Os 6 casos mais incríveis de sobrevivência em acidentes e desastres
O menino que teve a cabeça cortada. O homem que caiu do 47o. andar. A mulher que passou 15 dias soterrada e sem água. Conheça essas e outras histórias impressionantes de quem escapou da morte
Uma hora sem respirar
Quem? Michelle Funk
O quê? Ficou uma hora embaixo d’água
Como? Caiu em um riacho gelado
Quando? 1986
Onde? Utah (EUA)
Michelle Funk era apenas uma menininha – tinha pouco mais de 2 anos – quando caiu em um riacho de águas geladas perto de casa, em Salt Lake City, e foi arrastada pela correnteza. Seu irmão viu o acidente e avisou a mãe, que chamou a emergência. Oito minutos depois, o pessoal do resgate já estava dando início às buscas. Procuraram, procuraram… E nada. Até que, finalmente, localizaram a garota. Quando Michelle foi retirada do riacho, estava azul e não respirava. Ela tinha ficado uma hora embaixo d’água.
Quando ocorre uma parada cardíaca – como aconteceu com Michelle – e a ressuscitação não é feita em até 6 minutos, o resultado geralmente é morte cerebral. Mas a menina sobreviveu. Milagre? Certamente não, dizem os médicos. Mistério? Aí, sim, principalmente por se tratar de uma criança tão nova, e por ela ter ficado tanto tempo submersa.
Segundo David Szpilman, especialista em salvamentos aquáticos e chefe do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Miguel Couto, no Rio de Janeiro, finais felizes como o de Michelle só são possíveis justamente quando o afogamento é acompanhado por um quadro de hipotermia. Nessa situação, os socorristas tentam a ressuscitação mesmo que a vítima tenha ficado uma hora embaixo da água. “A gente tenta reanimá-la por horas se for preciso”, diz Szpilman. “Enquanto a pessoa estiver fria, há esperança.”
No hospital para onde Michelle foi levada, o pediatra decidiu esquentá-la usando uma técnica conhecida como aquecimento extracorpóreo. Fazia 3 horas que a menina tinha caído na água. Depois de alguns minutos, para surpresa de todos, ela tossiu. E começou a se recuperar. Nem tudo, porém, estava resolvido. Ainda havia o risco de a garota apresentar danos neurológicos, já que seu cérebro havia ficado muito tempo sem oxigênio. Mas nada disso aconteceu – e ninguém se arrisca a explicar por quê.
“O que se sabe é que a hipotermia preserva o organismo na falta de oxigênio”, diz o especialista. “Quanto mais gelada a água, melhor.” De acordo com Szpilman, sua equipe chegou a reanimar um homem de 33 anos que ficou 22 minutos embaixo d´água. Mas nada comparável ao caso de Michelle: dois anos e pouco de idade e uma hora inteira submersa.
Um chinês pela metade
Quem? Peng Shuilin
O quê? Teve o corpo partido ao meio
Como? Atropelamento
Quando? 1995
Onde? Shenzhen (China)
Em 1995, o chinês Peng Shuilin foi atropelado por um caminhão de carga na cidade de Shenzhen. O resultado foi muito mais que assustador: ele acabou cortado ao meio, literalmente. Shuilin perdeu toda a metade de baixo do corpo, inclusive a pélvis. Passou por dezenas de cirurgias. Mas sobreviveu. E hoje, por mais incrível que isso possa parecer, vive bem. Em 2008, voltou até a andar, com a ajuda de membros artificiais.
Como o chinês resistiu a um acidente que parece ser fatal em 99,9% dos casos? Os médicos acham difícil explicar. Mas dizem que é possível, e Shuilin está aí para provar. “Primeiro, deve-se estancar a hemorragia”, diz o cirurgião-geral Celso Bernini, diretor do serviço de emergência do Instituto Central do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Segundo Bernini, 51% das mortes por trauma ocorrem no local do acidente, e uma das principais razões é justamente a perda abundante de sangue. “O chinês deve ter tido um atendimento rápido, que controlou o sangramento antes que fosse tarde.” Outro risco grave nesses casos é o de infecções. Mas Shuilin, de fato, estava bem assistido: a equipe médica que o atendeu prontamente era formada por 20 profissionais.
Os médicos fizeram cirurgias para proteger seus órgãos internos e pele foi retirada da cabeça para fechar o torso. O chinês teve de ficar meses em uma posição horizontal, ainda muito fraco. Recuperado, passou a medir apenas 78 centímetros. Aos poucos, foi ganhando força e começou a exercitar os braços. Seu maior desejo, no entanto, era voltar a andar. E o Centro de Pesquisa em Reabilitação da China, em Pequim, deu um jeito nisso: desenvolveu um engenhoso sistema composto de uma espécie de “copo” que abraça seu tronco, do qual saem pernas artificiais.
Shuilin não só reaprendeu a andar usando o aparelho como se tornou um modelo para amputados de todo o mundo. Até abriu seu próprio negócio, uma loja de pechinchas cujo nome é Half Man, Half Price (algo como “Homem pela Metade, Preço pela Metade”). Apesar da gravidade de seu acidente, o chinês se considera um sujeito de sorte por continuar vivo. E, ao que tudo indica, não perdeu o bom humor.
Ele passou duas décadas em “coma” – e acordou
Quem? Terry Wallis
O quê? Despertou do “coma” após 19 anos
Como? Não se sabe
Quando? 2003
Onde? Arkansas (EUA)
Depois de longos 19 anos vivendo em estado semivegetativo, o americano Terry Wallis voltou a si, surpreendendo até o mais otimista dos médicos. Era dia 11 de junho de 2003, e a primeira palavra que disse depois de quase duas décadas naquela condição foi “mamãe”. O caso deixou a comunidade científica mundial de boca aberta e renovou o debate entre os grupos pró-eutanásia e aqueles que defendem a vida a todo custo. Afinal, se Wallis acordou, por que qualquer outro paciente em coma também não poderia acordar?
Ninguém sabe explicar como e por que Wallis despertou depois de tanto tempo. Fato, porém, é que, embora ele tenha ficado “desacordado” por 19 anos, não permaneceu todo esse tempo verdadeiramente em coma. Seu estado era o que os médicos chamam de “minimamente consciente”. O coma é uma condição mais grave, mas passageira: os pacientes se recuperam, evoluem para o estado vegetativo ou morrem. Nada a ver também com a chamada morte cerebral, que é a perda irreversível de qualquer atividade do cérebro. “Essas síndromes são mal compreendidas pelo público leigo, que tende a considerá-las idênticas, mas na verdade não são”, diz James Bernat, da Universidade Cornell, nos EUA, autor do livro Ethical Issues in Neurology (“Questões Éticas na Neurologia”, sem tradução para o português).
O drama de Wallis começou quando o carro em que ele estava com alguns amigos despencou de um penhasco. Aos 20 anos, o rapaz teve lesões neurológicas graves. Nesse primeiro momento, sim, ele entrou em coma, do qual saiu aproximadamente 3 meses depois – para ficar quadriplégico e evoluir para o estado semivegetativo. De vez em quando, parecia dar sinais de perceber o que acontecia ao redor: acompanhava uma pessoa com os olhos, por exemplo. Os médicos, no entanto, eram categóricos: não adiantava acreditar em sua recuperação.
“Quanto mais tempo o paciente fica nesse estado, menores são as chances de sair dele”, afirma Bernat. “A partir de 12 semanas, a probabilidade de voltar é mínima.” Mas a família de Wallis jamais perdeu a esperança. Até que, um belo dia, ele tentou falar – e quase matou sua mãe de susto. Desde então, seu vocabulário vem crescendo sem parar. Wallis recuperou parte dos movimentos, mas perdeu a habilidade de processar novas memórias. “Os 19 anos de estado minimamente consciente afetaram principalmente seus axônios [as terminações nervosas de cada neurônio, responsáveis pela transmissão dos impulsos de uma célula para outra]. Mas exames demonstraram que eles voltaram a crescer e se reconectaram.”
O menino “decapitado”
Quem? Jordan Taylor
O quê? Decapitação interna
Como? Acidente de carro
Quando? 2008
Onde? Texas (EUA)
Decapitação interna. Pelo nome, já se imagina que coisa boa não deve ser. Essa é a maneira informal com que os médicos chamam a luxação atlanto-occipital, um rompimento dos tecidos macios do pescoço que dão sustentação ao crânio. Os ossos ficam soltos – ou seja: a cabeça se separa do pescoço, ficando presa apenas pela pele e, em alguns casos, pela medula espinhal. Foi a essa lesão hardcore que Jordan Taylor, de apenas 9 anos, sobreviveu – sem apresentar nenhuma sequela posterior! -, depois que um caminhão de lixo simplesmente não parou no sinal vermelho e bateu no carro em que ele viajava.
“Eu me lembro de vê-lo no carro, e a cabeça dele estava meio pendurada”, disse a mãe de Jordan, Stacey Perez, à rede de TV americana CBS. Isso porque o impacto do acidente fez com que a cabeça de Jordan se soltasse do pescoço e se movesse para a frente.
“Pense no corpo humano como um colar de pérolas. Se você quebra uma delas, é fratura. Mas, se você corta a linha que une as pérolas, elas ficam soltas. Isso é lesão dissociativa”, explica Peleg Ben-Galim, especialista em cirurgias da medula espinhal e professor do Baylor College of Medicine, nos EUA. “Quando se aplica alguma força, como uma cutucada nas pérolas, elas se espalham, pois não há nada que as segure.” Foi o que aconteceu com Jordan.
No hospital, o menino passou por cirurgias complexas, em que os médicos reconectaram seu crânio ao pescoço com uma placa de metal, parafusos e hastes de titânio. Foram 3 meses de operações e tratamentos, mas ele saiu andando do hospital. Sua sorte foi que, apesar de todo o tecido macio do pescoço ter sido dilacerado, a medula espinhal ficou intacta.
Segundo Ben-Galim, autor de vários estudos sobre decapitações internas, esse tipo de lesão não é incomum, principalmente em acidentes de trânsito. O difícil é conseguir que os pacientes sobrevivam ou fiquem sem sequelas. Os médicos de Jordan lhe deram um prognóstico de apenas 1% de sobrevivência. Mas, de acordo com o professor, estimativas como essa nem sempre se concretizam. “Ainda desconhecemos muita coisa sobre esse tipo de lesão.”
150 metros de queda livre
Quem? Alcides Moreno
O quê? Caiu do 47º andar
Como? O andaime despencou
Quando? 2007
Onde? Nova York (EUA)
O imigrante equatoriano Alcides Moreno encarava mais um dia rotineiro de trabalho como limpador de janelas quando o andaime em que estava, no 47º andar de um edifício em Nova York, simplesmente despencou. Foram cerca de 150 metros em queda livre até o impacto contra o chão. Seu irmão Edgar, que trabalhava junto com ele, morreu na hora. Mas Alcides, contrariando todas as expectativas, resistiu.
Socorrido pelos bombeiros, foi levado ao pronto-socorro mais próximo, onde deu entrada com duas pernas e um braço quebrados, várias costelas fraturadas, lesões no abdome, no peito, na medula espinhal e no cérebro. Estava no limite da consciência. Recebeu mais de 24 litros de sangue e enfrentou 16 cirurgias. Passou quase 20 dias em coma induzido. E só foi acordar na noite de Natal, quando tentou fazer carinho em uma das enfermeiras, pensando que fosse sua esposa. Seis meses depois, no entanto, já estava levando uma vida praticamente normal – apenas com uma cicatriz e uma perna que puxava de leve.
Do ponto de vista médico, o caso do limpador de janelas é uma tremenda raridade, daquelas que podem ser consideradas quase inexplicáveis. “Apenas metade das pessoas que caem de uma altura superior a 4 andares sobrevive”, diz o cirurgião-geral Celso Bernini, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Como, então, Alcides Moreno conseguiu escapar da morte? A explicação, segundo Bernini, provavelmente tem a ver não com a altura da queda, mas com a velocidade com que o equatoriano chegou ao solo.
Quando o andaime despencou, o imigrante se lembrou da preciosa recomendação dada pela empresa para a qual trabalhava e permaneceu agarrado à plataforma durante toda a queda. Não fosse isso, teria se esborrachado no chão a uma velocidade de aproximadamente 200 km/h. Seria morte certa, como ocorreu com seu irmão, que não conseguiu se agarrar. O andaime, que pesava cerca de 570 quilos, era bem mais largo que um corpo humano, e ofereceu maior resistência ao ar, desacelerando a queda e absorvendo boa parte do impacto contra o solo. Alcides Moreno deve sua extraordinária recuperação também ao fato de não ter batido violentamente a cabeça, nem ter fraturado o quadril ou quebrado a coluna – traumas que certamente lhe renderiam sequelas graves. Para os mais religiosos, foi um milagre. Mas, para os médicos, só uma palavra pode explicar a sobrevivência do imigrante equatoriano: sorte.
15 dias sem beber água
Quem? Darlene Etienne
O quê? Soterrada por escombros
Como? Terremoto
Quando? 2010
Onde? Porto Príncipe (Haiti)
Duas semanas depois do terremoto que fez cerca de 200 mil vítimas no Haiti, em janeiro de 2010, as buscas por sobreviventes já tinham terminado. Mas não para um time de socorristas franceses, que se recusavam a ir para casa junto com os outros. O grupo estava de prontidão quando vizinhos de uma escola ouviram uma voz fraca chamar por socorro no meio dos escombros. Em 45 minutos, Darlene Etienne, de 16 anos, estava livre. Parecia muito fraca, desidratada, e apresentava um machucado na perna. Mas conseguiu sussurrar um “obrigada” para a equipe de resgate.
Especialistas dizem que é quase impossível alguém sobreviver sem água por tanto tempo. “Em média, uma pessoa resiste 4 ou 5 dias”, diz Gustavo Fraga, professor de cirurgia do trauma da Unicamp. Segundo os socorristas que tiraram Darlene dos escombros, ela teria balbuciado, enquanto era resgatada, algo a respeito de uma pequena garrafa de refrigerante. Isso pode ter salvado sua vida. Mesmo assim, sua resistência à desidratação foi assombrosa.
Casos de pessoas que sobrevivem mais de uma semana sob os destroços de um terremoto são raros, mas existem. Alguns dias antes, no próprio Haiti, um rapaz de 24 anos foi encontrado após 11 dias, sobrevivendo à custa de batatinhas fritas e cerveja. Uma senhora de 97 anos foi encontrada 8 dias depois de uma tragédia semelhante no Irã, em 2004. E houve também o famoso caso de 15 bebês que resistiram, em 1985, a 7 dias sem água e comida depois de um tremor no México. “Todos esses episódios foram exceções”, diz Fraga. “O normal é que a vítima sucumba à desidratação e à falta de comida.”
Alguns fatores podem aumentar a probabilidade de sobrevivência. “Ficar em repouso, por exemplo, faz toda a diferença”, afirma o especialista. Quando a pessoa permanece imóvel, não gasta energia, demorando mais para queimar as reservas do organismo. A temperatura do ambiente também conta. Muito frio ou calor são ruins. “Quem está à sombra resiste mais”, diz Fraga. Além disso, a reserva fisiológica de cada indivíduo é diferente, o que torna impossível determinar quanto cada um é capaz de aguentar.