Artur Beltrame Ribeiro
No exercício da profissão, o médico torna- se conhecedor do estado de saúde física e mental de seus pacientes. Esse conhecimento gera uma situação complexa: o segredo médico. De fato, após a consulta, o médico passa a deter informações que só lhe pertencem em função de sua atividade. Isso às vezes gera dilemas delicados. Por exemplo, pode o profissional revelar o diagnóstico a outras pessoas? À polícia? Ou, então, pode ele omitir o verdadeiro diagnóstico ao doente? Tais questões envolvem aspectos psicológicos, legais e culturais.
Diante delas, os médicos se orientam por um Código de Ética que dá diretrizes de conduta ao seu exercício profissional. Um dos capítulos desse código diz ao médico como se comportar diante do segredo. Diz, por exemplo, que ele não está obrigado a revelar um segredo profissional nem mesmo à Justiça, a não ser que o paciente peça. Chamado como testemunha, o médico simplesmente declara seu impedimento e se cala. Caso o paciente seja menor de idade, o médico só poderá contar o segredo se o menor não tiver condições de resolver sozinho seus problemas ou quando o sigilo acarretar danos ao paciente.
Há ainda outra série de obrigações que visam, em última análise, a proteção da privacidade do paciente. O médico pode, no entanto, revelar seu segredo profissional se houver justa causa, dever legal (por exemplo, em caso de doenças contagiosas que colocam em risco a coletividade), ou se o paciente lhe pedir que conte. E quanto a este? Deve o médico informá-lo de sua moléstia quando for incurável ou de mau prognóstico? Eis outra questão bastante complexa e que envolve opiniões antagônicas. Quando a moléstia for a AIDS, infelizmente tão freqüente em nossos dias, a conduta é óbvia: o doente tem de ser informado porque sua condição pode pôr em risco (em certas situações) outras pessoas. Mas quando a moléstia não for transmissível? Em que condições seria justo não informá-lo? Com quem, então, dividir o diagnóstico? Com familiares, amigos? Esses difíceis problemas estão permeados pela cultura da sociedade na qual vivem médicos e pacientes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o paciente é sempre informado. Há várias razões para essa conduta. Em primeiro lugar, a família americana é menos agregada que a brasileira. Muitos pacientes vivem sós.
Precisarão, pois, tomar as providências que sua doença requerer. Além disso, os médicos ali freqüentemente assumem uma posição defensiva para evitar processos judiciais em que possam ser condenados a pagar pesadas indenizações em dinheiro. O médico simplesmente, evita o processo sem se deter em maiores considerações sobre outros aspectos decorrentes da revelação do diagnóstico ao paciente.
E no Brasil? Os médicos comunicam diagnósticos de moléstias fatais? Ou nos casos em que o tratamento é muito difícil e de resultado duvidoso? Não há uma resposta, uma conduta determinada. Há médico e há pacientes. A alguns pacientes se comunica o diagnóstico porque estes assim o desejam e o médico avalia que eles estão preparados para conviver com a verdade. Em outras situações, porém, o médico opta por falar a um membro da família, dizendo ao paciente apenas uma parte da verdade. É muito difícil em nossa cultura dizer a um paciente que, no seu caso, não há mais esperança.
Há que se considerar também que alguns doentes não desejam que o médico verbalize sua real condição, embora no convívio paciente-médico ambos saibam da verdadeira situação. As condições emocionais e familiares de alguns pacientes exigem às vezes que não se declare o diagnóstico definitivo. Finalmente, para a alegria de todos, a Medicina nem sempre prevê com precisão matemática a evolução de uma doença grave, e a natureza, junto com o tratamento, causa muitas vezes agradáveis surpresas, demonstrando o acerto em agir sempre visando o melhor para os pacientes.
Artur Beltrame Ribeiro é livre-docente em Medicina da Escola Paulista de Medicina