especialista em icnologia, área que estuda rastros e outras evidências indiretas de organismos, ela começou a notar características clássicas de regurgitalitos, o nome técnico para vômitos fossilizados.

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Segundo Ghilardi, a preservação desse tipo de registro é rara e depende de uma sequência de eventos bastante específica. Tudo começa no momento da regurgitação. “O vômito sai recoberto por um muco pegajoso, produzido para proteger o esôfago e a boca. Esse muco mantém a massa unida e seca rápido, o que ajuda a preservar o formato”, explica.

A laguna do Araripe também colaborou: a calmaria das águas e o soterramento rápido por lama rica em carbonatos criaram as condições ideais para que a estrutura não se desfizesse.

A professora destaca que poucas regiões no mundo reúnem esses três fatores com tanta precisão. “Se existia um lugar certo para preservar esse regurgito e permitir que a gente contasse essa história, era essa antiga laguna do Araripe.”

O tamanho das presas e o contexto ecológico sugerem que o material foi expelido por um dinossauro carnívoro, embora o estudo não identifique a espécie exata.

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Agora, a peça será dividida entre o Museu Câmara Cascudo e o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, no Ceará, garantindo que permaneça na região de origem. As próximas etapas incluem tomografias de alta resolução, capazes de revelar ossos ainda ocultos, além de análises químicas nos dentes do Bakiribu que poderão indicar com maior precisão o que ele comia.

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