Mortes por calor extremo devem dobrar até 2054 na América Latina
Análise de nove países (Brasil incluso) sugere que os termômetros nas alturas serão responsáveis por 2% do total de óbitos. Entenda.

Eis mais um péssimo cenário da crise climática: segundo um novo estudo, a mortalidade associada pelo calor nas cidades da América Latina pode mais que dobrar nas próximas três décadas.
Publicada na revista Environment International, a pesquisa liderada pelo professor Nelson Gouveia, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), projeta que, entre 2045 e 2054, a proporção de mortes atribuídas ao calor passará de 0,87% para 2,06% do total de óbitos.
O estudo analisou dados de 326 cidades em nove países latino-americanos – Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, México, Panamá e Peru –, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Embora as mortes associadas ao frio devam diminuir, essa redução não compensará o aumento expressivo das fatalidades ligadas ao calor extremo.
“As pessoas idosas e as mais pobres são as que mais sofrem”, afirmou Gouveia em comunicado. “Quem vive em áreas periféricas, em moradias precárias e sem acesso a ar-condicionado ou a espaços verdes terá mais dificuldade para enfrentar ondas de calor cada vez mais intensas.”
O trabalho faz parte do projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina (SALURBAL-Clima), uma iniciativa internacional de cinco anos (2023–2028) que busca entender como o aquecimento global afeta a saúde das pessoas da região.
Os resultados apontam que, mesmo em um cenário com menos emissões de carbono, o número e a duração das ondas de calor devem dobrar até meados do século. No pior cenário (com a quantidade de emissões maior ou igual à atual), o número de eventos pode crescer até 12 vezes, e sua duração aumentar nove vezes, de acordo com um artigo complementar publicado em 2024 na Scientific Reports, também de autoria de Gouveia.
A década de 2015 a 2024 já é a mais quente desde 1850, e os efeitos do calor sobre a mortalidade são desproporcionais. Cada aumento de 1 °C em dias extremamente quentes eleva em 5,7% o risco de morte – quase o dobro do impacto observado em dias frios, segundo outro estudo de Gouveia publicado na Nature Medicine em 2022.
Além de causar mortes, o calor extremo agrava doenças crônicas, como problemas cardíacos e respiratórios. “As mortes são apenas a ponta do iceberg”, ressalta Gouveia. “O calor aumenta o risco de infartos, insuficiência cardíaca e outras complicações, especialmente entre idosos e pessoas com doenças pré-existentes.”
Um estudo publicado no ano passado na Environmental Epidemiology estima que, entre 1997 e 2019, mais de 59 mil pessoas morreram em decorrência do calor em 13 países latino-americanos – sendo o Brasil responsável por parte significativa das fatalidades.
Diante desse panorama, os pesquisadores defendem medidas urgentes de adaptação urbana e saúde pública. Entre as ações propostas estão sistemas de alerta para ondas de calor, expansão de áreas verdes, criação de corredores de ventilação nas cidades, telhados verdes e sombreamento em espaços públicos. Também são recomendados protocolos específicos para atendimento de idosos e pessoas com doenças crônicas – como já acontece no Rio de Janeiro – e a introdução de programas de educação para a população sobre os riscos do calor e maneiras de proteção, tanto em níveis individuais, quanto coletivos.
“Mitigar as emissões é essencial”, diz Gouveia, “mas também precisamos nos preparar para viver em um clima mais quente. Isso envolve desde políticas governamentais até mudanças individuais de comportamento, como reduzir o uso do carro, economizar energia e evitar a exposição ao sol em horários de maior calor.”