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Depois do Hubble

Três poderosos instrumentos estão na lista de espera para entrar em órbita e fazer companhia ao Telescópio Espacial Hubble. Através deles, será possível espiar na intimidade distantes corpos celestes e, quem sabe, esclarecer antigas dúvidas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 30 jun 1998, 22h00

Martha San Juan França

Apesar de ter funcionado só de janeiro a novembro de 1983, o IRAS (sigla em inglês para Satélite Astronômico Infravermelho) pode ser considerado um dos mais fecundos instrumentos criados pelo homem para a pesquisa do Universo. Capaz de localizar uma lâmpada de 20 watts em Plutão, o planeta mais afastado do sistema solar, ele ajudou a descobrir galáxias explosivas, estrelas recém-nascidas, gigantes vermelhas, pequenos asteróides e possíveis formações planetárias fora da órbita do Sol. Um volumoso catálogo, contendo a localização de meio milhão de fontes infravermelhas, é um dos muitos resultados de sua extraordinária atividade. Representa para os astrônomos, familiarizados com as coordenadas de ascensão e declinação (as medidas de localização dos astros), o mesmo que um guia nas mãos de um turista recém-chegado a uma metrópole desconhecida.

Só que esse instrumento utilíssimo não contém informações suficientes para se conhecer a geografia ou a história do Cosmo. Na verdade, nenhum instrumento, fincado na terra ou em órbita no céu, tem condições para tanto. Mas, juntando os pedacinhos obtidos em diferentes comprimentos de ondas de energia eletromagnética, os astrônomos pretendem ampliar ao máximo os limites do seu conhecimento. Até meados do século, eles apenas podiam usar telescópios na luz visível; mesmo assim, descobriram que a Via Láctea está longe de ser a única galáxia do Universo. Hoje, com o desenvolvimento da tecnologia espacial, que possibilita o uso de freqüências mais altas, como os raios gama, raios X e ultravioleta, e de mais baixas, como o infravermelho e o rádio, os limites do Cosmo conhecido foram estendidos quase até o Big Bang, a presumível explosão colossal, há 15 bilhões de anos, que teria dado origem a toda a matéria.

Pensando nisso, a NASA está preparando o terreno para, no próximo século, perscrutar o céu em todas as direções e de todas as maneiras. Para isso, deve lançar ao espaço nos próximos dez anos três grandes observatórios, que se juntarão ao comentadíssimo Telescópio Espacial Hubble, em órbita a 550 mil metros de altura desde abril último. O Hubble teve uma partida atribulada, marcada pelos sucessivos reveses nos foguetes americanos, mas já em maio começou a mandar para as estações terrestres as suas primeiras fotos experimentais. Com esse supertelescópio se pretende enxergar o espaço com uma nitidez sete vezes maior do que qualquer outro equipamento já construído pelo homem . Sensível não só à luz visível como também ao ultravioleta e a uma parte do infravermelho, o Hubble pode contemplar astros 350 vezes mais obscuros do que os conhecidos hoje. Espera-se que ajude a explicar a origem dos quasares que brilham a bilhões de anos-luz da Terra.

Tão poderosos nas suas especialidades quanto o Hubble na dele, estão na lista de espera dos foguetes transportadores os telescópios Gamma Ray Observatory (GRO), para a captação de raios gama, Advanced X-Ray Astrophysics Facility (AXAF), que detecta raios X, e Space Infrared Telescope Facility (SITF), funcionando no infravermelho. A nave espacial Columbia deveria ter sido lançada em julho transportando um complexo telescópio chamado Astro-1, com instrumentos na freqüência do ultravioleta e de raios X. Essa nova geração de instrumentos não vai aposentar os seus parentes terrestres. Ao contrário, explica o astrofísico Oscar Matsuura, da Universidade de São Paulo, “o avanço na tecnologia espacial cria a necessidade de mais observações no solo”. Nos próximos dois anos, Matsuura vai observar com um telescópio ótico alguns milhares de corpos celestes identificados pelo IRAS, o satélite infravermelho, no céu do Hemisfério Sul.

Operando além dos limites da atmosfera terrestre, que embaça a luz visível e bloqueia quase todos os comprimentos de onda, os telescópios espaciais têm realmente uma visão mais completa do Cosmo. Mesmo comparando com as imagens obtidas nos observatórios isolados no alto das montanhas, suas fotos são mais nítidas e, por causa do contraste com o fundo escuro do céu possuem a capacidade de captar brilhos muito fracos. Apesar disso, o custo dos equipamentos espaciais e o risco de defeitos irreparáveis em órbita contribuem para fortalecer o desenvolvimento de programas terrestres. Pode-se acrescentar que, ultimamente, os avanços na Engenharia Eletrônica e na Informática têm contribuído para incentivar mais as pesquisas ao rés do chão.

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Durante várias décadas, os maiores telescópios terrestres foram o soviético Zelenchukskaya, com 6 metros de diâmetro, construído no Cáucaso, e o de Monte Palomar, com 5 metros, na Califórnia. Até recentemente, não se acreditava possível construir um espelho côncavo maior e portanto mais pesado. Mas duas universidades americanas aceitaram o desafio e estão terminando de instalar no Monte Mauna Kea, um vulcão extinto no Havaí, o telescópio Keck, de 10 metros de diâmetro. Em vez de um espelho inteiriço, ele é composto de 36 segmentos hexagonais, cada um com 1,8 metro de diâmetro, separados à distância de 3 milímetros. Um complexo sistema de sensores informa ao computador cada mudança de forma e de alinhamento do espelho e aquele envia instruções de volta para reajustar o conjunto, de modo a compensar os efeitos da gravidade, da temperatura e das oscilações atmosféricas. Como resultado, o telescópio apresenta imagens quase tão nítidas quanto as dos instrumentos espaciais.

No entanto, o reinado do Keck como o maior telescópio do mundo não durará muito tempo. O consórcio de países do European Southern Observatory (E), ou Observatório Europeu do Sul, deve completar em 1998 um complexo de quatro telescópios de 8 metros cada um, em La Silla, no Chile. O VLT, sigla em inglês de Telescópio Muito Grande, poderá usar os instrumentos separados ou juntos. Nesse último caso, produzirá uma imagem equivalente à de um espelho de 16 metros, tirando fotos de corpos celestes dez vezes mais tênues do que aqueles captados pelo maior telescópio soviético. Em La Silla, um dos lugares mais secos e claros do mundo, no deserto montanhoso de Atacama, já operam treze telescópios óticos e um radiotelescópio. Um deles, o NTT, que significa em português Telescópio de Nova Tecnologia, manda suas imagens por satélite para o centro científico da E em Garching, nos arredores de Munique, na Alemanha. Segundo o astrofísico José Antônio de Freitas Pacheco, diretor do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP, o telescópio de 2 metros que a universidade pretende instalar no Chile também transmitirá suas imagens para São Paulo via satélite.

Se tudo correr como prevê o calendário da NASA, em novembro próximo partirá o ônibus espacial Columbia, levando em seu compartimento de carga o Gamma Ray Observatory (GRO). Seus quatro instrumentos vão captar uma forma de energia tão rara e tão penetrante que percorreu o espaço durante bilhões de anos antes de chegar à Terra; felizmente, porém, foi bloqueada pela atmosfera. Os primeiros satélites de raios gama, lançados pelos Estados Unidos no final da década de 60, serviam para monitorar explosões nucleares. Mas, logo que começaram a operar, descobriram emissões que se calculava serem 100 000 vezes mais poderosas do que as radiações solares.

“Satélites como o GRO que, por sinal, têm sensibilidade 10 000 vezes maior do que seus antecessores, captam fenômenos de transferência violenta de energia”, ressalta o astrofísico João Braga, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), que há anos estuda raios gama, captados em detectores a bordo de balões. “Supõe-se que isso ocorre quando uma estrela envelhece e esgota o seu combustível nuclear”, expIica ele. O núcleo se contrai e ela se transforma numa estrela de nêutrons ou, conforme a massa,. num buraco negro. “O GRO também vai observar regiões do Universo que podem ser os núcleos dos quasares, onde a temperatura chega a 1 bilhão de graus — um valor que, como tantos outros em Astronomia, escapa ao entendimento humano.

Há três anos, um colega de Braga no INPE, o astrofísico João Steiner, usou dados do satélite HEAO (High Energy Astronomical Observatory), de captação de raios X (uma forma de radiação que, como os raios gama, não se propaga na atmosfera). Combinados com os informes do IRAS e de observações na faixa ótica, tais dados permitiram-lhe descobrir 25 quasares de perfil — até então eram conhecidos apenas seis astros nessa posição. O telescópio AXAF, de raios X, com lançamento marcado para 1996, deve multiplicar por 100 a resolução do HEAO. “Todos os corpos celestes emitem raios X e alguns deles, como os candidatos a buracos negros, foram descobertos nessa faixa de radiação”, entusiasma-se Steiner, antevendo as perspectivas do AXAF. Antes desse supertelescópio, deve entrar em órbita o satélite alemão Roentgen, para medir a radiação X de estrelas, restos de supernovas, galáxias e aglomerados de galáxias.

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No ultravioleta, esperam-se novidades do Hubble, que conta com um espectrógrafo para medir a composição química de corpos celestes e de matéria em volta de estrelas muito quentes. Pode estar aí uma indicação para a existência de planetas até agora desconhecidos fora do sistema solar. O astrofísico Ramiro De La Reza, boliviano naturalizado suíço, que trabalha no Observatório Nacional do Rio de Janeiro, observou há pouco tempo um fato peculiar. Algumas estrelas gigantes, respeitáveis senhoras de meia-idade na cronologia astral, tinham em sua composição lítio, elemento químico muito reativo que se supunha estar presente apenas nas suas irmãs mais jovens. Com o auxílio do IUE (International Ultraviolet Explorer), lançado em 1977 e ainda em funcionamento, De La Reza pretende investigar a natureza desses astros. “Pode ser que o lítio não tenha sido detectado neles, mas em planetas ao redor”, especula.

Em 1998, a NASA pretende lançar o SITF, o telescópio no infravermelho que completará o trabalho do IRAS.

Embora tenha se revelado tão útil, o IRAS fez apenas uma varredura geral do céu, sem se deter em nenhum astro em particular. O SITF, com uma sensibilidade 1 000 vezes maior, deve estudar a formação de estrelas e galáxias. Outro satélite, este de origem européia, o Infrared Space Observatory (I), que deverá ser lançado daqui a três anos, pretende investigar as atmosferas dos planetas gigantes, de alguns cometas e de proto-estrelas.

Embora não pertença à lista dos grandes satélites, o observatório americano Cobe sigla em inglês de Explorador de Radiação Cósmica de Fundo, pode ser considerado uma das novidades desses tempos de tecnologia astronômica espacial. Produto da radioastronomia, a captação da radiação na faixa de microondas, o Cobe procura no espaço o eco distante do Big Bang. Enquanto não o acha, já conseguiu fotografar o centro da Via Láctea, inacessível aos olhares terrestres devido à grande quantidade de matéria que ali se acumula. Dois pequenos radiotelescópios também estão sendo preparados pelos soviéticos para entrar em órbita em data não revelada. Não se sabe igualmente quando os exploradores do espaço se atreverão a construir um telescópio naquele que é considerado o melhor local para a observação astronômica: a face oculta da Lua.

No seu livro Realm of the nebulae (Domínio das nebulosas, não editado no Brasil), o astrônomo americano Edwin Hubble (1889-1953), o primeiro a formular o conceito do Universo em expansão, escreveu em relação à pesquisa astronômica que, “só quando os recursos da observação empírica cessarem, se abrirá o caminho da especulação”. Se chegasse a conhecer todos os equipamentos que estão sendo preparados para entrar em ação, Hubble ficaria tranqüilo. A Astronomia ainda tem muito campo para a observação.

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Para saber mais:

Um espelho para o Cosmo

(SUPER número 11, ano 3)

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Por dentro dos supertelescópios

(SUPER número 6, ano 9)

 

 

 

 

Janelas sob medida

Para cada faixa do espectro, usam-se instrumentos especiais como:

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Raios Gama

Radiação muito curta e penetrante, de origem ainda incerta. Está presente nos processos mais violentos do Universo. Para captá-la, será lançado em novembro o Gamma Ray Observatory (GRO).

 

Raios X

Os primeiros candidatos a buracos negros foram descobertos porque emitiam raios X. Para captar a radiação de astros diversos estão previstos os lançamentos do satélite alemão Roentgen este ano e, em 1996, do americano AXAF.

 

Ultravioleta

Todos os corpos celestes emitem luz ultravioleta, especialmente as estrelas jovens. Em órbita desde 1977, o satélite IUE ainda está funcionando. O Telescópio Espacial Hubble, lançado em abril, tem instrumentos nessa faixa de radiação

 

Luz visível

Para captar a luz que chega à Terra, este ano começa a funcionar o Telescópio Keck, no Havaí, com 10 metros de diâmetro; em 1998, será a vez do VLT, no Chile, com 16 metros. No espaço, o Hubble, livre do embaçamento da atmosfera, vê melhor e mais longe

 

Infravermelho

O satélite IRAS, que funcionou durante onze meses em 1983, localizou meio milhão de fontes infravermelhas no céu. O europeu I, que será lançado em 1993, e o americano STIRF, previsto para 1998,. vão detalhar a pesquisa.

 

Microondas

Na Terra, os radiotelescópios podem captar a radiação de astros próximos como o Sol e distantes como os quasares. O satélite COBE, em órbita desde o ano passado, procura no espaço o eco do Big Bang, a explosão que teria criado o Universo.

 

Ondas longas

Como a atmosfera absorve totalmente a radiação nesse comprimento de onda, ela não pode ser captada da Terra. No futuro, poderá ser estudada com a instalação de um observatório na superfície lunar.

 

 

 

Olhos paulistas no Chile

Há vários anos, os astrônomos da Universidade de São Paulo sonham com a instalação, em algum lugar de clima seco e céu claro, de um telescópio de bom tamanho para o estudo dos astros. O maior observatório brasileiro, em Brasópolis, sul de Minas, oferece em média apenas 150 noites úteis por ano, arduamente disputadas pela centena de profissionais do país. Agora, com o acordo assinado entre o governo do Estado de São Paulo e a empresa alemã Zeiss, aquele sonho fica mais próximo da realidade. A Zeiss fornecerá um telescópio de 2 metros, que usa a combinação ótica de dois espelhos, dotado do mesmo sistema que permite aos mais modernos telescópios corrigi-los segundo as oscilações da atmosfera.

Em contrapartida, o Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) e a Escola Politécnica, ambos da USP, montarão a estrutura para o funcionamento do telescópio, que pode ser numa torre de 20 metros de altura, a cúpula e o sistema de aquisição de dados. O custo total do projeto é da ordem de 10 milhões de dólares, a metade comprometida na compra do equipamento. Como os melhores sítios para a observação dos astros no Hemisfério Sul ficam na Cordilheira dos Andes, os astrônomos pretendem instalar o novo telescópio na mesma região chilena onde já existem observatórios americanos e europeus. O equipamento será operado a distância, via satélite, para que ninguém precise abalar-se de São Paulo cada vez que quiser perscrutar os céus. “O telescópio não será exclusivo dos cientistas da USP”. ressalva o diretor do IAG, astrofísico José Antônio de Freitas Pacheco. “Quem tiver um bom projeto de pesquisa será bem-vindo.”

 

 

 

Idéia do mundo da Lua

Não contentes em instalar grandes telescópios no topo de montanhas na Terra ou colocá-los em órbita no espaço, os astrônomos mais imaginativos do Primeiro Mundo querem colocá-los ainda além — na face oculta da Lua. Um projeto desenvolvido pela NASA trata da montagem, ali, de trinta telescópios de 1,50 metro de diâmetro, formando uma rede cuja imagem equivaleria à de um espelho de 10 quilômetros. Com essa estrutura, os astrônomos calculam que se poderia avistar torrões de açúcar numa xícara de café na Terra. Os equipamentos seriam também capazes de perceber formas na escala de 10 metros no planeta Marte e ainda detectar eventuais planetas semelhantes aos do sistema solar em volta de outras estrelas, analisar a superfície dos grandes astros mais próximos e o conjunto de galáxias distantes.

Essa rede telescópica se beneficiaria de uma vantagem que nenhum observatório, no solo ou no espaço, tem. Como a Lua completa uma órbita ao redor do planeta em 27 dias, 7 horas e 43 minutos e sua rotação em volta do próprio eixo leva o mesmo tempo, ela mostra sempre a mesma face para a Terra, como se sabe. Assim, no outro lado, sem a interferência da luminosidade terrestre, calcula-se que seja possível observar astros cem vezes mais fracos do que os acessíveis ao Telescópio Espacial Hubble. Mas há uma pedra gigantesca no caminho desse projeto futurista: o preço. Para montar uma rede de instrumentos na Lua, seria preciso assinar um cheque de 45 bilhões de dólares, o equivalente ao custo de trinta Hubbles — sem contar os gastos com o transporte.

 

 

 

 

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