Sociedade protetora dos homens
Cuidar do ambiente é importante. Mas deveríamos dar a mesma atenção à espécie humana.
PAULO SALDIVA*
O Brasil possui um excelente conjunto de leis de proteção ao ambiente. Nossos patrimônios naturais exuberantes assim o merecem. É uma pena, porém, que uma espécie tenha sido excluída da agenda ambiental a espécie humana. Exemplo prático: a construção do rodoanel viário de São Paulo foi somente autorizada após a conclusão de extenso estudo de impacto ambiental, para minimizar os impactos da passagem de tráfego pesado sobre o cinturão verde e os mananciais. Essa é uma conduta adequada e necessária. Agora, pergunte se o mesmo cuidado é tomado quando as autoridades, para desafogar o tráfego, criam novas alternativas de escoamento de veículos através de zonas residenciais que, de relance, transformam-se em áreas de grande emissão de poluentes. Provavelmente não.
Ocorre que nos últimos 20 anos houve uma revolução no conhecimento científico sobre os efeitos da poluição do ar na saúde humana. Hoje, sabemos que partículas finas emitidas pelos veículos se depositam profundamente em nossos pulmões. O ozônio, formado na atmosfera a partir de poluentes emitidos por veículos e indústrias, agride mucosas e vasos sanguíneos. Estudos desenvolvidos por vários grupos de pesquisa do Brasil indicam que a poluição do ar da Região Metropolitana de São Paulo causa mortalidade prematura de cerca de 20 pessoas ao dia. Mais ainda, 1 em 10 internações por doenças dos sistemas respiratório e cardiovascular tem alguma relação com a poluição atmosférica.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já percebeu essa relação de causa e efeito. Tanto que, em 2006, estabeleceu novos padrões de qualidade do ar tendo por base reduzir os impactos sobre a saúde humana. Vários países seguiram a conclusão da OMS. O Brasil, no entanto, manteve os patamares adotados nos anos 90 – uma época em que sabíamos cerca de 10% do que sabemos hoje sobre os efeitos dos poluentes no corpo humano. Resultado: os padrões da OMS são 3 vezes menores do que os adotados no Brasil. Desconheço algum argumento médico que indique que os pulmões e as coronárias dos brasileiros sejam 3 vezes mais resistentes do que os dos nossos irmãos europeus ou americanos.
Padrões ambientais permissivos são o caminho mais direto para os combustíveis de má qualidade e a tecnologia automotiva antiquada que temos circulando pelas ruas do Brasil. E uma das conseqüências do problema está no enorme custo financeiro do sistema de saúde: apenas na Região Metropolitana de São Paulo, estamos falando em mais de US$ 1 bilhão ao ano. Excluir o homem da agenda ambiental é socialmente injusto, agride a cidadania e também prejudica a economia. Passou da hora de incluirmos a saúde humana na agenda ambiental. A sociedade dos homens agradecerá.
*Paulo Saldiva é chefe do serviço de patologia do Inst. do Coração da Faculdade de Medicina da USP e coordena o Inst. Nacional de Análise Integrada de Risco Ambiental do CNPq. Paulo é um dos palestrante do TEDxSP, evento para disseminar as melhores ideias. A SUPER apoia o TEDxSP. Saiba mais em www.tedxsaopaulo.com.br
Ilustração: Daniella Domingues