Tum, tum, tum, tum, tum. Durante os 70 anos que dura em média uma vida, o coração bate mais de 2,5 bilhões de vezes, a um ritmo médio de 70 pulsações por minuto, e bombeia 224 milhões de litros de sangue para o corpo de um homem e mais de 295 milhões para o de uma mulher (as mulheres têm esperança de vida maior). Dito de outro modo, nossa bomba vital movimenta o equivalente a 435 toneladas de sangue até que, enfim, pare de funcionar.
O coração faz circular o sangue, que realiza uma longa lista de atividades fisiológicas: fornece oxigênio e alimento a todos os órgãos e tecidos, elimina o gás carbônico produzido pela atividade celular, distribui calor, transporta hormônios e outros mensageiros químicos, serve de estrada por onde circulam as células de defesa do sistema imunológico e executa a ereção do pênis e o estímulo ao clitóris durante a excitação sexual. Cheia de tarefas, essa bomba vital surge como o músculo mais trabalhador e infatigável do corpo humano: ele gera uma quantidade de energia suficiente para mover um caminhão por 32 km. Mas, claro, ele não age sozinho. O cérebro detecta as condições a nosso redor, como a situação climática, os fatores de estresse e o nível de atividade física e regula o aparelho circulatório de forma a satisfazer as necessidades de nosso organismo sob tais circunstâncias.
Não é de estranhar que os cardiologistas considerem nosso coração uma obra-prima da natureza e o mais resistente engenho conhecido. Até hoje o homem não conseguiu fabricar uma máquina que funcione ininterruptamente durante mais de um século e com uma quantidade mínima de partes móveis, quase indestrutíveis. Se não traz nenhum defeito de fabricação nem sofre um grave acidente ou é maltratado, nosso coração pode palpitar durante tanto tempo quanto o de Elizabeth Bolden, a norte-americana que, com 114 anos, é considerada a pessoa mais velha do mundo, segundo o Guinness World Records.
Um terço das mortes
Bem, mas nosso coração de ferro também tem seu calcanhar-de-aquiles. Do contrário, não se explicaria que as doenças cardiovasculares sejam a primeira causa de morte no mundo ocidental. Em todo o mundo, 17 milhões de pessoas morrem em decorrência dessas doenças, que representam um terço da mortalidade total. No Brasil, elas também são responsáveis por mais de um terço da mortalidade total. A cada ano cerca de 350 mil pessoas perdem a vida por causa de doenças no aparelho circulatório, sendo que mais da metade (55%) são homens e o restante (45%) são mulheres.
Em geral, as doenças cardiovasculares evoluem de maneira silenciosa durante anos ou até mesmo décadas sem que o paciente perceba que tem uma bomba-relógio prestes a explodir. É assim que se manifestam as três doenças cardíacas mais freqüentes: a cardiopatia isquêmica, que consiste em uma redução ou privação do aporte sanguíneo ao miocárdio e evolui para uma angina de peito ou um infarto; a insuficiência cardíaca, que ocorre quando o coração perde a capacidade de bombear uma quantidade suficiente de sangue para todo o organismo; e o acidente vascular cerebral, que se manifesta por uma grave lesão obstrutiva ou ruptura nos vasos sanguíneos que irrigam a cabeça. No Brasil, a cada minuto morre uma pessoa vítima de doença cardiovascular. As estimativas dos especialistas são de um aumento de 150% na mortalidade por infarto cardíaco ou acidente vascular cerebral no país até 2025.
Infelizmente, os corações lesados, assim como as veias e artérias destroçadas, não são fáceis de consertar. Às vezes os danos podem ser contidos com um tratamento medicamentoso, é possível acompanhar sua evolução ou possíveis complicações com as técnicas de imagens médicas e existe a possibilidade de eles serem remendados temporariamente com uma cirurgia, como a ponte de safena e a angioplastia. Quando a lesão não é tratável, há duas opções: o implante de um coração doado ou de um artificial. A primeira é limitada e a segunda está em fase experimental. Em países como o Brasil, essa última nunca foi realizada. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a cada ano são feitos em todo o mundo cerca de 4 mil transplantes de coração, um número insuficiente, levando-se em conta que são 50 mil pacientes à espera de um órgão salvador. No Brasil, o número de transplantes de coração é incerto, assim como a necessidade do número de doadores.
A esperança mais imediata está depositada na engenharia genética, que investiga a maneira de induzir a auto-regeneração do tecido necrótico, isto é, que foi morto durante o acidente cardiovascular, e estimular o crescimento de novos vasos sanguíneos nas regiões dos corações enfartados. Como? Por meio de uma injeção de células-tronco nas zonas lesionadas. Essas células são tomadas da medula óssea e do músculo esquelético do próprio paciente e poderiam até mesmo ser extraídas do coração.
Ainda que os experimentos clínicos com células-tronco sejam promissores, a auto-reparação cardíaca ainda está em fase inicial de estudos. Enquanto não chega, a melhor forma de manter o coração saudável é a prevenção. Um dos objetivos principais é evitar a aterosclerose, um processo inflamatório que se caracteriza pela acumulação progressiva de lipídios e elementos fibrosos nas grandes artérias. Se não for interrompido, a passagem do vaso se estreita perigosamente e, em situações extremas, pode resultar no desprendimento de um trombo (coágulo) que interrompe o fluxo do sangue. Se o entupimento afetar as artérias coronárias, aparece o fantasma da angina ou do infarto agudo do miocárdio. Quando acontece num vaso cerebral, há o risco de um acidente vascular cerebral. O geneticista Aldons J. Lusis, do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles, EUA, estima que “a aterosclerose é a causa subjacente de metade de todas as mortes”.
Fatores de risco
Determinados fatores de risco favorecem a formação dessas placas de aterosclerose no interior das artérias e a aparição de complicações cardiovasculares. Alguns são imutáveis, como a hereditariedade, a idade e o sexo. Os cientistas sabem que certos indivíduos nascem com a propensão inata a desenvolver doenças do coração. “Dentro de alguns anos, se compreenderá o mapa do DNA humano de forma a identificar que fatores criam a propensão das pessoas às doenças cardiovasculares”, diz Raimundo Marques do Nascimento Neto, professor do Núcleo de Pesquisas Cardiovasculares da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e coordenador do Atlas – Corações do Brasil, o primeiro estudo a trazer um panorama dos fatores de risco cardiovascular na população brasileira. “Com um fio de cabelo será possível traçar o mapa genético de cada pessoa. Poderemos antecipar as mudanças no estilo de vida necessárias para evitar uma doença cardiovascular. O tratamento será personalizado e não massificado, como hoje”, afirma o médico.
O simples fato de ser homem já é um fator de risco importante no caso de problemas cardíacos. Isso porque os hormônios masculinos, ou seja, os andrógenos, estimulam os genes que aceleram o depósito de colesterol nos vasos sanguíneos, segundo revela um estudo realizado na Austrália. A saúde cardíaca, no entanto, não depende apenas do acaso genético. Seu controle está em nossas mãos. “A adoção de um estilo de vida saudável é o que de fato tem a capacidade de evitar ou acelerar o aparecimento de doenças cardiovasculares”, afirma Nascimento Neto. Mas o que são hábitos saudáveis para o coração? Basicamente consiste em controlar certos fatores de risco associados ao problema cardíaco que se instalaram perigosamente na sociedade contemporânea. A hipertensão, a obesidade, o tabagismo, a falta de atividade física, o estresse contínuo, o excesso de colesterol e a diabetes são citados como os maiores inimigos do coração.
A boa notícia é que podemos prevenir as doenças do aparelho circulatório de uma maneira simples e radical. Numerosos estudos revelam que, para reduzir pela metade ou mais o risco de sofrer um infarto ou um acidente vascular cerebral, é importante deixar de fumar, realizar exercícios físicos regularmente e passar menos horas em frente à TV, diminuir o estresse diário, abandonar a má alimentação e a comida do tipo fast-food (rica em colesterol ruim) em favor de uma dieta repleta de verduras, frutas, cereais, legumes e peixes, checar regularmente a pressão sanguínea e, no caso dos diabéticos, controlar a doença. Um estudo publicado na revista The Lancet aponta que a adoção dessas medidas saudáveis diminui as complicações em nada menos do que 90%. Agora é com você. n
Adaptação Lia Hama
Os maiores inimigos
O que você pode fazerpara reduzir a possibilidadede doenças cardíacas
Certos fatores de risco cardiovascular, como a idade e a hereditariedade, são inerentes e impossíveis de modificar. Outros, no entanto, estão ligados ao estilo de vida e podemos alterá-los.
INVARIÁVEIS
Idade
Quatro entre cinco pessoas que morrem por causa de uma complicação cardíaca são maiores de 65 anos. O risco de sofrer um acidente vascular cerebral se duplica a cada década depois dos 55 anos.
Sexo
Durante a juventude, o homem apresenta maior risco que a mulher de sofrer um infarto. Essa diferença se reduz quando a mulher entra na menopausa devido à queda de estrógenos e se iguala depois dos 65 anos.
Hereditariedade
Filhos de pais com problemas cardiovasculares têm maior risco de sofrer esse tipo de doença do que o restante da população.
MODIFICÁVEIS
Tabagismo
Os fumantes têm o dobro de risco de ter um infarto, assim como de morrer durante um ataque cardíaco. A nicotina e o monóxido de carbono do tabaco prejudicam o sistema cardiovascular.
Álcool
O abuso de bebidas alcoólicas aumenta a pressão arterial, o peso corporal e os níveis de triglicérides no sangue.
Drogas
Certas drogas intravenosas são nocivas ao coração. A cocaína, por exemplo, altera o ritmo cardíaco.
Colesterol
Um alto nível no sangue do chamado colesterol ruim, isto é, o que está associado às lipoproteínas de baixa densidade (LDL), favorece a aparição de complicações cardíacas.
Pressão arterial
A hipertensão arterial predispõe uma pessoa a sofrer uma doença do coração, um infarto ou um acidente cardiovascular.
Diabetes
Mais de 80% dos diabéticos morrem por complicações do sistema circulatório.
Obesidade
Ela aumenta a probabilidade de adquirir outros fatores de risco cardiovasculares, como a hipertensão, a hipercolesterolemia e a diabetes.
Sedentarismo
Quem não move as pernas não move o coração. O exercício físico afasta o fantasma do infarto.
Estresse
A incidência de infartos é maior em indivíduos impulsivos, violentos, ambiciosos e estressados.
Nossa bomba vital
O coração bombeia o sangue para que ele circule por todo o corpo, levando oxigênio e nutrientes necessários às células que sustentam as atividades orgânicas.
O coração humano é formado quase na sua totalidade pelo miocárdio, um músculo de cerca de 300 g cujo espaço central se encontra dividido em quatro cavidades separadas por válvulas e paredes finas. Essa divisão faz com que, na realidade, tenhamos duas bombas vitais: um coração direito, que envia sangue para os pulmões, e um coração esquerdo, que faz o mesmo até os órgãos periféricos. Por sua vez, cada um desses corações constitui uma bomba pulsante de duas cavidades, composta por uma aurícula e um ventrículo. A primeira funciona como uma minibomba, que ajuda a transportar o sangue para o interior do ventrículo e esse, por sua vez, se contrai vigorosamente para bombear o fluido vital em direção aos pulmões para realizar a troca gasosa ou em direção às células mais remotas do corpo. Perfeitamente sincronizadas, as quatro câmaras administram, com suas batidas, os cerca de 6 litros de sangue corporal através de uma vasta rede de artérias, arteríolas, veias e capilares que, se fosse colocada em linha reta, cobriri 80 mil km – o equivalente a mais de 185 vezes a distância entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Teste
Avalie como está seu coração
O questionário abaixo, chamado de Teste de Framingham, permite aos médicos medir o risco que um paciente tem de sofrer de uma doença coronária nos próximos dez anos.
Atenção: o resultado que você obtiver é meramente orientativo. Só o médico pode fazer uma avaliação precisa.
1 – IDADE E SEXO
Qual sua idade?
MulherPontos
30 anos[ ] -12
31[ ] -11
32[ ] -9
33[ ] -8
34[ ] -6
35[ ] -5
36[ ] -4
37[ ] -3
38[ ] -2
39[ ] -1
40[ ] 0
41[ ] 1
42-43[ ] 2
44[ ] 3
45-46[ ] 4
47-48[ ] 5
49-50[ ] 6
51-52[ ] 7
53-55[ ] 8
56-60[ ] 9
61-67[ ] 10
68-74[ ] 11
HomemPontos
30 anos[ ] -2
31[ ] -1
32-33[ ] 0
34[ ] 1
35-36[ ] 2
37-38[ ] 3
39[ ] 4
40-41[ ] 5
42-43[ ] 6
44-45[ ] 7
46-47[ ] 8
48-49[ ] 9
50-51[ ] 10
52-54[ ] 11
55-56[ ] 12
57-59[ ] 13
60-61[ ] 14
62-64[ ] 15
65-67[ ] 16
68-70[ ] 17
71-73[ ] 18
74[ ] 19
2. SANGUE
Qual seu nível de HDL (lipoproteínas de alta densidade)?
Nível (mg/dl)Pontos
De 25 a 26[ ] 7
De 27 a 29[ ] 6
De 30 a 32[ ] 5
De 33 a 35[ ] 4
De 36 a 38[ ] 3
De 39 a 42[ ] 2
De 43 a 46[ ] 1
De 47 a 50[ ] 0
De 51 a 55[ ] -1
De 56 a 60[ ] -2
De 61 a 66[ ] -3
De 67 a 73[ ] -4
De 74 a 80[ ] -5
De 81 a 87[ ] -6
De 88 a 96[ ] -7
Qual seu nível de colesterol total?
Nível (mg/dl)Pontos
De 139 a 151[ ] -3
De 152 a 166[ ] -2
De 167 a 182[ ] -1
De 183 a 199[ ] 0
De 200 a 219[ ] 1
De 220 a 239[ ] 2
De 240 a 262[ ] 3
De 263 a 288[ ] 4
De 289 a 315[ ] 5
De 316 a 330[ ] 6
3. PRESSÃO ARTERIAL
Qual é normalmente sua pressão arterial sistólica (alta)?
Nível (mmHg)Pontos
De 98 a 104[ ] -2
De 105 a 112[ ] -1
De 113 a 120[ ] 0
De 121 a 129[ ] 1
De 130 a 139[ ] 2
De 140 a 149[ ] 3
De 150 a 160[ ] 4
De 161 a 172[ ] 5
De 173 a 185[ ] 6
4. TABAGISMO
Você fuma cigarro de forma habitual?
Sim[ ] 4
Não[ ] 0
5. DIABETES
Você é uma pessoa diabética?
Não[ ] 0
Sim (Homem)[ ] 3
Sim (Mulher)[ ] 6
6. TRANSTORNOS DO CORAÇÃO
Seu médico diagnosticou em você hipertrofia ventricular esquerda?
Não[ ] 0
Sim[ ] 9
Resultado
Some os pontos positivos em cada umas das seis questões e subtraia os pontos negativos. Confira abaixo, de acordo com seu sexo, o risco que você tem de sofrer uma complicação cardíaca nos próximos dez anos: muito baixo (branco), baixo (amarelo), moderado (azul), alto (verde), muito alto (vermelho). A partir do azul, é bom informar o resultado a seu médico.
Mulheres
• Entre 0 e 14
• Entre 15 e 16
• Entre 17 e 22
• Entre 23 e 24
• Mais de 25
Homens
• Entre 0 e 7
• Entre 8 e 10
• Entre 11 e 14
• Entre 15 e 16
• Mais de 17