Entenda de uma vez: o que é a “mão invisível do mercado”?
Citada de passagem na obra de Adam Smith, ela acabou se tornando símbolo das virtudes do livre-mercado. Entenda sua lógica e os elementos que podem afetá-la
Economista falando, ao menos hoje em dia, é sinônimo de jargão e chatice capaz de curar insônia em cinco minutos. No século 18, porém, a coisa era bem diferente, e um dos fundadores da ciência econômica escrevia de um jeito de dar inveja em Shakespeare. Veja só que beleza era o texto do nosso amigo Adam Smith (1723-1790):
“Os ricos consomem pouco mais do que os pobres e, apesar de seu egoísmo e de sua rapacidade naturais, embora desejem apenas sua própria conveniência, embora o único fim ao qual destinem as labutas de todos os milhares que empregam seja a gratificação de seus próprios desejos vãos e insaciáveis, eles dividem com os pobres o fruto de todos os seus melhoramentos. São levados por uma mão invisível a fazer quase a mesma distribuição do que é necessário à vida que teria sido feita se a terra tivesse sido dividida em porções iguais entre todos os seus habitantes, e assim, sem o pretender, sem o saber, promovem o interesse da sociedade.”
O que Smith quis dizer nesse trecho de A Teoria dos Sentimentos Morais é que os ricos não conseguem consumir toda a riqueza que possuem. Ao usá-la para seus próprios interesses – comprando bens e terras, empregando pessoas etc. –, parte considerável dessa riqueza é naturalmente distribuída pela tal mão invisível ao restante da população, e assim um certo equilíbrio da economia é atingido.
A expressão “mão invisível” reaparece mais duas vezes em outros escritos do pensador nascido na Escócia, sem ter um grande destaque em seu raciocínio, mas ela acabou se tornando uma imagem importantíssima para a defesa da liberdade de iniciativa econômica. Para colocar as coisas de um jeito moderno e que, na verdade, até lembra um pouco o que a gente sabe sobre a biologia, a economia seria uma espécie de sistema auto-organizado*.
Trocando em miúdos: se damos às pessoas a maior liberdade possível para produzir, comprar e vender, elas vão, naturalmente, buscar as condições mais vantajosas possíveis para si mesmas nesse processo. Digamos que você quer vender bolo de cenoura. (É, eu sei que é uma ideia ridícula, mas é a única que me veio à cabeça agora.) É claro que você vai querer gastar o menos possível com os ingredientes e vender pelo preço mais alto possível para o maior número de pessoas.
Só que, do outro lado, temos os consumidores. E, para que você não tenha que jogar fora o seu bolo de cenoura nem tenha de comer toda a produção sozinho, você vai ter de ajustar seus bolos às expectativas de quem quer comprar. E quem deseja comprar os bolinhos vai querer as fatias mais gostosas, mais bonitas e mais baratas possíveis.
Nesse cenário hipotético, e em inúmeros cenários reais, todo mundo está agindo, ao menos no começo, puramente em benefício próprio. É “egoísmo” – ou, para usar outros termos técnicos, “escolhas racionais autointeressadas”. Só que a tendência, em média e com o passar do tempo, é que se chegue a um meio-termo que é bastante bom para ambas as partes. Você ganha um dinheirinho, o comprador come um bolinho gostoso e todo mundo fica razoavelmente feliz, graças à ação mágica da mão invisível. Lindo.
Em grande medida, tudo isso funciona. Mas há inúmeras distorções possíveis nessa história. Um exemplo são as coisas que os economistas modernos chamam de externalidades*.
Os danos ambientais são um caso óbvio de externalidade. Quem usa um celular fabricado com minérios obtidos numa floresta tropical desmatada pode ficar mandando bobagem pelo WhatsApp na maior alegria, mas não pensa na falta d’água que aquele desmatamento vai causar no futuro para milhões de pessoas.
Outro é a formação de monopólios e oligopólios, que distorcem completamente a lógica do equilíbrio nas negociações por oferta e procura. É por isso que a mão invisível quebra um galhão, mas não é mágica. É preciso regulação – leis, basicamente – para que ela não cause mal.
*Auto-organização: É a capacidade apresentada por alguns sistemas físicos de criar naturalmente padrões coordenados nas ações de seus elementos.
*Externalidades: São efeitos colaterais das atividades econômicas que afetam outros, sem se reverterem num custo para quem está lucrando com aquilo.