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Cometas e asteróides: Vizinhos problema

Mudar a rota de um asteróide que pode mover-se a 120 000 quilômetros por hora e pesar 250 mil trilhões de toneladas é o atual desafio dos cientistas que estudam os NEOs, corpos celestes cuja órbita cruza a da Terra.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 28 fev 1993, 22h00

Flávio Dieguez

Se alguém está pensando em entrar para um setor milionário de negócios em futuro próximo, talvez devesse começar olhando para o céu, em busca de estrelas cadentes. A idéia é produzir equipamentos para desviar corpos celestes — cometas gelados ou asteróides rochosos — de uma possível rota de colisão com a Terra. Parece brincadeira, mas o fato é que desde 1991 existe uma comissão criada por exigência do próprio Congresso americano, com o objetivo de avaliar os riscos reais escondidos no espaço. Como resultado, mobilizou-se um grande número de cientistas para, entre outras coisas, estudar a tecnologia adequada ao serviço.

Ou seja, o meio interplanetário já não é um lugar remoto, que interesse apenas a sonhadores e cientistas. Em vez disso, torna-se cada vez mais um ambiente de trabalho — a fronteira imediata da civilização, mais ou menos como foi a América para os europeus no século XVI. Mesmo para quem não acredita nisso, vale a pena acompanhar o andamento da investigação pioneira sobre a suposta ameaça de asteróides e cometas errantes, pelo menos por causa da polêmica idéia de empregar armas nucleares como escudos espaciais de proteção ao planeta. Não é certo que esta será a tecnologia vencedora, embora pareça a mais eficiente, em princípio. É o que mostra uma curiosa e esclarecedora análise recém-divulgada pelos americanos Thomas Ahrens e Alan Harris.

Ambos pertencem ao prestigiado Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena, distrito da cidade de Los Angeles (dentro do Instituto, Harris trabalha no Laboratório de Jatopropulsão, associado à NASA). Seu trabalho revela quanta ingenuidade existe em pensar que a tecnologia se resumiria a um vulgar tiroteio atômico. Não seria fácil reduzir a pó uma montanha cósmica que pode ter 1 quilômetro de diâmetro e pesar 250 mil trilhões de toneladas. E estilhaçá-la apenas pioraria as coisas, pois seus fragmentos maiores se transformariam em ameaças múltiplas. Em suma, se a Terra depender de explosões a esmo, está perdida.

Em contrapartida, embora muito mais numerosos e comuns, asteróides e cometas menores se desviariam com muito menos que bombas. Basta uma tacada bem dada, afirmam os cientistas americanos. Para isso se usaria uma espécie de aríete tele-guiado: um pequeno foguete levando um peso da ordem de mirrados 200 quilos. Poderia ser o Projétil Exoatmosférico Leve, que a empresa aérea Boeing Company construiu, originalmente, para integrar o plano de defesa nuclear dos Estados Unidos. Imagine-se que esse foguete atinja um bólido de 100 metros de diâmetro e 1 milhão de toneladas de massa, com velocidade de 45 000 quilômetros por hora (não é muito: só para fugir à gravidade da Terra uma nave deve se mover a pelo menos 42 000 quilômetros por hora, do contrário volta a cair).

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Apesar de relativamente lento e leve, o aríete celeste faria o bólido oscilar em sua rota e, após um certo tempo, estaria viajando a milhares de quilômetros distante do trajeto original. Ahrens e Harris propõem que desde já se inicie um financiamento da ordem de 100 milhões de dólares ao ano em busca da melhor maneira de mudar a rota dos chamados objetos Terra-próximos, ou NEOs, em sigla inglesa. Embora não sejam estrelas cadentes ao pé da letra, tais objetos diferenciam-se dos outros corpos celestes justamente porque podem cair sobre o planeta. Ou melhor: eles efetivamente estão caindo, tanto sobre a Terra como sobre a Lua, há muitos milhões de anos, pois o consenso atual é que eles são responsáveis pelas 120 crateras terrestres e praticamente todas as lunares.

A cifra de 100 milhões de dólares não é arbitrária. Ela vem da probabilidade de alguém morrer devido à queda de um NEO, que hoje se estima em cerca de 5 décimos milionésimos. É a mesma probabilidade de alguém morrer devido à queda de um avião comum. Então, como se gastam entre 10 e 100 milhões de dólares anualmente com a segurança aérea, os cientistas acham razoável destinar quantia equivalente à segurança espacial. A prioridade número zero diz respeito à ciência básica: obter mais dados sobre toda a população dos NEOs e suas órbitas. O primeiro NEO foi identificado em 1932, quando os cientistas captaram a imagem de um pequeno ponto esmaecido deslocando-se entre os astros, e deram-lhe o nome 1862 Apollo.

Atualmente, estima-se que haja no espaço próximo um enxame de 2 000 NEOs com diâmetro superior a 1 quilômetro, alguns dos quais até 10 vezes maiores que isso. Tal cifra é uma projeção teórica: não significa que todos os corpos celestes existentes foram observados e catalogados. E, embora já não devam existir NEOs desconhecidos na faixa dos 5 quilômetros ou mais, é muito provável que ainda se descubram alguns na faixa de 3 a 5 quilômetros. Tais monstros é que precisariam ser “dirigidos” por meio de explosivos nucleares. O sistema de direção ima-ginado pelos dois cientistas é curioso, pois funciona de maneira análoga à dos motores a jato comuns. Estes expelem gás à sua retaguarda e é por isso que se movem para a frente, jun-to com o avião.

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O avião é muito mais pesado que os gases, mas é preciso ter em mente que, após a queima do combustível, os gases deixam o motor de forma explosiva, ou seja, em altíssima velocidade. Assim se faz a compensação: o avião é pesado, mas relativamente lento, os gases são leves mas velozes. No caso do asteróide, esse sistema é recriado de forma engenhosa. Primeiro, é preciso detonar uma bomba nuclear a uma distância bem definida — de mais ou menos 200 metros, se o bólido tiver 500 metros de raio. Apenas em tais condições, o calor e os gases resultantes da explosão teriam o efeito desejado: desagregar até um terço da superfície do asteróide e arrancar uma pequena camada de fragmentos (com espessura total de uns 20 centímetros).

Mas então os próprios fragmentos do asteróide se encar-re-ga-riam de desviá-lo — exatamente como os gases dos jatos empurram os aviões para a frente. É como se os fragmentos levassem consigo par-te da velocidade que o asteróide tinha na rota original e, para se adequar à nova situação, ele muda ligeiramente de rumo. Essa regra universal é o segundo dos três princípios fundamentais da Física criada pelo inglês Isaac Newton. É claro que não basta arrancar os fragmentos: se eles voltarem a cair sobre o asteróide, a lei de Newton não se aplica. Daí por que é preciso levar em conta a gravidade do asteróide e a força de agregação de suas rochas: esses fatores afetam a velocidade que a bomba é capaz de imprimir aos fragmentos.

Até onde se sabe por meio dos dados disponíveis, as armas nucleares são o recurso mais eficiente de desviar os bólidos maiores que 1 quilômetro. Pelo menos é o que mostram os cálculos de Ahrens e Harris. Para ter certeza disso, eles estudaram outras possibilidades. Por exemplo, a de se empregar um defletor de massa — que é qualquer máquina capaz de escavar um asteróide e ejetar o material para o espaço. Algo como uma mistura de escavadeira com canhão. Como no caso das bombas, a velocidade das rochas ejetadas altera a velocidade do asteróide. A diferença é que, por ter potência menor, o defletor teria que trabalhar ao longo de várias décadas para obter o mesmo efeito da detonação.

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Outra desvantagem é que seria dificílimo montá-lo e operá-lo à superfície do asteróide, onde a gravidade é baixíssima. A situação é parecida com a das naves espaciais onde a ausên-cia de peso transforma as mais simples tarefas em exercícios complicados. Em todo caso, ainda é cedo para se tomarem decisões tão específicas. Os próprios autores do estudo advertem que seria prematuro passar à fase de projetos ou protótipos. “A tecnologia nesse campo deve mudar rapidamente, nas próximas décadas.” Além disso, o debate não se restringe ao campo acadêmico — e os argumentos políticos podem acabar sendo mais importantes que os científicos.

Há quem diga que os NEOs menores, muito mais comuns, são os mais ameaçadores, mas há uma pressão espúria em favor da tese de que o perigo vem dos grandes bólidos. O motivo, simples, é que estes últimos teriam que ser des-viados por armas nucleares, cuja venda renderia mais lucros para a indústria militar. Talvez. Não seria a primeira vez que se distorcem fatos científicos e ninguém deve se surpreender, caso aconteça novamente. Nem por isso, no entanto, investigações sérias e esclarecedoras dei-xarão de ser bem-vindas. Com ou sem ameaças potenciais ao planeta. Esta tem sido a lição simples e duradoura que guia os passos da humanidade em direção ao futuro.

Para saber mais:

Alerta contra o cometa errante

(SUPER número 1, ano 7)

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