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Um novo colonialismo?

Como os investimentos chineses estão mudando a vida e a geopolítica da África no século 21.

Por Maurício Brum
Atualizado em 8 jul 2019, 16h36 - Publicado em 5 jul 2019, 16h35

Em 11 de setembro de 2018, após duas décadas de conflitos, Eritreia e Etiópia finalmente reabriram a fronteira que as divide. Foi um dia de alívio: uma guerra entre os dois países estourou em 1998 e, desde então, nenhum acordo havia sido firmado a respeito das disputas territoriais que motivaram o combate. “É maravilhoso. Eu vim aqui para encontrar parentes que eu não via há 20 anos”, celebrava um etíope ouvido pela BBC na cidade fronteiriça de Zalambessa. Como ele, milhares de pessoas se uniram para celebrar a paz nos locais próximos à divisa. A festa generalizada em dois dos países mais pobres do mundo ecoou também em um dos mais ricos: poucos tinham tanto em jogo quanto a China, que vem investindo pesado na África desde a virada do século e só perderia com a continuidade da guerra.

Muitos analistas sugeriram que o sofrido processo de paz só conseguiu chegar a uma resolução – que até alguns anos atrás parecia improvável – graças à influência chinesa. A Etiópia é particularmente importante nesse cenário. Desde o ano 2000, o país esteve entre os africanos que mais receberam empréstimos da China no continente, mais que um décimo do total. Cerca de US$ 12 bilhões repassados pelo governo de Xi Jinping ajudaram a financiar a construção e a reforma de grandes projetos que melhoraram as condições de vida na região e geraram milhares de empregos – estradas, ferrovias, barragens e fábricas. Com tanto investimento, a Etiópia ganhou o apelido de “China da África” – não só pela presença cada vez maior de empresários orientais no país, mas também pelo seu rápido crescimento econômico. Na última década, o PIB etíope aumentou uma média de 10% ao ano, e a previsão é que continue sendo o que mais rapidamente cresce no mundo.

O interesse chinês no continente não é novidade. Ainda nos anos 1960, Mao Tsé-Tung manteve ótimas relações com alguns dos mais proeminentes líderes africanos que lutavam contra a dominação colonial. Em plena Guerra Fria, essa aproximação era também uma maneira de garantir que as novas nações independentes não saíssem da esfera de influência do bloco socialista. O principal projeto dessa época foi a ferrovia Tazara, inaugurada em 1976, que, ao longo de quase 2 mil quilômetros, ligava as minas de cobre no interior da Zâmbia ao porto de Dar Es Salaam, na Tanzânia – foi a primeira grande obra pan-africana dedicada ao transporte terrestre.

Quatro décadas depois, a linha hoje está decrépita e só passam nela dois trens por semana, mas a própria China promete ajudar a reformá-la, colocando até um trem-bala em cima – o tempo total de viagem, que hoje leva dois dias em condições normais, poderia cair para apenas dez horas. Os chineses também falam em conectar a rede existente aos vizinhos Uganda, Ruanda e Burundi, países sem litoral que ganhariam acesso fácil aos portos do leste africano.

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Pequim está de olho nos recursos do continente e em expandir mercados para seus produtos. O valor total do comércio entre a China e a África cresceu exponencialmente, saltando de US$ 10 bilhões em 2000 para US$ 220 bilhões em 2014. Ainda mais importante do que isso, porém, é a mudança na maneira como essa relação econômica se dá. Na época em que Mao fez seus primeiros contatos com os revolucionários da África, a China era um país muito mais pobre e fechado ao mercado do que é hoje – o dinheiro, além de ser mais curto, chegava aos africanos por meio de doações e verbas de ajuda humanitária. Hoje, os valores são empréstimos, que devem ser devolvidos em algum momento.

Para onde vai o dinheiro

Onde estão as maiores apostas dos chineses no continente africano.

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(Estúdio Nono/Superinteressante)

É esse novo cenário que torna a China tão mais influente na região. Cada vez mais endividados, alguns governos de nações menores têm se tornado extremamente dependentes da boa vontade de Xi Jinping. Em Djiboti, um país de menos de 1 milhão de habitantes encravado entre Somália, Eritreia e Etiópia, a dívida externa saltou de 50% para 85% do PIB nos últimos dois anos, graças aos empréstimos chineses. A situação se repete pelo continente – a China já financiou mais de 3 mil projetos de infraestrutura na África desde a virada do século. Com seu sistema de partido único e pesada censura e perseguição a quem questiona o governo, a China também conta com uma “vantagem” em relação às democracias ocidentais: não precisa se preocupar com eventuais crises de relações públicas por ajudar governos que, com frequência, são também ditaduras. Assim, Xi Jinping pode passar por cima de críticas como aquelas que o governo brasileiro sofreu, por exemplo, ao emprestar dinheiro a países africanos por meio do BNDES.

Quando ainda era secretária de Estado no governo de Barack Obama, Hillary Clinton definiu o domínio da China na região como um “novo colonialismo”. Ela alertava que o boom econômico dos últimos anos poderia, no longo prazo, beneficiar apenas as elites africanas e criar Estados-fantoches. Apesar disso, na prática os investimentos chineses são mais diversificados que os dos norte-americanos. Dois terços das verbas vindas dos EUA ajudam a financiar projetos de mineração no continente, que são mais lucrativos, mas têm pouco efeito direto na vida da maioria da população – no caso da China, a proporção desse setor é menos de um terço e há foco maior na infraestrutura utilizada diariamente pelas pessoas.

O próximo passo de Jinping já está definido: nos próximos dez anos, a China pretende investir US$ 10 bi para construir um megaporto internacional em Bagamoyo, cidadezinha de pescadores na costa da Tanzânia. A ideia é repetir, na África, o que aconteceu com a cidade chinesa de Shenzhen que, após virar um hub portuário, tornou-se um polo tecnológico com mais de 20 milhões de pessoas. Se o projeto sair do papel, Bagamoyo será o maior porto africano, facilitando o comércio com a Ásia – e tornando os laços com a China ainda mais sólidos. No xadrez político do século 21, é Pequim quem desponta na hora de fazer aliados na África.

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