Os gringos querem a Amazônia?
A maior floresta do planeta desperta a cobiça de potências estrangeiras. É melhor ficar esperto: já existem até mapas que a colocam como uma área internacionalizada
Giselle Vanessa
Você certamente já recebeu um e-mail co-mo seguinte alerta de dar calafrios: boa parte da Amazônia não pertence mais ao Brasil e hoje é uma área internacionalizada. Boatos de uma conspiração americana para ocupar um dos maiores tesouros ecológicos mundiais são antigos. Mas, com certeza, nenhum deles fez tanto estardalhaço como esses e-mails, que divulgam mapas do Brasil supostamente adotados em instituições de ensino americanas e que mostram a região amazônica e o Pantanal irremediavelmente como “áreas de controle internacional”.
Segundo os conspirólogos, americanos estariam doutrinando estudantes para uma guerra de posse de parte do território verde-amarelo. As mensagens espalhadas pelo correio eletrônico trazem anexa uma cópia de um suposto livro chamado An Introduction to Geography (“Uma Introdução à Geografia”), de autoria de David Norman, mostrando o Brasil sem a Amazônia, que é tratada como área internacionalizada.
O jornal O Estado de S. Paulo, na edição de 2 de dezembro de 2001, apurou os fatos e descobriu que o e-mail era falso. A matéria diz que a mensagem partiu de estudantes universitários e que não existe nenhum livro com tal título registrado na Biblioteca do Congresso. No entanto, tem muita gente que ainda teima em afirmar que estão nos ocultando a verdade.
YANOMAMIS
O burburinho da Amazônia anexada ganhou notoriedade através do site ultranacionalista brasil.iwarp.com, mantido por militares brasileiros na reserva. A página expõe uma carta geográfica similar ao tal mapa americano usado em aulas de geografia de colégios públicos dos Estados Unidos. O site afirma que o plano começou quando o FMI “forçou” o então presidente Fernando Collor de Mello a demarcar um imenso território de 94 000 metros quadrados como reserva yanomami. Esse seria o primeiro passo para que, no futuro, a Nação Yano-mami proclamasse a independência – ou entrasse em guerra com o Brasil pela liberdade – exigindo intervenção da ONU na região.
Muita gente garante que existe a tal República Socialista Yanomami no exílio. Seu presidente se chamaria Charles Dunbar, um americano supostamente “naturalizado” yanomami. O vice-presidente seria um alemão. De índio mesmo só haveria um entre eles, de nome Akatoa.
A aglomeração de ONGs na região também ajuda a alimentar as teorias conspiratórias. Ao todo, estima-se que haja mais de 500 organizações não-governamentais, muitas delas estrangeiras, espalhadas ao longo de 12 918 quilômetros da fronteira amazônica nacional, que é vigiada por pouco mais de 22 000 homens.
BIG BROTHER
O reforço no sistema de segurança da floresta brasileira também supõe tentativas de prevenir possíveis articulações pela posse da região: acompanhamento 24 horas, via terra e ar, dos 5,2 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia, por seis satélites; 18 aviões especiais; sete radares fixos, seis transportáveis e 20 secundários; e outras 70 estações meteorológicas de superfície, que integram o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). Apesar do avanço tecnológico, a concorrência para fabricação e instalação dos componentes do Sipam foi feita pela mesma empresa americana responsável pelo abastecimento das forças armadas dos Estados Unidos. Dessa forma, as informações passariam pelo Pentágono antes de chegar ao Brasil.
Estranhas movimentações na Amazônia não são novidade. Em 1967, o bilionário americano Daniel Ludwig comprou uma fazenda de 16.000 quilômetros quadrados na divisa do Pará com o Amapá, o Projeto Jari. Ludwig queria vender celulose para o mundo todo e investiu 1,3 bilhão de dólares na fazenda, mas, por alguma razão, a iniciativa naufragou. Nacionalistas acusavam Ludwig de ser parte de uma ação conspiratória para criar uma Amazônia internacionalizada.
Todo esse interesse pela região não é à toa. A Amazônia tem potencial para transformar o Brasil na nação mais rica do planeta. Abriga 30% da biodiversidade da terra, um terço das florestas latifoliadas e a maior bacia de água doce do mundo. Segundo estimativas de pesquisadores da Universidade de Maryland, os benefícios criados pela floresta verde-amarela corresponderiam a 1,1 trilhão de dólares anualmente. Vivem na Amazônia 67% do total de mamíferos do mundo. “Caso o Brasil resolva fazer uso da Amazônia de forma que ponha em risco o meio ambiente nos Estados Unidos, temos que estar prontos para interromper esse processo imediatamente”, afirmou Patrick Hugles, chefe do Órgão Central de Informações das Forças Armadas americanas.
Uma das primeiras mostras públicas de interesse estrangeiro de ocupar o território amazônico foi a campanha deflagrada por um tenente da marinha americana, Mattnew Fontaine Maury. Ele defendia a idéia de que a Amazônia era parte do complexo geográfico constituído pelo Golfo do México, sendo assim uma extensão natural do Mississipi. Por isso, acreditava que a América meridional deveria ser transformada em uma dependência dos Estados Unidos. “É o paraíso das matérias-primas, aguardando a chegada de raças fortes e decididas para ser conquistado científica e economicamente”, afirmava a respeito do território onde se encontra uma das maiores reservas mundiais de minerais.
Em 1853, o governo americano enviou ao Congresso um texto em referência à Amazônia com os seguintes dizeres: “Uma região que, se aberta à indústria do mundo, ali se achariam fundos inexauríveis de riquezas.” Já por volta de 1960, foi a vez de ficar famosa a proposta do futurólogo americano Herman Kahn, do Instituto Hudson. A idéia era a construção de sete barragens para criar cinco lagos gigantescos na Bacia Amazônica, com o objetivo de estimular o intercâmbio econômico entre os países da América do Sul, e o investimento estrangeiro em pesca, mineração e petróleo em toda a região.
EM CORO
Em 1983, a então premiê britânica Margareth Thatcher compactuou com os rumores de internacionalização de parte do território brasileiro, ao declarar: “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas”. Alguns anos depois, o presidente francês, François Mitterrand, fez coro: “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”.
Mais recentemente, em 2000, durante sua tentativa frustrada de chegar à Casa Branca, o candidato democrata Al Gore declarou: “Os brasileiros pensam que a Amazônia é deles. Não é. Ela pertence a todos nós”. O senador Robert Kasten fez eco à afirmação de Gore, acrescentando: “Assim como o ozônio, as chuvas, o oxigênio etc., a Amazônia deve pertencer a todos”. Gore, como se sabe, foi derrotado pelo candidato republicano George W. Bush, mas não exatamente por ter externado em público essa posição que, segundo os conspirólogos, é defendida por muitos cidadåos americanos.
Eu acredito!
“Muito se fala sobre o futuro da floresta amazônica, mas o fato é que, se não prestarmos atenção no que está acontecendo, corremos o sério risco de perdê-la para os gringos. Se cruzarmos os mapas de localização das sedes das principais ONGs que atuam na região com os mapas de localização das principais reservas de riquezas minerais, veremos que eles coincidem. Será que essas ONGs estão lá para cuidar dos nossos índios e animais em extinção ou para monitorar e mapear essas riquezas subterrâneas para, no momento oportuno, tomarem-nas de nós, como estão tomando o petróleo dos árabes? Será que é pura teoria conspiratória ou existe um pouco de verdade nisso?”
Felipe Xavier é humorista da rádio 89FM. Fez parte do programa Sobrinhos do Ataíde e comanda hoje o quadro Chuchu Beleza