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Sobrou só 1

Biólogos, zoólogos e sertanejos do norte da Bahia estão 24 horas de olho no último exemplar de ararinha-azul em liberdade. Tentou-se de tudo para induzir esse macho a cruzar com uma fêmea criada em cativeiro, sem sucesso. Mas agora ele vai conhecer uma companheira filipina.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h02 - Publicado em 30 abr 2000, 22h00

Fabiana Parajara

Em setembro, desembarcam na Bahia, vindas das Filipinas, cinco jovens, de 3 ou 4 anos, que podem resolver um drama que já dura mais de uma década. A protagonista da novela é a Cyanopsitta spixii, a ararinha-azul de Curaçá, a espécie mais ameaçada do mundo. Resta apenas uma na natureza, um macho, embora existam sessenta exemplares em cativeiro. As estrangeiras, cedidas pelo criador filipino Antonio Diós, serão a derradeira tentativa de devolver ao sertão baiano suas aves nativas.

Como ninguém se entusiasma com um museu de pássaros engaiolados, armou-se uma rede internacional de pesquisadores para salvar as ararinhas da caatinga. Entre 1985 e 1989, descobriu-se que havia somente três delas no sertão. Em 1987, traficantes de animais capturaram um casal. Sobrou uma. Agora, esse macho remanescente é vigiado 24 horas por biólogos do Comitê Permanente para a Recuperação da Ararinha-Azul, uma entidade internacional liderada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), sediada em Curaçá, cidade de 25 000 habitantes, 600 quilômetros ao norte de Salvador. Para os moradores, a última ararinha virou um mito. Eles se engajaram na luta pela preservação da ave. No último desfile de 7 de setembro, havia gente segurando um cartaz: “O sertão resiste no corpo frágil da ararinha”.

Em 1995, biólogos soltaram uma fêmea nascida em cativeiro esperando que ela acasalasse com o macho, que, na época, voava em companhia de uma maracanã, uma espécie de arara (Ara maracana) próxima da sua. Foi fácil. A femêa ararinha desbancou a maracanã e tomou o seu lugar. Durante semanas, os curaçaenses vibraram. Mas, um mês depois, ela apareceu morta. Agora, tudo depende do charme das filipinas.

Casamento frustrado no céu do sertão

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Quando tentaram arranjar uma namorada para a ararinha macho, os biólogos descobriram que ele formava um casal insólito com uma maracanã. Apesar de bichos de espécies diferentes em geral não poderem ter filhos, eles geravam ovos juntos. Isso só acontece quando as linhagens são próximas, como no caso de maracanãs e ararinhas-azuis. No ninho vigiado, pelo menos um ovo continha um embrião. Mas quebrou-se antes da hora e ele morreu. Não se sabe se cresceria saudável ou não.

Na verdade, o aparecimento da ararinha fêmea, em 1995, abalou a união inter-racial. O macho logo decidiu juntar-se à recém-chegada. A maracanã acompanhava o infiel a distância, já que as duas espécies não admitem triângulos amorosos – são estritamente monogâmicas. Mas o namoro foi breve, durou um mês. O macho voltou à ex-companheira. A fêmea spixii simplesmente sumira.

Para tristeza dos curaçaenses, o mistério durou quatro anos. “A verdade só foi revelada em 1999”, disse à SUPER a bióloga Yara Barros, coordenadora do Projeto Ararinha-Azul. “Um vaqueiro viu o corpo da ave, dias depois do sumiço, em 1995, embaixo de um fio de alta tensão, eletrocutado.” Ele explicou que escondeu o fato porque tinha medo de a frustração dos biólogos pôr fim ao projeto. Um receio justificado. Para conquistar simpatia da população, os cientistas levaram benefícios à região, construíram uma escola rural e reformaram o centenário Teatro Raul Coelho, o único da cidade.

Ovos de madeira

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Felizmente para Curaçá, o programa internacional continua. Os biólogos ainda apostam na possibilidade de o exdrúxulo casal ararinha-maracanã gerar híbridos. Assim que descobrem um ovo no ninho vigiado, o levam para uma chocadeira artificial, tomando o cuidado de deixar um substituto de madeira no lugar, pois o casal pode abandonar o lar se ele estiver vazio.

Chega-se até a simular nascimentos. Algum tempo depois da troca, os pesquisadores colocam no ninho filhotes de maracanã. Trata-se de um treino para os bichos aprenderem a cuidar de filhotes de ararinha, que serão introduzidos no futuro. O casal passou por todos os testes e já criou duas avezinhas adotadas. Só não conseguiu produzir seus próprios filhotes.

Para tanto, vai-se tentar reconstituir a população spixii – que ganhou esse nome em honra ao naturalista suíço Johan Baptist von Spix, que a descreveu, em 1819 –, levando para o sertão aves que se reproduzem em cativeiro. Elas, hoje, estão espalhadas por diversos países. “A técnica de cruzamento em viveiro é sempre a mesma. Mas, por algum motivo desconhecido, os suíços e filipinos são os que têm mais sucesso”, explicou à SUPER a bióloga Natasha Schichakin, do Zoológico de Houston, nos Estados Unidos. De Houston, Natasha controla o histórico de todas ararinhas-azuis do mundo. Ela conta que o seu número já aumentou muito – de apenas 22, em 1989, para sessenta atualmente.

“Isso nos animou a soltar na Bahia cinco aves filipinas”, conta Yara. Ela espera que o bando incorpore o macho brasileiro e procrie. Com sorte, ele pode se apaixonar por uma delas. Espera-se que, assim, consiga, finalmente, arranjar um herdeiro.

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Casa própria para sem-teto do pantanal

Enquanto a ararinha-azul sofre porque é apreciada como bicho de estimação, a majestosa arara-do-pantanal, a Anodorhynchus hyacinthinus, tornou-se vulnerável por ter paladar muito exigente. Maior de todas as araras, ela só come dois tipos de castanha, a acuri e a bocaiúva. Para piorar, depende dos manduvis – árvores de madeira macia, fácil de escavar com o bico – para abrir os ocos onde costuma pôr ovos. Acontece que as aves agora estão tendo que disputar tanto as frutas quanto os troncos moles, não com outros animais mas com a fúria das queimadas.

A saída, dizem os biólogos, é improvisar. Uma medida que deu certo foi a construção de ninhos artificiais. Depois de experimentar vários, de materiais como fibra de vidro e galões de plástico, perceberam que as aves preferiam caixotes de madeira. Em três anos já instalaram no município de Miranda, Mato Grosso do Sul, 135 caixas a uma altura média de 20 metros. “Tive até que fazer um curso para escalar troncos”, contou à SUPER a bióloga Neiva Guedes, responsável pelo projeto. Para o pessoal da região, ela é a “Neiva das araras”.

Mas o importante é que deu certo. O resultado foi excelente. “Em apenas dois anos registramos um aumento de 285% nos nascimentos”, afirma a bióloga. Em 1997, nasceram sete filhotes; e em 1999, eles chegaram a 27, mesmo tendo as araras ocupado apenas 10% das casas pré-fabricadas. O resto ficou com espertos tucanos, gaviões e corujas, que logo as invadiram. Em compensação, os sem-teto acabaram liberando os manduvis para as araras. Isso, efetivamente, contribuiu para elevar o números de filhotes.

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Para saber mais

Na internet

https://www.ararinha.cjb.net – Site oficial do Projeto Ararinha-Azul

https://www.renctas.org.br – Rede Nacional contra o Tráfico de Animais Silvestres

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Algo mais

A Cyanopsitta spixii pode se tornar a segunda arara-azul a desaparecer no Brasil. Há 150 anos, havia quatro espécies; hoje, apenas três. A arara-celeste (Anodorhynchus glaucus), típica do sul do país, já deixou de existir. Desde 1850 não se tem notícia dela.

Duas vezes vítima na velha Canudos

Em escarpas rochosas a 6 quilômetros da histórica cidade de Canudos mora uma outra arara-azul sob risco de desaparecer. Trata-se da arara-azul-de-lear, a Anodorhynchus leari.

O seu hábitat é uma nascente que, no final do século XIX, Antônio Conselheiro considerava sagrada – segundo a tradição, só ele podia beber a água de lá –, e que Lampião, mais tarde, muitas vezes usou como refúgio. Não se sabe se, naquele tempo, a ave azulada já estava ameaçada. Mas, hoje, a caça predatória e a degradação gradual do ambiente estão reduzindo drasticamente sua população. Só existem 180 animais em liberdade e 22 em cativeiro. O Zoológico de São Paulo, que tem onze animais salvos das mãos de traficantes, espera em breve conseguir os primeiros filhotes.

Os mercadores de bichos são o maior perigo para a espécie, mas as queimadas e a criação de cabras pioraram muito a situação. É que tanto o fogo quanto o gado prejudicam a reprodução da palmeira licuri, cuja semente é a única fonte de comida das araras.

Sem o vegetal e loucas de fome, elas se aventuram nas plantações de milho da região do Raso da Catarina, no norte da Bahia. “Com isso, provocam a antipatia dos agricultores e acabam sofrendo mais ainda”, conta o biólogo Luiz Sanfilippo, coordenador do Comitê para Conservação da Arara-Azul-de-Lear. “Para evitar desastres, estamos tentando integrar os sertanejos ao projeto.” Uma idéia é pagar aos agricultores a mesma quantidade de milho devorada pelas aves – o que exige recursos financeiros.

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