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Movimento, volver!

A reabilitação das deficiências físicas começa a andar mais depressa. Surgem drogas que preservam nervos da medula espinhal ameaçados de morte depois de um acidente. O cérebro também surpreende, sem contar a fisioterapia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h34 - Publicado em 28 fev 1997, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Parece um daqueles filmes exagerados do cinema-catástrofe. Primeiro, acontecem enchentes, os vasos sangüíneos se rompem e o líquido que jorra causa uma pressão insuportável dentro das vértebras. Células nervosas são achatadas e o sufoco altera a transmissão de seus sinais elétricos. Os curto-circuitos são inevitáveis. Então, outras células se sacrificam na tentativa de resolver o problema de eletricidade, como quem desliga a força. Ao morrerem, essas suicidas liberam cálcio e a substância atrai moléculas nocivas, como as dos radicais livres, capazes de acabar com o que ainda funcionava bem. Nasce uma segunda onda de destruição. Mais células morrem, mais cálcio aparece, mais radicais livres cheios de más intenções. A reação em cadeia parece não ter fim, mas tem. Chegam as células de defesa do sangue e limpam tudo na área. Tudo. A medula foi rompida. Fica um tremendo abismo entre o cérebro e os músculos que governam os movimentos.

Infelizmente não é cinema. Esse é o drama de quase 3 milhões de brasileiros deficientes físicos. Existe ainda outro milhão de indivíduos no país que também perdeu parte dos movimentos do corpo, mas não por causa de danos na medula espinhal, o canal de comunicação entre o cérebro e o resto do corpo. Neles, o próprio cérebro foi lesado, 72% dos casos em desastres de trânsito, segundo o Ministério da Saúde. Agora, porém, a Medicina quer dar uma seqüência otimisma ao episódio trágico. No ano passado cientistas suecos conseguiram fazer ratos paralíticos voltar a caminhar.“É possível que alguns casos de paralisia tenham cura nos próximos dez anos”, arrisca-se a dizer, animado, o especialista americano Wise Young, professor da Universidade de Nova York, em entrevista à SUPER.

Basta salvar uma parte dos nervos

O cabo cheio de nervos que passa bem no meio da coluna vertebral não perdoa agressões (veja o infográfico ao lado). Quando se machuca em uma trombada de carro, ao levar um tiro ou por uma batida forte na cabeça – cuja massa cinzenta inchada pelo trauma acaba fazendo pressão excessiva sobre ele –, esse cabo costuma apresentar problemas sem volta. Até recentemente o estudo desses casos parecia imobilizado. Hoje o neurologista Wise Young comemora a constatação de que um indivíduo usa apenas de 8 a 10% dos nervos no centro de sua espinha para se movimentar. “Antes, a gente achava que era preciso recuperar completamente a medula para curar o doente”, explica o médico. “Como os nervos são estruturas caprichosas, que nem sempre reagem como se espera, a missão parecia quase impossível e os pesquisadores desanimavam.”

Verbas também nunca sobraram para a pesquisa das lesões de medula. “Nos Estados Unidos, ninguém investe na busca de soluções porque só ocorrem cerca de 11 000 novos casos por ano”, declara o ator americano Christopher Reeve, famoso pelo papel de Super-Homem no cinema, que há dois anos caiu do cavalo e quebrou o pescoço. Ele está numa cadeira de rodas tão cheia de dispositivos eletrônicos que vale 1 milhão de dólares. Mas deixa a imaginação voar como um super-herói e anuncia: “Queria ser um rato.” O roedor em questão é um sueco que voltou a andar. Foi o alvo de uma experiência revolucionária no respeitável Instituto Karolinska, em Estocolmo (veja quadro à direita).

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Computadores entram no tratamento

Ainda serão necessários de cinco a dez anos de pesquisas com animais até a técnica criada pelos suecos ser experimentada em seres humanos. Na prática, porém, já dá para os especialistas preverem dificuldades. Afinal, após um acidente de qualquer natureza, a medula nunca se parte direitinho como em um corte cirúrgico igual ao feito nos ratos. Ela acaba esgarçada como um trapo. Será complicado colar túneis nervosos em suas pontas e, mais difícil, fazer com que funcionem. No entanto, existe esperança.

“Voltar a andar não é a única saída”, diz a médica Linamara Ba- ttistella, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ela dirige a Divisão de Reabilitação, área da Medicina que se desenvolveu na década de 50, especialmente na Áustria, país que tinha uma legião de mutilados e paralíticos devido aos estragos da guerra. “Às vezes, o indivíduo não caminha como antes, mas depois de tratado consegue trabalhar e ter um dia-a-dia normal.”

Nos últimos anos, a reabilitação mudou muito. “Antes, a gente sabia com a prática se um paciente havia melhorado”, diz a médica (veja quadro à direita). “Mas agora podemos responder quanto realmente ele melhorou, com exames computadorizados que medem os desvios de postura, a força muscular e a velocidade dos reflexos.” Os computadores não entram em cena só na hora do diagnóstico. “Hoje é possível calcular a pressão que alguém faz sobre a cadeira de rodas quando está sentado e como apóia as costas e os braços”, diz ela. “Assim, a cadeira acaba sendo personalizada, planejada para fazer pequenas compensações nessas áreas de pressão, proporcionando maior conforto.”

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O cérebro pode transferir certas tarefas

Há três meses, foi divulgada nos Estados Unidos uma cirurgia para implantar eletrodos nos nervos ligados ao diafragma, imobilizado depois de uma lesão na altura do pescoço. “Eles mandam impulsos elétricos contínuos para esse músculo abdominal, controlados por um dispositivo externo que cabe no bolso”, informa o neurocirurgião Jorge Roberto Pagura, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Os impulsos fazem o diafragma se movimentar, dispensando o ventilador, aparelho que força a entrada do ar nos pulmões.

Nos traumas cerebrais, contudo, o edema ou inchaço subseqüente continua sendo a luta dos médicos. “O cérebro fica numa caixa fechada, não tem para onde correr”, diz Pagura. “O aperto lá dentro mata seus neurônios. A função desempenhada por eles desaparece.” Exames como a ressonância magnética, que mostram o cérebro em ação, provam que muitas vezes, depois de um tratamento prolongado, ele transfere o trabalho que era realizado pela área destruída para outras regiões. O fenômeno é conhecido por plasticidade cerebral. “A maior parte do progresso de um paciente ocorre no primeiro ano depois do trauma”, conta Pagura. “No entanto, se ele continua melhorando, nem que seja 0,1% a cada seis meses, não existem limites. Em tese, ao menos em tese, esse indivíduo pode progredir sem parar no caminho da cura.”

Para saber mais

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Manual de Reabilitação do Lesado Medular, Editora Sarah Letras, Brasília, 1997.

Na Internet:

Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro, https://www.ibase.org.br/~cvirj

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A rede de eletricidade

A medula é comparável a um cabo elétrico por onde passam cerca de 800 000 fios, que seriam os nervos. Sua camada externa, chamada matéria branca, é constituída de prolongamentos dos neurônios cerebrais. Já o seu miolo é conhecido por matéria cinza. Ali concentram-se as células especializadas em transmitir as ordens de movimento vindas do cérebro ou, em um caminho inverso, mandar ao cérebro mensagens sobre as diversas sensações captadas pelo corpo, como dor e calor. A responsável pela comunicação do cérebro com o corpo é delicada. A medula não tem mais do que 1,2 centímetro de diâmetro, exatamente como no desenho ao lado. A sorte é que fica no centro das vértebras, ossos fortes que acabam servindo de armadura.

Um rato ex-paralítico

Quando os prolongamentos das células cerebrais na medula se rompiam, nada conseguia fazê-los crescer a ponto de se engancharem outra vez. Isso porque a mielina, o revestimento branco desses neurônios, contém uma proteína que impede a sua regeneração. Os cientistas do Instituto Karolinska, na Suécia, desconfiaram então que o melhor a fazer seria escapar da tal mielina. Eles cortaram a medula de ratos 1. Em seguida, colaram fibras nervosas intactas 2, retiradas dos músculos peitorais dos bichos. Elas funcionaram como túneis ligando as extensões cerebrais de um lado 3 ao miolo sem mielina do cabo, do outro 4. Dentro dos túneis, os neurônios cresceram 5, sem a inibição provocada pela substância branca. Seis meses depois de operados, os animais caminharam. Com dificuldade, mas caminharam.

Zonas de segurança máxima

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Impactos no sistema nervoso central causam danos conforme o local do acidente.

Conteúdo frágil

O cérebro só é protegido pelos ossos da caixa craniana. Qualquer batida mais forte pode arrasar boa parte de suas células, causando deficiências físicas e mentais.

Região do pescoço

Quando a medula se rompe ali, o indivíduo não mexe a cabeça nem respira sem aparelhos. Pois os nervos que comandam o diafragma, músculo envolvido na respiração, partem dessa área.

Altura do peito

Os movimentos sempre ficam comprometidos da região danificada para baixo. Portanto, lesões nessa faixa podem deixar o paciente sem mexer os braços e as pernas. Ou seja, tetraplégico.

No meio da coluna

No caso, o risco é de ficar paraplégico, imóvel da cintura para baixo. A vítima também não percebe quando a bexiga está cheia e sofre freqüentemente de infecções urinárias.

O vaivém dos sinais

A ordem do cérebro saudável – mexa-se! – alcança, primeiro, a parte externa da medula. Dali, em alturas diversas da coluna vertebral, as terminações nervosas penetram até o centro, onde ficam os neurônios motores. Esses, por sua vez, saem novamente, desembocando em 31 pares de nervos espalhados entre as vértebras, como se vê ao lado. Eles levam esse tipo de comando voluntário para cada músculo do corpo humano.

Novas esperanças

Como funcionam três tratamentos promissores para reparar os estragos nas células nervosas.

Contra o suicídio

Após uma bela pancada nas costas, os tecidos em torno da espinha incham, apertando as terminações nervosas. Em apuros, elas produzem moléculas nocivas de radicais livres e, assim, praticamente se suicidam. Os médicos estão dando injeções de uma droga parente da cortisona, no caso a metilpredinisolona, para evitar a morte dos nervos. O remédio só faz efeito nas primeiras 8 horas depois da lesão na medula. E que efeito: poupa 20% das células que se matariam. Elas podem fazer a diferença entre controlar o esvaziamento da bexiga ou não, respirar sem aparelhos ou não.

Acelerador de impulsos

Às vezes, a medula não se rompe, mas o revestimento de mielina se rasga. Então, dá na mesma. Afinal, essa substância gordurosa é que faz os sinais elétricos do cérebro chegarem quase instantaneamente a seus destinatários, os músculos. Para que essas mensagens continuem sendo transmitidas a uma velocidade adequada, os médicos testam uma substância chamada 4-AP, capaz de aumentar a condução das células com a mielina esgarçada. O remédio já foi aplicado em 100 voluntários americanos e europeus que, medicados, recuperaram parcialmente a sensação de tato nos membros imobilizados.

Células fetais

No ano passado, na Universidade da Flórida, cientistas enxertaram neurônios de fetos de ratos na medula de animais adultos paralíticos. Seis dos oito ratos tratados voltaram a se mexer. A pesquisa tem dois empecilhos. Primeiro: essa terapia oferece o risco de rejeição como em qualquer transplante. Segundo: na maioria dos países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos, são proibidos estudos com células fetais humanas.

Figuras públicas em reabilitação

Veja alguns exemplos de gente que recuperou funções.

Treinado para tocar

Ele mal segura um copo e não dá um aperto de mão direita. Ela ficou paralisada há dois anos, quando o pianista brasileiro João Carlos Martins sofreu um derrame. No entanto, em maio do ano passado, ele foi ovacionado de pé no famoso Carnegie Hall, em Nova York. Martins, que mora na Flórida, se entregou ao biofeedback, técnica de reabilitação desenvolvida pela equipe do neurologista Bernard Brucker, na Universidade de Miami. O músico ficou horas a fio brigando contra uma máquina, de olho na tela que comparava o movimento que tinha feito e o que deveria fazer. Segundo Brucker, seu método é eficiente para recuperar movimentos específicos. “A gente consegue o máximo justamente porque insiste em treinar um único tipo de tarefa”, diz ele. Nunca, porém, sua equipe tinha preparado alguém para realizar movimentos tão finos como dedilhar um piano.

Duras penas

O ator Flávio Silvino, promissor galã de telenovelas, não quebrou um osso nem ficou arranhado quando bateu seu carro em novembro de 1993. Mas sofreu um traumatismo craniano. Sua massa cinzenta inchou e algumas de suas áreas ficaram sem receber sangue adequadamente. Resultado: foram 123 dias em estado de coma. Quando recuperou a consciência, mal balbuciava palavras. Até hoje enfrenta sessões de terapias combinadas para recuperar a linguagem, agora equivalente à de um adolescente.

Cobaia humana

O ator americano Christopher Reeve tem aproveitado o seu prestígio para ser voluntário de uma série de terapias em fase experimental. Há oito meses, ele usou a droga 4-AP para acelerar a transmissão dos impulsos nas células nervosas que restaram intactas. No entanto, meia hora depois, teve de ser socorrido por causa de uma forte reação alérgica. Agora, está testando uma nova bicicleta ergométrica em que são ligados nada menos do que quinze eletrodos em cada uma de suas pernas. Eles passam impulsos elétricos para quase toda a musculatura da região. Assim, Reeve consegue pedalar quase tão depressa quanto nos tempos em que fazia 3 horas de ginástica por dia para manter seu físico de herói de cinema.

A saída do cérebro

Quando o locutor esportivo Osmar Santos sofreu um acidente de carro, em dezembro de 1994, perdeu 5% da massa cerebral, justamente na região que processa a linguagem. “Ele poderia não estar falando uma palavra sequer”, diz seu irmão Odiney Santos. “Mas o Osmar tem uma força de vontade descomunal, que o leva a passar em média 6 horas por dia em diversas terapias.” Osmar Santos não voltará jamais a narrar jogos de futebol, dura realidade. Mas os médicos têm realmente esperança de que volte a conversar, porque o fato de conseguir recuperar um vocabulário limitado indica que seu sistema nervoso está convocando novas áreas cerebrais para substituir a região perdida no acidente.

Várias frentes de combate

Os recursos que, juntos, ajudam a reabilitar pacientes.

Ser independente

A terapia ocupacional é uma peça-chave ao treinar movimentos como o de escovar os dentes ou criar dispositivos como talheres presos às mãos. “O paciente deve ser independente ”, diz a terapeuta Gracinda Tsukimoto, do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo.

Força exata

Atletas contundidos e gente com lesões mais sérias têm apelado para o Cybex. A máquina avalia o trabalho dos músculos enquanto o paciente faz força. Se ele exagerar, porém, o equipamento automaticamente retira a carga, evitando novas lesões.

Ajuda na telinha

Nos traumas cerebrais, pode-se perder os comandos da musculatura facial envolvida na fala. “A área lesada não tem cura”, diz a fonoaudióloga Lídia Balbachevsky Setti. O que podemos fazer é recrutar outros setores cerebrais, com exercícios específicos, treinando-os para a tarefa da região perdida.

Esse trabalho é lento. E as coisas se complicam quando o cérebro apagou os registros da linguagem. “Ele pode esquecer o significado das palavras”, exemplifica Lídia, que vê no computador um grande aliado. “Alguns softwares, extremamente lúdicos, servem de estímulo para as sessões de terapia”, diz ela, clicando a figura de uma maçã enquanto as letras m-a-ç-ã aparecem na tela.

Fim da canseira

A análise das articulações de um indivíduo enquanto ele caminha é considerada uma avaliação fundamental. Seis câmeras de vídeo e dezesseis sensores registram o jeito como o corpo se desloca e enviam os dados para o computador. Antes o exame levava mais de 1 hora e o paciente repetia a trajetória várias vezes. “Cansado, mudava a sua postura natural”, explica a médica Linamara Battistella. Hoje 20 minutos e uma única caminhada de um lado a outro da sala de 8 metros no Hospital das Clínicas de São Paulo já são o suficiente, graças a um software lançado no final do ano passado. “Sem fadiga, os resultados são fiéis à realidade”, diz a médica.

Ação involuntária

Na fisioterapia, uma das novidades são equipamentos que transmitem impulsos elétricos imitando as mensagens nervosas. “Assim, as regiões paralisadas se mexem, exercitando-se”, diz Denise Ayres, fisioterapeuta do HC de São Paulo (na foto).

Ginástica passiva

Máquinas fazem movimentos, como os da bicicleta, para manter os músculos em forma, evitando problemas de circulação. Os especialistas concordam: músculos bem condicionados evitam novas seqüelas e ainda ajudam na recuperação do movimento.

O jeito certo de socorrer

Socorro inadequado causa 70% das paralisias.

A ambulância

Tente descobrir se o acidentado tem algum plano de resgaste. Chame uma ambulância para terapia intensiva. Ela tem mais condições de tratamento do que hospitais de cidades pequenas.

Sem se mexer

Jamais peça para o indivíduo tentar mexer os braços ou as pernas para ver se está tudo bem. A medula pode estar à beira da ruptura e o movimento das vértebras será o empurrão final.

Se ele estiver desacordado ou consciente mas com dificuldade de respirar, erga sua cabeça delicadamente, facilitando a passagem do ar.

Apoio total

As costas e o pescoço do paciente devem ficar apoiados por uma prancha. É possível improvisar uma com a tampa do porta-malas. Duas a três pessoas devem erguê-la por baixo.

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