Acordo internacional tenta proteger o pau-brasil sem prejudicar a música clássica
O pau-brasil, ameaçado de extinção, produz uma madeira essencial para a fabricação de alguns instrumentos
Quem nasceu primeiro: o Brasil ou o pau-brasil? A árvore que cedeu o nome para o país passa por um momento delicado: nos últimos 150 anos, a espécie perdeu 84% de sua população para a extração ilegal – hoje restam apenas 10 mil árvores, com baixa capacidade de regeneração ou em locais isolados.
Segundo o Ibama, a árvore é visada pela indústria da música, principalmente dos Estados Unidos e da Europa, para a produção de arcos de instrumentos musicais, como o de violinos. A madeira tem a densidade, elasticidade e resposta acústica desejadas pelos músicos. É flexível e ao mesmo tempo resistente. Leve e firme.
Por isso, em um raro ponto de convergência entre diplomacia ambiental e tradição musical, países reunidos na 20ª conferência da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES) decidiram criar um sistema global de rastreamento do pau-brasil para conter o risco de extinção sem paralisar a circulação de instrumentos clássicos feitos com sua madeira.
A decisão busca responder a uma tensão antiga: como proteger uma espécie ameaçada sem comprometer a qualidade sonora dos instrumentos de arco cuja excelência, segundo músicos e especialistas, ainda depende das propriedades físicas quase únicas da madeira do pau-brasil.
Nos bastidores da conferência, havia o temor de uma medida mais drástica. Caso o pau-brasil fosse elevado ao Anexo 1 da convenção – o grau máximo de restrição, que praticamente proíbe qualquer tipo de comércio – o impacto seria imediato: orquestras teriam sua circulação internacional comprometida, e até reparos simples em arcos poderiam se tornar inviáveis.
O compromisso final, no entanto, foi diplomático e técnico. A espécie foi mantida no Anexo 2, categoria menos restritiva, mas com novas exigências. Instrumentos, acessórios e peças prontas poderão circular apenas para fins não comerciais diretos, como concertos, competições, ensino, exposições e reparos – desde que não haja venda ou transferência de propriedade fora do país de residência do proprietário.
O novo acordo confia na rastreabilidade. Os países signatários deverão harmonizar sistemas capazes de distinguir madeira legal de madeira extraída de forma ilegal. Uma das apostas mais promissoras é a espectrometria de infravermelho próximo, tecnologia que permitiria identificar rapidamente a origem da madeira – se proveniente de plantios comerciais ou de árvores nativas exploradas ilegalmente.
Além disso, a previsão é que seja criado um padrão internacional para medir a produção de arcos a partir de determinada quantidade de madeira, além da obrigação de cada país levantar e registrar seus estoques de matéria-prima.
Não há, porém, um cronograma definido. O documento não estabelece prazos claros para a implementação do sistema global, tampouco resolve completamente o dilema dos estoques antigos de madeira extraída antes das regras internacionais entrarem em vigor.
Ao mesmo tempo, o acordo prevê incentivos ao plantio comercial do pau-brasil e à busca por materiais substitutos, que, até agora, não alcançaram as qualidades da madeira vermelha. A ironia é inevitável: enquanto a tecnologia avança em quase todas as frentes, o som ideal de um arco de violino ainda parece depender de uma árvore que levou séculos para crescer.
No discurso oficial, os ministérios brasileiros do Meio Ambiente, da Cultura e das Relações Exteriores classificaram a decisão como um “avanço relevante”. A sobrevivência do pau-brasil, assim como a continuidade de sua voz nas salas de concerto, dependerá não apenas de acordos, mas de execução, fiscalização e transparência.
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