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Poção do século 10 com alho-poró e vinho combate superbactérias em laboratório

Gororoba caseira recomendada em um manuscrito anglo-saxão do século 10 como tratamento para tersol parece eficaz contra os biofilmes de cinco estirpes de bactérias resistentes a antibióticos.

Por Bruno Carbinatto
3 ago 2020, 14h40

Conforme certas estirpes de bactérias se tornam cada vez mais resistentes aos antibióticos contemporâneos, cientistas de todo o mundo procuram alternativas para combater o problema – um dos mais graves da saúde pública. E quem diria: uma receita bactericida usada há mil anos, em plena Idade Média, pode ajudar nessa missão.

Um grupo de cientistas ingleses de diferentes áreas – há especialistas tanto em microbiologia quanto em análise de textos antigos envolvidos no projeto – está testando uma combinação de substâncias descrita em um livro de poções do século 10 que parece ser promissora no combate à Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). Estima-se que, até 2050, 10 milhões de pessoas morrerão por ano infectadas por microorganismos imunes aos fármacos conhecidos – qualquer ajuda é pouco. 

Utilizado na época para tratar o terçol, um tipo leve de infecção bacteriana nos olhos, esse estranho coquetel é descrito no manuscrito anglo-saxão Medicinale Anglicum, conhecido informalmente como Bald’s Leechbook – em português, algo como “Livro de cura de Bald”, em referência ao autor, do qual sabemos apenas o nome. O manuscrito é um dos mais conhecidos compêndios de práticas da medicina medieval.

A mistura em questão leva alho, vinho, bile de vaca e cebola (ou alho-poró – o termo, no inglês da época, poderia se referir aos dois temperos). Segundo o manuscrito, ela deveria ser preparada pelo menos 9 noites antes do uso, e ser mantida em temperaturas amenas.

A lista de ingredientes digna de Harry Potter pode soar como uma baboseira – a expectativa de vida da época não era exatamente alta para justificar muita crença nos farmacêuticos anglo-saxões –, mas o fato é que essa poção específica, ao contrário de outras presentes no Leechbook, apresenta um efeito antisséptico notável em condições laboratoriais.

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Tudo começou em 2015, quando um outro estudo pela mesma equipe mostrou que a poção era eficiente em combater a MRSA. Os resultados positivos foram observados quando os microorganismos foram cultivados em recipientes de vidro com células humanas, e também quando a mistura foi usada para tratar camundongos infectados.

Agora, o novo estudo, publicado no periódico Science Advances, mostrou que a combinação de fato é eficiente não só contra a MRSA, mas também contra cinco tipos de bactérias que possuem estirpes resistentes aos antibióticos comuns: Acinetobacter baumannii, Stenotrophomonas maltophilia, Staphylococcus aureusStaphylococcus epidermidis e Streptococcus pyogenes. Para realizar os testes, os pesquisadores produziram vários lotes da poção em laboratório (algumas levavam cebola, outras alho-poró, para contornar a dúvida na tradução do inglês arcaico).

Essas bactérias têm em comum a capacidade de se organizar em biofilmes. Biofilmes são comunidades com centenas de milhares de microorganismos, que podem se formar em essencialmente qualquer superfície úmida – da louça da privada até uma mucosa humana. Nos biofilmes, as bactérias ficam embebidas em substâncias produzidas por si próprias que as protegem das adversidades do ambiente circundante – como antibióticos.

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A poção do Bald’s Leechbook funciona porque é capaz de quebrar o biofilme, e os pesquisadores ainda não sabem qual é a química por trás desse passe de mágica medieval. Os ingredientes já foram testados separadamente, e não são eficazes sozinhos. Há algo que torna a mistura melhor que suas partes.

Nos testes, os pesquisadores aplicaram a substância em biofilmes que se formaram apoiados em amostras de tecido humano. É bom lembrar que testes desse tipo são apenas preliminares – muitos graus de complexidade são adicionados quando passamos para a experimentação em camundongos e humanos. O que é o jeito educado de dizer: não faça essa (nem qualquer outra) receita medieval em casa. Lugar de remédio é na farmácia, caro leitor.

A equipe ressalta que os resultados parecem ser especialmente promissores para o tratamento de infecções bacterianas em ferimentos nos pés e pernas de pessoas com diabetes. Esses quadros são tão difíceis de tratar que muitas vezes requerem a amputação do membro para evitar que as bactérias atinjam o resto do corpo.

“Como a mistura não causou muitos danos às células humanas em laboratório ou aos camundongos, poderíamos potencialmente desenvolver um tratamento antibacteriano seguro e eficaz a partir disso”, disse Freya Harrison, autora principal do estudo. “A maioria dos antibióticos que usamos hoje são derivados de compostos naturais, mas nosso trabalho destaca a necessidade de explorar não apenas compostos individuais, mas misturas de produtos naturais para o tratamento de infecções por biofilme.

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De qualquer forma, vale repetir o aviso antes de encerrar: os experimentos só foram feitos em laboratório e em camundongos, e não em humanos. Os cientistas acreditam que, se a mistura de fato for eficaz para nós, deverá agir só em casos específicos. Ou seja: não adianta fazer um chá de alho e cebola na sua casa. Procure um médico.

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