Vocabulário repetitivo pode ser sinal precoce de Alzheimer
Divagar e formar frases desconexas também podem ser indício da doença. Agora, cientistas querem diagnosticá-la antes dos primeiros sintomas.
“Eu fui até a loja buscar as coisas, e quando cheguei lá, fiquei procurando a farinha, o açúcar e os ovos. Mas eles não tinham todos os ingredientes que eu precisava, então eu desisti. Decidi voltar para casa… Então, hum, voltei sem nada, até encontrar a fulana no elevador… Aquela lá que tem um gato, que sempre é muito simpática. Mas, bom… Não consegui, na verdade, fazer o bolo”.
A frase acima poderia ter saído diretamente da boca de um paciente com Alzheimer – anos antes dos primeiros sintomas cognitivos começarem a aparecer. Vocabulário repetitivo, histórias morosas e dificuldade de ir direto ao ponto seriam os principais reflexos precoces da doença na linguagem, de acordo com uma nova pesquisa realizada no Hospital Geral de Massachussets, nos EUA.
A pesquisadora Janet Cohen Sherman reuniu 46 pessoas saudáveis – 22 jovens e 24 idosos – e mais 22 pacientes com transtorno cognitivo leve (TCL), um quadro precursor do Alzheimer. Eles passaram por diversos testes para que os pesquisadores avaliassem as mudanças na linguagem – e entendessem quais são naturais da idade e quais são características dos primeiros estágios de demência.
Os experimentos pediam que os participantes formassem frases com três palavras chaves simples, como caneta, papel e tinta, ou água, panela e fogão. Os participantes mais jovens formavam frases simples e diretas: “Molhei a caneta na tinta e escrevi no papel” e “Fervi água na panela sobre o fogão”. Os voluntários mais velhos e saudáveis também tendiam a ser concisos. Já os idosos com TCL acabavam contando histórias compridas e vagas como a do primeiro parágrafo deste texto. Quanto mais se alongavam, mais se perdiam para formar a conexão entre os três objetos.
Casos famosos
Os resultados da pesquisa são os primeiros a testar científicamente a hipótese de que o Alzheimer se manifesta muito cedo na linguagem. Muitos relatos famosos apoiam essa hipótese.
A professora Sherman cita, no seu trabalho, o caso das escritoras Iris Murdoch e Agatha Christie. A primeira era famosa por usar palavras raras e obscuras em seus livros. Na sua última obra, Jackson’s Dilemma (O Dilema de Jackson, sem tradução em português), seu estilo característico foi se perdendo e a repetição de palavras, aumentando. A obra foi publicada um ano antes de a autora ser diagnosticada com Alzheimer. A diferença era tanta que um grupo de pesquisadores fez a análise das obras palavra a palavra, usando inteligência artificial, para mostrar o declínio cognitivo de Murdoch.
Com Agatha Christie, o diagnóstico nunca foi confirmado, mas a linguagem vaga e confusa que ela usa em seus últimos livros também levanta a suspeita de que, no fim da vida, a mestre dos mistérios sofreu com alguma forma de demência.
O declínio da linguagem não pega só escritores: outro grupo estudou também os discursos do presidente americano Ronald Reagan. Ao longo dos seus anos de presidência, ele deixou de usar palavras incomuns e suas falas foram se enchendo de expressões como “coisa” e termos de preenchimento: “então”, “na verdade”, “basicamente”, indícios de que ele precisava ganhar tempo para lembrar da palavra correta e, eventualmente, tinha que substituir palavras precisas por substitutos genéricos.
O que os pesquisadores querem fazer com essa informação, porém, é trazer mais esperança para os pacientes com Alzheimer. Ela pretende desenvolver uma metodologia de testes de linguagem capazes de detectar esses pequenos sinais em pessoas ainda saudáveis, para que a doença comece a ser tratada antes que as perdas de memória – e os prejuízos poéticos – fiquem muito graves.