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Paracetamol na gravidez causa autismo? O que dizem os maiores estudos já feitos

Entenda por que a fala de Trump e o posicionamento do governo americano ignoram o caminho das pedras da ciência.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 30 set 2025, 20h16 - Publicado em 24 set 2025, 14h16

Na última segunda-feira (22), o presidente americano Donald Trump disse que o consumo de Tylenol – o nome comercial mais comum do paracetamol nos EUA – durante a gravidez pode causar autismo nas crianças. A alegação, feita numa conferência de imprensa, não é comprovada pelas evidências científicas e foi contestada por especialistas, organizações médicas e órgãos como a OMS e agências reguladoras europeias. 

O anúncio do governo veio depois de várias falas do presidente e de Robert F. Kennedy Jr., o Secretário de Saúde dos EUA, que nos últimos meses vinham prometendo solucionar a causa do autismo. Na mesma ocasião, a dupla repetiu a mentira de que vacinas também podem levar à neurodivergência, uma alegação que nasceu de um estudo fraudada e já foi descartada após décadas de pesquisas.

O pronunciamento do presidente também foi acompanhado por uma nota da FDA, a agência reguladora dos EUA, anunciando uma mudança na bula para alertar os médicos e pacientes sobre uma “possível associação” entre o medicamento e o autismo.

Mas, diferente do presidente, a “Anvisa americana” adotou um tom muito mais cauteloso. “É importante observar que, embora uma associação entre paracetamol e distúrbios neurológicos tenha sido descrita em muitos estudos, uma relação causal não foi estabelecida e também há estudos contrários na literatura científica”, destaca o pronunciamento.

Para defender seu novo posicionamento, o governo americano cita alguns estudos que investigaram a associação entre o medicamento e o autismo. Mas, no seu cerne, a alegação ignora a maneira como recomendações de saúde são formuladas – e o próprio caminho das pedras da pesquisa científica. Os melhores estudos não apontam para um risco do Tylenol; vamos entender o porquê. 

O que dizem as evidências

A nova diretriz não veio totalmente do nada. De fato, há estudos que mostram uma possível associação entre o consumo de paracetamol por parte de mulheres grávidas e maiores riscos de seus filhos serem diagnosticados com neurodivergências, como o autismo ou TDAH. Mas a questão está para lá de ser conclusiva – e há várias pesquisas, maiores e mais bem formuladas, que não mostram qualquer risco.

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Um dos problemas é que estudar o assunto é difícil. O paracetamol não exige receita e é consumido por conta própria pelos pacientes – o que significa que não há um registro confiável, formalizado em prontuário, sobre as doses, frequência do consumo, causas que levaram o paciente a recorrer ao analgésico etc. Os cientistas precisam recorrer a questionários aplicados diretamente com os participantes de pesquisas, que são instrumentos menos confiáveis (as pessoas podem esquecer, subestimar ou superestimar números ou simplesmente mentir, afinal).

Dito isso, vamos às evidências. Um artigo publicado neste ano na revista científica Environmental Health e liderado por um pesquisador de Harvard analisou 46 estudos que investigaram a questão e descobriu que 27 deles apontavam um possível risco maior de autismo e/ou TDAH em crianças cujas mães usaram paracetamol durante a gravidez. Essa pesquisa e notícias relacionadas a ela têm sido usadas para defender a posição do governo americana, inclusive nas redes sociais. Mas ela não prova nada.

A análise sugere que pode haver uma correlação entre autismo e o consumo de paracetamol na gravidez, mas não mostra que há uma causalidade entre as questões. Há fatores de confusão na jogada: mães que recorrem ao analgésico podem ter infecções ou outros problemas de saúde que causem dor e/ou febre, e por isso não formam um grupo comparável com o das mulheres que não tomam o remédio na gestação. Uma ligação aparente entre o paracetamol e o autismo pode ser explicada por outros fatores que não o medicamento em si.

Pesquisadores sabem disso, e tentam ajustar seus resultados para considerar os fatores de confusão, mas não é possível eliminá-los 100%. Essa é uma das razões pela qual há resultados conflitantes entre estudos.

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O maior e talvez o mais conclusivo estudo foi publicado em 2024. Os pesquisadores analisaram dados de quase 2,5 milhões de crianças nascidas na Suécia entre 1995 e 2019, incluindo informações de prescrição de paracetamol para suas mães, além de relatos de automedicação coletados por parteiras. Depois, cruzaram esses números com os diagnósticos de autismo que vieram após o crescimento dos bebês. 

Os resultados mostraram que 1,53% das crianças expostas ao paracetamol no útero foram diagnosticadas com autismo, contra 1,33% das que não foram expostas. Uma diferença pequena, mas ainda notável.

Aí vem o pulo do gato: para controlar por fatores de confusão, a equipe analisou pares de irmãos, nascidos dos mesmos pais e criados na mesma casa, sendo que em uma gestação a mãe usou paracetamol e, na outra, não. Como compartilham grande parte da genética e do ambiente, eventuais diferenças notáveis seriam mais prováveis de serem atribuídas ao Tylenol.

Quando o estudo focou só no método de “comparação de irmãos”, não houve qualquer diferença na incidência de autismo. Isso indica que a aparente associação vista em algumas análises pode ser fruto de fatores de confusão. O artigo foi publicado na revista JAMA.

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Um outro estudo parecido, feito com dados de 200 mil crianças nascidas no Japão e que também usou a comparação de irmãos, chegou no mesmo resultado.

Da mesma forma, uma outra revisão de vários estudos, publicada em fevereiro na revista Obstetrics & Gynecology, concluiu que “é improvável que a exposição intrauterina ao paracetamol confira um risco significativo” de autismo.

Estudos individuais, por melhor que sejam, não provam ou desprovam nada, vale lembrar. Consensos científicos são feitos a partir da análise de muitas evidências que apontam para um mesmo caminho. Revisões da literatura científica feitas por especialistas guiam as recomendações de órgãos de saúde.

É a partir dessas revisões que órgãos como a OMS, a Agência de Medicamentos da Europa, o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, a MHRA (a Anvisa do Reino Unido) e várias outras organizações de saúde vieram a público nos últimos dias reforçar que não há provas de que o paracetamol cause autismo.

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O que, então, causa autismo?

O autismo não é uma doença; trata-se de um desenvolvimento atípico do cérebro. O transtorno é entendido como um espectro, com níveis distintos de sintomas.

Décadas de pesquisa científica mostram que a neurodivergência é complexa e multifatorial. Mas sabemos, com um alto grau, que a genética está envolvida. Não há, portanto, como culpar apenas um medicamento.

Nas últimas duas décadas, como Trump ressaltou, houve um aumento na prevalência do autismo na sociedade. Mas especialistas lembram que grande parte do salto pode ser explicado pelo aumento dos diagnósticos, que ficaram mais comuns por causa da mudança de critérios e da maior conscientização entre o público e os profissionais. Antes, muitos adultos autistas passavam a vida sem diagnóstico. Além disso, houve ampliação do escopo: a chamada Síndrome de Asperger, por exemplo, não existe mais – seus portadores são hoje considerados como parte do espectro autista. 

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Não significa, claro, que fatores ambientais e de estilo de vida não possam ter sua parcela de responsabilidade – mas é preciso de pesquisa científica séria para elencá-los, e não de anúncios políticos.

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