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A volta do filme 3-D

A tecnologia que proporciona a exibição de imagens em telas do tamanho de um prédio apresenta sua mais recente superprodução: o renascimento dos filmes em três dimensões.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 30 jun 1990, 22h00

Luiz Guilherme Duarte

Entrar para o mundo do cinema pode ser mais fácil do que se pensa. Não é preciso talento, beleza nem ao menos um bom empresário. Basta pôr o pé em certas salas de exibição muito especiais, com enormes telas envolventes, para ter uma sensação bem parecida à de um ator no cenário da filmagem. “Eu me senti como se estivesse dentro do filme”, costuma dizer invariavelmente quem já passou por essa experiência, encantado com a qualidade da imagem, que toma todo o campo de visão do espectador a ponto de fazê-lo esquecer onde realmente está. Raras pessoas, entretanto, têm a oportunidade de conhecer a alta tecnologia por trás desse sonho de aspecto tão real. Essa, com efeito, não é uma sessão comum de cinema. Trata-se de uma produção Imax (marca derivada de maximun image ou máximo de imagem, em inglês), um extravagante sistema desenvolvido há duas décadas para a projeção de filmes em telas que podem alcançar o tamanho de um prédio de seis andares.

A explicação para aquele efeito especial ao vivo é, no entanto, simples. Ao se observar o que se passa na tela de uma televisão ou de cinema convencional, a imagem ocupa apenas a parte central da retina; o resto do que se vê ao redor não permite que o espectador perca a noção de onde se encontra. Mas, nesse sistema, em que toda a retina é ocupada pela tela, o impacto psicológico é incomparavelmente mais forte. Todos os anos, mais de 20 milhões de pessoas em quinze países, o Brasil ainda não incluído entre eles, “entram” desse modo para algum filme, tendo a impressão de realmente terem sido transportados para lugares ou situações inacessíveis na vida real: as profundezas do Grand Canyon, nos Estados Unidos, o interior de um átomo ou o espaço sem fim.

A isso tudo a Imax acaba de acrescentar uma novidade ainda mais apaixonante — o sistema Solido, que projeta imagens tridimensionais em uma tela côncava de 24 metros de diâmetro, o suficiente para ocupar todo o campo de visão da platéia e manter o efeito espetacular mesmo quando as formas na tela se aproximam do espectador. A estréia do Solido deu-se em abril último, na Expo 90, uma feira internacional em Osaca, Japão, com o filme Echoes of the Sun (Ecos do Sol), uma co-produção da Imax-Fujitsu, com muitas imagens criadas por computador. Seis anos atrás, no decorrer das três missões do ônibus espacial americano Columbia, os astronautas recorreram à técnica desenvolvida pela empresa canadense para registrar imagens do lançamento do satélite de pesquisas LDEF (sigla em inglês de Equipamento de Exposição de Longa Duração).

O resultado foi o primeiro filme do gênero Imax, The dream is alive (O sonho está vivo), visto desde então por mais de 23 milhões de pessoas com narração em dez línguas. Em janeiro passado, os astronautas a bordo da mesma nave Columbia voltaram a empunhar as câmeras, desta vez para documentar o resgate do LDEF e filmar de perto o globo para uma nova película, Blue planet (Planeta azul), sobre a fragilidade da Terra. Em lugar de competir com Hollywood e com as grandes empresas exibidoras, as 65 produções Imax feitas até agora — com duração de 40 minutos em geral — abastecem uma coleção de 72 cinemas especialmente construídos em centros culturais, museus. parques e feiras de exposições. A maioria das salas se localiza nos Estados Unidos, Canadá e Japão. A primeira foi aberta em 1971 na cidade canadense de Ontário.

Os maiores cinemas, com até 1000 lugares, como o de Gurnee, Illinois, inaugurado em 1979, têm uma tela plana vertical dez vezes maior que o tamanho usual de 10,5 metros por 4,5. Mas também existem outros menores, com capacidade para receber até 500 pessoas, que possuem uma tela côncava de aproximadamente 25 metros de diâmetro. É o caso do cinema instalado no célebre hotel Caesar7rsquo;s Palace, em Las Vegas. Essas últimas salas empregam a tecnologia Omnimax, uma variação surgida dois anos depois da Imax. Instalada até hoje numa pequena casa de estilo vitoriano em Toronto, no Canadá, a Imax Systems, uma indústria cinematográfica comparável às americanas, nasceu das experiências de três jovens cineastas nos telões da Feira de Exposições de Montreal em 1967.

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Aclamados pelo público e pela crítica, Graeme Ferguson, Roman Kroitor e Robert Kerr se convenceram de que as telas grandes poderiam gerar um novo conceito de cinema e se impuseram o desafio de criar a base tecnológica para tanto. Como os sistemas de projeção utilizados nos telões da época ainda eram de baixa qualidade, a trinca se pôs a desenvolver um novo aparato, usando um único e potente projetor em vez dos múltiplos aparelhos que vinham sendo empregados. O primeiro passo foi comprar a patente do recém-criado sistema de projeção australiano Rolling Loop, que faz o filme rodar sem trancos, no sentido horizontal (o movimento das imagens resulta de uma seqüência de fofos estáticas que rodam uma ao lado da outra). O processo clássico é vertical (um quadro sobre o outro).

Durante a projeção, esse movimento permite que cada imagem se encaixe em pontos fixos, evitando distorções. Além disso, o filme fica firmemente preso a vácuo contra a parte de trás das lentes, de modo a ser exibido com a perfeição de uma foto normal num projetor de slides. O Loop foi incorporado, então, a um projetor totalmente novo, que dispõe de lentes especiais de larga amplitude de imagem e de um controle de emissão de luz capaz de transmitir um terço a mais de brilho que os sistemas tradicionais. Também as câmeras precisaram ser totalmente redesenhadas para utilizar os maiores fotogramas da história do cinema. Os filmes de 70 milímetros de largura por quase 50 de altura são dez vezes maiores que os formatos convencionais de 35 milímetros e o triplo dos 70 milímetros utilizados em telas de 180 graus, como o existente no Playcenter, em São Paulo.

Para se ter uma idéia do que representa essa diferença de tamanho no projetor, o filme da Imax tem fotogramas com quinze perfurações laterais para fixação nos aparelhos, enquanto o filme comum da mesma bitola tem só cinco. Aí vale a regra segundo a qual quanto maior o quadro do filme, melhor a qualidade da imagem — mas também maior precisa ser a tela. Juntos, o quadro grande da película e o complexo projetor respondem pela qualidade superior dessa técnica, apresentada pela primeira vez na Expo 70, a mesma feira em Osaca onde estreou recentemente o Solido em 3-D. A reação entusiástica da platéia deveu-se também a outra surpresa preparada pelos inovadores canadenses. A maioria dos espectadores saiu do salão de exibições dizendo-se impressionada não pela imagem — mas pelo som.

De fato, essa refinada tecnologia de cinema partiu do princípio de que não bastaria ver para crer e sentir-se parte do filme. Seria preciso ver e ouvir. Com suas câmeras especiais na mão e essa idéia na cabeça, os pesquisadores da lmax desenvolveram um sistema de som estereofônico com seis canais, o suficiente para distribuir os acordes de modo que cada nota venha de alto-falantes diferentes. Não é de admirar que em 1986 os criadores da Imax tenham recebido o prêmio de Inovação Tecnológica da Academia de Artes e Ciências de Hollywood, aquela mesma que promove a distribuição anual de Oscars. Na verdade, esse é um feito singular na longa história do cinema de telão. Em 1927, o pioneiro diretor francês Abel Gance (1889-1981) usou imagens múltiplas em uma tela três vezes mais larga que a habitual para exibir, com relativa repercussão, seu épico mudo Napoléon.

Nos anos 50, a técnica do Cinerama lotou em muitos países amplos cinemas como o Comodoro, que existe até hoje em São Paulo, arrebatando os espectadores em vertiginosos passeios aéreos entre montanhas. O problema é que o arranjo concebido pelo americano Fred Waller (1886-1954), diretor de efeitos especiais dos Estúdios Paramount, envolvia três projetores que nunca sincronizavam suas imagens com absoluta perfeição. Outro processo mais recente, Showscan, consegue gerar imagens altamente definidas, rodando o filme ao ritmo de sessenta quadros por segundo, em vez dos 24 de praxe. Criado por Douglas Trumbull, outro talentoso inventor de efeitos especiais, o Showscan usa filmes de 70 milímetros e quatro vezes mais luminosidade em telas também quatro vezes maiores.

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A dificuldade nesse caso não é técnica, mas financeira: os filmes acabam custando até 3 milhões de dólares a mais — o que é muito dinheiro mesmo para as contas grandiloqüentes da indústria cinematográfica —, sem falar que a fatura da adaptação necessária em cada sala de exibição somaria outros 300 mil dólares. Em suma, ainda quando tais tecnologias funcionavam, geralmente se mostravam pouco versáteis ou muito caras. Afinal, quem iria assinar gordos cheques para produzir um filme que não tem cinemas adequados para ser assistido? E, na outra ponta do negócio, quem iria abrir a carteira para reformar uma sala de exibição sem a garantia da oferta regular de filmes especiais para serem projetados ali?

Esse dilema que cortou o avanço de novas técnicas de cinema, foi superado pela Imax Systems, a qual cuidou de tomar a si igualmente cada fase da produção e da comercialização de seus filmes. Para garantir a sobrevivência da tecnologia que criou, a empresa foi obrigada a expandir-se em todas as direções e atuar em vários campos: equipamentos, salas de exibição, distribuição, consultoria técnica para produção de filmes. Os catorze astronautas que filmaram The dream is alive, por exemplo, receberam treinamento de quase um ano para operar alguns dos mais de cem equipamentos que a empresa coloca à disposição dos produtores de filmes. “Estamos vivendo uma fase equivalente àquela de 1910, quando a indústria do cinema estava apenas começando e tudo precisava ser feito”, entusiasma-se Graeme Ferguson.

Com esse estado de espírito, a Imax desembarcou em Osaca há três meses com uma bagagem que incluía três experiências com sistemas desenvolvidos na última década. O primeiro deles, apropriadamente chamado O Tapete Mágico, usa a mesma tecnologia original numa sala de exibição totalmente diferente, com duas telas gigantes — uma de 18 metros de altura por 25 de largura em frente à platéia e outra, sob seus pés, pouco mais larga, visível através de um piso transparente. Durante as filmagens, um mecanismo sincroniza duas câmeras, uma na horizontal, outra inclinada para baixo, de modo a gerar dois filmes, projetados em cada tela.

O segundo sistema revive os filmes com imagens em três dimensões (3-D). Tais filmes, que requerem o uso de óculos especiais pelos espectadores e foram testados originalmente pelos Estúdios Metro por volta de 1935, jamais conseguiram ser realmente convincentes. Mas, desde sua avant_première na Feira de Exposições de Vancouver (Canadá) em 1986, o sistema proposto pela Imax tem feito muitas pessoas tentarem agarrar as imagens. O principio é o mesmo utilizado desde os anos 30, isto é, duas imagens do mesmo objeto projetadas simultaneamente, vistas através de lentes com filtros especiais que simulam a profundidade. Neste caso, a melhoria da técnica pode ser sentida na diferença de qualidade das imagens, perfeitamente alinhadas e em foco.

Mas a novidade das novidades foi o sistema Solido, com sua imagem tridimensional e seu telão de 24 metros. O filme de demonstração — 17 minutos de imaginosa computação gráfica sobre a química da fotossíntese — pode ser visto com a ajuda de óculos especiais bem diferentes dos cartões coloridos usados na primeira e frustrada geração de filmes 3-D. Feitas de cristal líquido, material utilizado em relógios digitais e calculadoras, as lentes tornam-se instantaneamente opacas ao receber uma leve corrente elétrica, regulando assim a entrada de luz da mesma maneira como os obturadores das máquinas fotográficas. Controladas por um sinal infravermelho procedente do sistema de projeção, as lentes abrem-se e fecham 24 vezes por segundo, em sincronia com um par de projetores, apresentando, para cada cena, primeiro a imagem vista pelo olho esquerdo, depois, pelo olho direito. Naturalmente, essa alternância não chega a ser percebida pelo espectador.

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“A experiência é tão impressionante que o próprio cinema parece mover-se e voar”, declama o cineasta canadense Ben Shedd, que, além de produzir filmes para a Imax, está escrevendo um livro com o provável título Exploding the frame (Explodindo o quadro), em que analisa a estética do telão. A uma conclusão ele já chegou: a TV de alta definição tornará essas tecnologias imprescindíveis no futuro. Afinal, as pessoas não irão sair de casa para ver algo menos excitante do que já puderem ver em sua própria sala de visita.

 

 

 

Para saber mais:

O impossível sob medida

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(SUPER número 7, ano 4)

 

 

 

 

As dimensões do Solido

O que é e como funciona o novo 3-D

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Quando se olha para algo, cada olho vê uma imagem plana de ângulos ligeiramente diferentes entre si. O cérebro combina tudo numa única imagem tridimensional. O sistema Solido usa dois projetores. Os espectadores recebem óculos com lentes de cristal líquido para criar o efeito de três dimensões.

 

1. A lente do olho direito é escurecida enquanto um projetor apresenta a imagem dirigida ao olho esquerdo.

 

2. A seguir, com o olho esquerdo tapado, inverte-se o processo. Como tudo acontece rapidamente, o cérebro une as duas imagens, dai resultando o efeito 3-D.

 

3. 0 cinema de tela côncava aumenta a ilusão ao impedir que o espectador veja onde termina a imagem.

 

 

 

 

A alternativa do iglu

O Brasil pode ser um país tropical, mas muitos brasileiros já entraram alguma vez numa espécie de iglu, a habitação típica dos esquimós — sem ir muito longe. Mantido inflado por um sistema de ventilação constante, o iglu de lona que serve como sala de exibição itinerante para os filmes de ação em telas de 180 graus é uma forma conhecida em diversas cidades desde o final da década de 70. Criada pela empresa americana Omnivision ainda na década anterior, essa tecnologia é, na verdade, bem mais simples que a da Imax. Metade da parede do próprio iglu — uma porção de esfera de 16 metros de diâmetro por 9 de altura — é revestida de branco e constitui a tela para as imagens de um projetor colocado na parede oposta. “Trata-se de um projetor de cinema comum, com filme de 70 milímetros e uma lente importada que gera a curvatura da imagem”, descreve o engenheiro mecânico Laerte de Souza, responsável há dez anos pelos equipamentos do parque de diversões Playcenter, em São Paulo.

No cinema permanente montado ali em 1978, mais de 60 milhões de pessoas já assistiram a uma dezena de filmes recheados de imagens apropriadas como corridas de carros, vôos sobre precipícios e passeios de montanha-russa. A maior diferença em relação aos sistemas comuns está na lâmpada utilizada, feita de quartzo e de tungstênio, que gera 7 500 watts de luz, em vez dos 4 mil usuais. Além disso, os filmes são rodados em velocidade mais lenta que o normal para que pareçam acelerados durante a projeção. “A idéia é tornar todo o cinema uma lente em que o público se coloca em pé no ponto focal durante uns 12 minutos e experimenta a sensação de desequilíbrio provocada pelas imagens na retina”, define o engenheiro Laerte, que morre de rir ao lembrar das pessoas que terminam a sessão estateladas no chão.

 

 

 

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