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O que é desobediência civil?

Onde nasceu esse conceito? Funciona? Quais as consequências para quem resolve se rebelar contra as leis?

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 abr 2018, 17h44 - Publicado em 10 abr 2018, 17h42

Desobediência civil, em poucas linhas, é não respeitar uma lei por achar que ela não faz o menor sentido. Se uma regra não é justa, ninguém deve ser obrigado a segui-la, certo? O problema é que nem sempre o que é justo é previsto por lei (além do fato de que cada pessoa pode ter o seu próprio senso de justiça, é claro). Mas há alguns exemplos  simples: ninguém discorda que se opor à escravidão no Brasil no século 19 era a coisa certa a se fazer – apesar de a prática ser permitida pela Constituição da época.

Mas de onde veio essa ideia?

Quem criou o conceito de desobediência civil foi o filósofo americano Henry David Thoreau, em 1849 – que tinha visões de mundo que se encaixavam tanto na esquerda quanto na direita da maneira como as entendemos hoje.

Por um lado, suas ideias caem como uma luva nas mãos dos defensores da liberdade econômica. Ele afirma, no ensaio A desobediência civil, “que o melhor governo é o que não governa. Quando os homens estiverem devidamente preparados, terão esse governo”. Achava a própria existência de impostos um absurdo. Em 1849, fez seu próprio ato de desobediência e se negou a pagar os seus impostos por saber que seriam usados pelas autoridades para financiar guerra dos EUA contra o México – quando a Califórnia foi tomada dos hispânicos.

Por outro, ele não gostava nada do capitalismo industrial e da sociedade de consumo próspera que começava a se formar nos EUA do século 19. Se isolou em um bosque para escrever Walden – uma mistura de diário, manual prático de sobrevivência na natureza e manifesto a favor da independência do espírito e da vida bucólica. Perto da cabana que construiu para se abrigar, em Massachusetts, há uma placa com uma das citações fundadoras do movimento hippie: “Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido.”  

Quem leu o livro reportagem Na Natureza Selvagem, de Jon Krakauer (ou viu o filme, que também é ótimo), sabe que Thoreau teve um seguidor contemporâneo famoso: Chris McCandless, o jovem que terminou os cursos de História e Antropologia em uma universidade prestigiada em 1990 – e vagabundeou a América do Norte toda, de carona em carona, até morrer envenenado no Alasca, em 1992.

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Legal, mas dá certo?

Às vezes. O líder indiano Mahatma Gandhi, que entrou em contato com a obra de Thoreau em uma prisão na África do Sul, virou lenda depois de adotar uma versão pacífica da desobediência civil contra os ingleses em 1930. Na época, o império britânico impunha taxas tão pesadas à produção e à venda de sal na Índia que os fabricantes locais foram a falência e os comerciantes foram obrigados a importar o produto da Europa.

Para protestar, Gandhi caminhou quase 400 quilômetros rumo ao vilarejo litorâneo de Dandi, e acumulou um séquito de seguidores no caminho. Chegando lá, coletou sal do mar com suas próprias mãos – e desencadeou um processo de insurreição popular que culminaria, anos depois, com a independência de seu país. Nenhum tiro foi disparado.

Ele inspirou Martin Luther King, líder do movimento por direitos civis nos EUA no pós-guerra. Atos de desobediência civil foram um dos principais métodos aplicados pela população negra americana na luta contra a segregação. No caso mais emblemático, de dezembro de 1955, Rosa Parks, uma mulher negra, foi presa por não ceder seu banco no ônibus a um homem branco – gerando uma campanha que derrubou a lei no estado do Alabama.

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Já deu errado?

Deu, e muito. A história é cheia de movimentos de insurreição que foram esmagados e acabaram não tendo consequências práticas. Um exemplo é a greve geral na Alemanha Oriental em 1953, que mobilizou 60 mil trabalhadores e acabou com a morte de 55 pessoas pelas mãos dos militares soviéticos – sem que nenhuma reivindicação tenha sido atendida.

O importante é entender que o objetivo da desobediência civil não é quebrar a lei e depois escapar das consequências. Pelo contrário: é se submeter voluntariamente à prisão e até à morte. Quem comete uma infração para denunciar uma injustiça pretende usar o próprio sofrimento para chamar atenção para sua causa, e não escapar das sanções. Ou, nas palavras de Luther King: “Qualquer homem que desrespeite a lei porque sua consciência lhe diz que é injusta e aceita a pena (…) está, naquele momento, expressando o mais elevado respeito à lei.”

Greves e manifestações de rua, por exemplo, são direitos garantidos por lei em vários países – e não configuram necessariamente um ato de desobediência civil nesses lugares, por mais que questionem o status quo. Já os protestos da Primavera Árabe, em 2011, passam mais perto do conceito. Afinal, ocorreram em países antidemocráticos, em que se opor ao governo é crime e tem consequências graves.

 

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