Desigualdade social e instabilidade política aceleram envelhecimento, segundo estudo
Pesquisa analisou dados de 160 mil pessoas em 40 países e foi a primeira a encontrar essa relação. Entenda.

Que você envelhece mais rápido quando não cultiva hábitos saudáveis, todo mundo sabe. Agora, um novo estudo com os dados de mais de 160 mil pessoas, de 40 países diferentes, mostrou que fatores ambientais, sociais e políticos (como poluição do ar, desigualdade de renda e falta de representatividade) também podem acelerar esse processo.
O estudo, publicado na Nature Medicine e assinado por uma equipe internacional de 41 cientistas, levou mais de três anos para ser realizado, combinando dados de países muito diferentes para que as informações pudessem ser comparáveis. Três cientistas brasileiros, ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiados pelo Instituto Serrapilheira, participaram da pesquisa.
Envelhecer rápido significa estar mais suscetível a doenças que causam declínio cognitivo e perda de funcionalidade – o que, claro, tornam as tarefas do dia a dia muito mais difíceis. Mas essas condições não são só culpa da genética ou do estilo de vida, como muitas pessoas ainda pensam: o envelhecimento tem um espectro muito amplo, influenciado por tudo a que somos expostos durante a vida.
Os dados dos 8.710 brasileiros que participaram do estudo foram extraídos do Estudo Longitudinal de Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), financiado pelo governo e coordenado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Fiocruz. No total, foram 161.981 participantes que surpreenderam os pesquisadores com os resultados. Vamos a eles.
Instabilidade política aumenta estresse
O envelhecimento não é igual para todo mundo. Além da idade cronológica, contada em anos, há a idade prevista com base em sua saúde, contada a partir de fatores de risco para doenças relacionadas à velhice. Os pesquisadores usaram um modelo de diferenças de idade biocomportamentais para calcular a idade com “fatores de risco e protetores, sejam eles sociais, físicos ou sociopolíticos”, como explicou à Super o neurocientista Eduardo Zimmer, professor da UFRGS e um dos autores do estudo.
A partir dessa métrica, calculada com modelos avançados de inteligência artificial, os pesquisadores conseguiram comparar as velocidades de envelhecimento dos 40 países. Fazendo isso, eles identificaram uma relação direta entre o envelhecimento acelerado e os contextos sociais, políticos, econômicos e ambientais, indo além da tradicional análise que só foca na biologia.
O Brasil, como vários outros países do Sul Global, apresentou um ritmo de envelhecimento acelerado em comparação com a média global. Nações como o Egito e a África do Sul sofrem ainda mais com essa aceleração. Faz sentido, já que o envelhecimento mais rápido é associado a desigualdade de renda e pobreza. Países da Europa e da Ásia apresentaram uma taxa mais lenta de envelhecimento.
Porém, além de fatores econômicos, a pesquisa também encontrou relações entre fatores ambientais, como a poluição do ar, e sociais, como desigualdade de gênero e condições de migração, como possíveis aceleradores da terceira idade.
“A gente sabia que fatores sociais e físicos tinham essa influência de acelerar o envelhecimento, mas é a primeira vez que a gente identifica que fatores sociopolíticos também podem estar associados”, explica Zimmer. Falta de representação política, direitos de voto limitados e democracias frágeis podem influenciar no envelhecimento das pessoas.
Todos esses fatores, que se traduzem em instabilidade política, foram associados diretamente ao declínio cognitivo e das capacidades físicas dos habitantes de algumas regiões. A polarização política e a falta de estabilidade institucional impactam a saúde pública porque comprometem a alocação de recursos para os sistemas de saúde, o que ajuda a aumentar a desigualdade de atendimento entre pessoas de alta e baixa renda.
Zimmer também chama atenção para a discussão política muitas vezes agressiva em países polarizados. “Provavelmente, ao nível biológico, isso causa na população um maior estresse envolvido com tudo que acontece em torno da política.” A sensação de falta de suporte em momentos de instabilidade também pode colaborar para esse estresse.
Estudos futuros podem investigar mais a fundo os dados inéditos que relacionam instabilidade política ao envelhecimento acelerado. O que já dá para ter certeza é que, se os governos querem agir para retardar o envelhecimento de sua população, só investir em saúde não vai resolver.