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Testamento por SMS é válido mesmo?

Sim e não. Depende de como a legislação do seu país encara documentos não oficiais. Mas até mensagem de texto não enviada já foi validada pela justiça

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 20 ago 2018, 20h04 - Publicado em 20 ago 2018, 19h40

O testamento é a forma mais eficaz de garantir que a vontade do falecido sobre seus bens seja cumprida. No Brasil, assim como em outros países, há uma série de regras envolvidas na elaboração desse documento. A tal “vontade” do finado só é validada com uma série de etapas burocráticas, como autenticação em cartório, testemunhas, etc.

Mas em uma era digital e tecnológica como a nossa, tem muita gente ao redor se perguntando se toda essa burocracia realmente ajuda a cumprir os desejos da pessoa que morreu – ou se acaba atrapalhado.

Um caso recente na França, por exemplo, acabou reascendendo o debate. O rapaz em questão estava passando por um divórcio, com o casamento prestes a terminar. Ele fez  planos para se suicidar – planos que incluíram uma breve mensagem a sua irmã, dizendo que queria deixar metade de seus bens para sua mãe –  e afirmando categoricamente que não queria que eles fossem deixados para a sua (quase ex) esposa. Pouco tempo depois, ele levou o planejamento a cabo.

Já imaginou a confusão, certo? O advogado responsável pelo testamento final afirmou que o SMS não tinha nenhum valor legal. A mãe não concordou com a decisão, e levou a “prova” ao tribunal, argumentando que um dos últimos desejos de seu filho deveria ser considerado.

Nesse caso, a corte francesa concordou com o advogado. Eles citam o seguinte motivo: de acordo com as leis do país, “um testamento só pode ser válido se for escrito à mão, datado e assinado, minimizando os riscos de falsificação e erros”.

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Tudo bem, é um processo bastante racional. Só que tem um ponto importante: todas as exigências para validar um testamento (que variam, é claro, de país em país), foram criadas com o mesmo objetivo: proteger e proporcionar segurança ao dono do testamento. Toda burocracia tenta garantir que o testamento seja um registro verdadeiro, único e intransferível dos desejos de alguém. O que não foi exatamente o caso do francês, certo?

A Inglaterra é outra que tem regras rígidas. A lei exige que o testamento seja feito na presença de duas testemunhas. Se o documento for elaborado na presença de apenas uma testemunha, não é considerado pela corte britânica – mesmo tendo todas as provas possíveis de que ele é válido. Mas, como no exemplo francês, nem sempre é possível cumprir todas as burocracias legais. E a sorte é que nem todos os países seguem o rigor inglês.

Países como Canadá e Austrália (a até alguns estados dos EUA) têm os chamados “poderes de dispensa”. Em suma: isso dá liberdade para que os tribunais e juízes decidam se um documento informal ou outro registro podem ou não serem considerados testamentos. Tudo, claro, visando que todos os desejos do falecido sejam atendidos.

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Um exemplo curioso disso aconteceu no ano passado, na Austrália, quando uma mensagem NÃO enviada foi validada como testamento. Mas há vários poréns importantes.

O falecido deixou a mensagem salva nos rascunhos, com o título “Meu Testamento”, pouco antes de tirar a própria vida. No mesmo SMS, o jovem dizia desejar que suas cinzas fossem enterradas no quintal de casa. Além, é claro, do principal: todos os seus bens deveriam ir para seu irmão e sobrinho.

Logicamente, a esposa não aceitou. E ela foi ao tribunal alegando que aquela mensagem não tinha a validade legal de um testamento. Mas a juíza do caso defendeu seu veredito: ela afirmou que, da forma como ela estava escrita, a mensagem comprovava lucidez por parte da vítima. A juíza também levou em conta evidências da fragilidade do relacionamento do homem com a esposa, o que validava a decisão de deixar os bens para os parentes.

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E no Brasil, pode?

Um caso como o da Austrália só foi possível porque a juíza possuía os tais “poderes de dispensa”. Isso não é muito discutido no Brasil. Mas e aí: uma mensagem de texto seria válida aqui?

De acordo com o professor de Direito Civil da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Adaumirton Dias Lourenço, a resposta é não.

“A lei estabelece requisitos específicos para cada testamento [público, cerrado, particular], descrevendo como deve ser realizado, a quantidade de testemunhas, de assinaturas, etc. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem admitido a flexibilização desses requisitos quando, através dos elementos contidos no testamento, é possível verificar a expressão da vontade livre e consciente do testador. De todo modo, acredito que dificilmente se aceitaria um testamento redigido através de mensagem de texto.”

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Mas mais importante do que dizer se um testamento informal vale ou não no Brasil, é dizer que aqui as pessoas não costumam usar esse documento. Testamentos não são populares – talvez pela burocracia, talvez por questões culturais.

Mas para Lourenço, é possível que esse cenário mude, facilitando o processo de deixar os “últimos desejos” claros. “Por força das inovações tecnológicas, teremos mais instrumentos (que não o papel fisicamente assinado) para permitir a verificação segura da vontade do testador. A preço de hoje, não creio que uma mensagem de texto se enquadre nisso. Talvez de vídeo, ou de áudio. Mas ainda não se tem nada solidamente construído a esse respeito no país”, concluiu o professor.

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