Inteligência solitária
Dois cientistas desfazem esperanças e proclamam que há pouca probabilidade de o Universo conter seres maiores que uma bactéria. Muito menos uma espécie inteligente, capaz de se comunicar com os terráqueos.
Flávio Dieguez
Em agosto de 1998, um comando de rádio partiu da sede da Nasa, a agência espacial americana, em Washington, e automaticamente ajustou o foco do mais poderoso instrumento astronômico já construído, o telescópio espacial Hubble. O objetivo era prepará-lo para flagrar uma imagem extraordinária, capaz de mostrar galáxias nunca vistas, situadas na fronteira do Universo visível. O resultado deixou os astrônomos perplexos e mais convencidos do que nunca de que a Terra não é o único planeta habitado no Cosmo. Apesar de mostrar só uma ínfima fatia do céu, a foto revelou mais de 1 000 galáxias juntas. Multiplicando esse número pela área total do céu vista da Terra numa circunferência de 360 graus, deduz-se que o Universo reúne 100 bilhões de galáxias, tendo cada uma, em média, de 100 a 400 bilhões de estrelas. Uma quantidade incalculável de mundos.
Números dessa magnitude fortalecem a esperança da ciência na existência de ETs (Veja No século 21 faremos contato, em SUPERINTERESSANTE, número 12, ano 13, página 76), mas não são o bastante para eliminar o ceticismo de muitos pesquisadores. Prova disso é o sucesso do livro Rare Earth (Terra Rara), do paleontólogo Peter Ward e do astrônomo Donald Brownlee, ambos americanos e da Universidade de Washington, em Seattle. Lançado em janeiro e ainda não publicado no Brasil, o livro sustenta que o Cosmo provavelmente está repleto de bactérias – mas é muito pouco provável que tenha seres evoluídos, mesmo que seja uma simples lesma.
Polêmico, o trabalho de Ward e Brownlee entrou para a lista dos dez mais vendidos nos Estados Unidos um mês depois de chegar às livrarias e sacudiu a comunidade científica por defender essa tese com argumentos sólidos e plausíveis e uma trama bem articulada. O elo mais forte da rede de raciocínios é que os micróbios conseguem sobreviver em ambientes destrutivos porque, sendo dotados de uma única célula, podem sofrer mutações e se adaptar a situações extremas, como o excesso de calor e de frio, ou se esconder de um bombardeio de asteróides e cometas. Já os seres mais avançados, complexos e feitos de muitas células, precisariam de lugares tranqüilos e estáveis para evoluir.
Assim, embora o Cosmo possa ser um oásis para microorganismos, não chega a ser um paraíso para plantas e animais, para não falar em sociedades avançadas.
“Não podemos provar que as criaturas complexas e as civilizações são raras”, explicou Brownlee à SUPER. “Mas achamos que essa possibilidade merece ser analisada com mais atenção.”
Boa parte dos especialistas concorda com essa posição – mesmo os que acham que o livro da dupla exagera no pessimismo. “Eu não interpretaria as descobertas recentes da Astronomia de maneira tão negativa. Temos boas razões para desconfiar que há outros mundos habitados no Universo”, ponderou à SUPER o planetologista americano James Kasting, da Universidade do Estado da Pensilvânia, respeitado pesquisador da área. Mas Kasting garante que o livro merece os elogios que vem recebendo. “Todos os que se interessam por esse assunto deveriam lê-lo. Não há nada de errado em ser pessimista.”
Presença de ET civilizado não está descartada
Se o paleontólogo Peter Ward e o astrônomo Donald Brownlee estiverem certos, dificilmente existirão alienígenas civilizados no Universo. “Mas o fato de eles terem feito um excelente trabalho não quer dizer que tenham razão”, declarou à SUPER o astronômo Seth Shostak, um dos líderes do Seti, sigla em inglês para Programa de Busca de Inteligência Extraterrestre, situado na Califórnia, Estados Unidos. Para o cientista, Ward e Brownlee subestimam as possibilidades geradas pela imensa quantidade de estrelas existentes.
Uma conta imaginária ajuda a entender esse raciocínio probabilístico. Considere primeiro que, como querem Ward e Brownlee, a evolução dos animais seja mesmo um fato raríssimo. Digamos que ela aconteça em apenas um a cada 1 milhão de mundos. A proporção é bem pequena, mas, nesse caso, em uma galáxia de tamanho médio, contendo 200 bilhões de estrelas, haveria até 200 000 mundos povoados por animais. Supondo agora que só um milésimo desses planetas dê origem a uma civilização, ainda assim ficaríamos com 200 sociedades de ETs.
Não é pouco, mas o pesquisador do Seti acredita que esse número tende a ser bem maior, pois, para ele, o surgimento de bichos grandes talvez não seja tão raro assim. Ward e Brownlee afirmam que as espécies daqui sobreviveram apenas porque estavam bem protegidas na Terra, que é um lugar excepcionalmente calmo (veja infográfico). O problema é que a ciência não sabe se as criaturas precisam mesmo de tranqüilidade para sobreviver. “Basta ver”, argumenta Shostak, “que a extinção dos dinossauros, devido à queda de um asteróide gigante, levou ao florescimento dos mamíferos, que tinham cérebro maior do que o de seus antecessores”.
“Assim, podemos acabar descobrindo que bombardeios de asteróides, em vez de prejudicar, até favorecem a evolução de seres inteligentes”, brinca. A sério, o cientista pondera que o importante é lembrar que sabemos pouco sobre o Universo. Continuar investigando é o único meio de descobrir se somos ou não uma inteligência solitária entre as estrelas.
Para saber mais
Rare Earth, Peter Ward e Donald Brownlee, Editora Copernicus, Nova York, 2000.
Inteligências Extraterretres, Jean Heidmann, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2000.
fdieguez@abril.com.br
Algo mais
ET, o Extraterrestre, de Steven Spielberg (foto acima), ganhou quatro Oscars em 1982 e se tornou a sétima maior bilheteria da história do cinema. Virou um símbolo da esperança de encontrar seres inteligentes em outros mundos. Para muitos, os extraterrestres podem ser uma chave para abrir o conhecimento humano sobre o Cosmo.
Zonas mortas no Cosmo?
Veja os argumentos de Peter Ward e Donald Brownlee contra a existência de seres complexos em outros mundos e confira as ponderações a favor de outros especialistas.
Galáxias estéreis
Ward e Brownlee sustentam que apenas as galáxias espirais (1) , parecidas com a Via Láctea, poderiam ter planetas com condições de abrigar seres complexos, pois têm elementos vitais como oxigênio, ferro ou carbono. Esses não existem em galáxias elípticas (2). Já as galáxias anãs (3) e as que estão em colisão (4) são violentas demais. Sobram as espirais, cerca de 20% do total.
Limite estreito
Dentro das galáxias espirais, dizem Ward e Brownlee, só uma faixa relativamente estreita de astros (5) teria condições semelhantes às que o Sol oferece ao desenvolvimento de criaturas complexas. No centro da galáxia (6) há tantas estrelas que sua luz torraria os possíveis ETs. Na borda (7) , a pobreza de elementos químicos dificultaria a evolução.
Bastam 5% dos astros
Mas o planetologista James Kasting diz que diversos tipos de astros, não só os semelhantes ao Sol, poderiam sustentar uma zoologia complexa. Além disso, a quantidade de estrelas como o Sol não é pequena, pois ela pode superar a marca dos 20 bilhões, segundo as estimativas aceitas.
Estrelas de sobra
Muitos especialistas alegam que o número de galáxias é imenso – em torno de 100 bilhões, segundo as estimativas. Assim, mesmo se apenas um quinto delas – 20 bilhões – tiver condições propícias deve haver uma grande quantidade de planetas habitados por aí.
Ajuda extra
Não basta só uma estrela ser adequada, afirmam Ward e Brownlee. A Terra é protegida pelo planeta Júpiter (8) : por ter uma massa elevada, ele atrai cometas e asteróides que poderiam cair aqui e extinguir as espécies. A Lua (9) , ao girar em torno Terra, lhe dá estabilidade. Assim, nosso planeta não balança instavelmente, o que abalaria toda a sua biologia.
Biologia resistente
Não está claro se a Biologia precisa mesmo de proteção especial para se desenvolver. De fato, a Terra já foi bombardeada em diversas ocasiões, ao longo de sua história. A despeito de diversos episódios de extinção em massa, a evolução não deixou de avançar em sua superfície.
Subsolo privilegiado
O interior do nosso planeta, por ser quente, move os continentes, gerando vulcões (1) e terremotos. Esse processo recicla, na medida certa, elementos químicos essenciais à irrupção biológica. Dificilmente haverá condições geológicas semelhantes em outros mundos.
Calor interno
Geologia ativa não é, necessariamente, prerrogativa terrestre. A Astronomia mostra que só corpos celestes pequenos como as luas perdem a energia produzida durante sua formação e carecem de substâncias radioativas para gerar calor interno. No Sistema Solar, além da Terra, Vênus e Marte também tiveram movimentos geológicos no passado.