Metrô: Cada vez mais longe, cada vez mais depressa
Tecnologia moderna e bem aplicada garante um sistema de transportes rápido e seguro, capaz, se necessário, de bater recordes mundiais.
Quando os operários da Companhia do Metropolitano de São Paulo começaram a abrir o túnel da linha Paulista, havia até quem acreditasse em fantasmas – principalmente quando a escavação passou embaixo do Cemitério do Araçá, na Avenida Doutor Arnaldo. Mas esse medo do sobrenatural acabou esquecido à medida que o trabalho avançava. O túnel, que durante a obra dava a impressão de mergulhar na escuridão, ao contrário, acabou se tornando um exemplo de modernidade. O que hoje é a linha Paulista – um trecho de pouco mais de 5 quilômetros, ligando o Largo Ana Rosa ao Hospital das Clínicas, inaugurado em partes no começo do ano – é apenas um pedaço de uma linha maior que vai cortar a cidade para unir outros dois bairros distantes – Vila Madalena, na zona oeste, e Vila Prudente, na zona leste. Os trens que vão entrar nesse circuito nos próximos anos só não serão totalmente automatizados porque isso ainda não é possível no caso de metrôs de grande porte – como o de São Paulo, que atende diariamente 2,2 milhões de passageiros em 82 quilômetros de linha, um recorde mundial. Justamente para suprir essa demanda fabulosa, foi preciso investir muito, e rapidamente, em tecnologia. Há 23 anos, a cidade foi surpreendida com a notícia do início da implantação do metrô, o primeiro do Brasil.
A indústria privada mal conseguia fornecer material para transporte ferroviário – ainda hoje lento, pesado e de tecnologia ultrapassada. Naquela época, metrô era uma palavra que se ajustava bem a cidades ricas como Nova York, Londres e Paris. E foi de lá que vieram os primeiros equipamentos do metrô paulista, depois substituídos por similares fabricados por mais de quarenta empresas nacionais, que se apressaram em absorver a tecnologia necessária. Ao contrário dos metrôs de Paris, Nova York e Londres, construídos no século passado, e que tiveram de ser reformados, o de São Paulo nasceu moderno, porque foi contemporâneo da grande novidade da década de 70: os computadores. Nos trilhos da informática, os trens do metrô andam sozinhos.
O operador, na cabine de comando, aposentou o tradicional boné de maquinista. Ele observa os instrumentos do painel eletrônico e só interfere quando ocorre falha no sistema. É do operador também aquela voz que indica as estações pelo alto-falantes dos vagões. Mas a responsabilidade de fazer o trem correr não está em suas mãos. Na verdade, quem comanda são os computadores, alimentados por milhares de informações enviadas por equipamentos instalados nas estações, ao longo da via e nós próprios trens. Tudo é programado, desde o horário, a velocidade, a aceleração, a freagem, as paradas, até o abrir e fechar das portas. Quem trabalha ou se utiliza do metrô está sempre sendo observado. Um circuito fechado de televisão observa as plataformas e os mezaninos para garantir a segurança, o bom funcionamento do sistema e até a limpeza – não é à toa que as estações são sempre imaculadamente limpas.
No Centro de Controle Operacional, uma equipe supervisiona o processo em painéis eletrônicos. Essa equipe tem condições de dizer, sem hesitar, e a qualquer momento, onde um determinado trem está e qual a sua velocidade. Qualquer problema, e os operadores são alertados, bem como os agentes nas estações e nos pátios de manobra – sempre em contato por um sistema de radiotelefonia. Às vezes, um defeito qualquer pode impedir o trem de andar sozinho. Entra em ação o sistema semi-automático: o operador volta a ser o maquinista, mas obedece às instruções do computador sobre a velocidade que deve empregar em cada trecho da linha e o tempo de parada nas estações.
Hoje, cada vez que aparece a notícia de que o metrô está chegando a um bairro, a população reage primeiro com alegria, depois começa a pensar no transtorno que as obras causam. Enquanto, na superfície, o trânsito fica prejudicado e os pedestres reclamam do barulho, da poeira e dos tapumes, sem contar a demorada burocracia das desapropriações, em baixo da terra, os engenheiro têm outro problema: construir uma via que adapte às limitações dos trens. Explica-se: o motor de tração que puxa os vagões não foi feito pra subir e descer rampas ou executar curvas fechadas. Por causa disso, os trilhos não podem acompanhar a topografia do terreno, e as vias e estações têm que ser escavadas a dezenas de metros de profundidade ou em linha quase reta, se, por sorte, for encontrado espaço acima do solo.
Na época da construção da linha norte-sul, fez sua estréia nas obras, uma máquina que teria papel fundamental na construção da linha Paulista, em que os túneis subterrâneos e as estações foram construídas de modo que interferissem o mínimo possível com a superfície. Trata-se da shield ( couraça, em inglês), apelidada pelos operários de “tatuzão”, do mesmo tipo da que está sendo utilizada na abertura do túnel sob o Canal da Mancha, que ligará a Inglaterra ao continente europeu. A shield é mesmo uma couraça de aço, equipada com uma hélice giratória de 6 metros, com dentes duríssimos feitos de aço, tungstênio e carbono, e um sistema de direção e laser. Com ela, foi construída, por exemplo, a Estação Consolação, na Paulista, composta de dois grandes arcos elevados sobre e plataforma central. No mezanino, onde estão as bilheterias, foram cravadas várias colunas de concreto, de um lado e de outro da avenida, localizada 4 metros acima, para dar sustentação à obra. Quando a terra foi retirada, formou-se um vão livre, parecido com o que existe no Masp. Tudo isso foi feito, naturalmente, com os veículos trafegando por cima.
As estações parecem grandes cavernas subterrâneas de concreto, mas pensa-se em transformá-las em espaços mais acolhedores, com jardins, comércio e até exposições de arte. Por esse motivo, as paredes das estações da Paulista ficaram mais coloridas e se tornaram verdadeiras galerias. Calcula-se que os painéis de Wesley Duke Lee e Tomie Ohtake, ali expostos, sejam observados diariamente por 300 000 pessoas – a mesma população de Genebra, na Suíça – que entram e saem dos trens. “Essa lotação ainda é pequena”, compara o engenheiro Peter Alouche, presidente do Conselho de Desenvolvimento Tecnológico do Metrô. “As outras linhas recebem mais de 1 milhão de passageiros por dia.” Alouche, um pioneiro na construção do metrô, nota que essa demanda surpreendeu os próprios planejadores da companhia. “Sob o risco de superlotação, tivemos que aumentar a rapidez da operação”, observa.
Nos horários do pico – início da manhã e final da tarde –, os trens correm a uma velocidade de 100 quilômetros por hora e param nas estações a cada noventa segundos. Não se pensou em fazer no metrô paulista o mesmo que em Tóquio, no Japão, onde funcionários costumam empurrar gente para dentro dos trens superlotados. Mas o intervalo de tempo entre os trens pode diminuir para setenta segundos – uma proeza no mundo – para evitar o acúmulo de passageiros, principalmente na linha leste-oeste, que linha a Barra Funda à Estação Corinthians/ Itaquera. Numa cidade grande como São Paulo, ainda está longe o tempo em que o metrô dará preferência aos carros pequenos, silenciosos e que parecem flutuar em alta velocidade, como já está acontecendo em Lille, na França, ou em Vancouver, no Canadá. Nessas composições no futuro, a tração foi substituída por motores lineares, sem peças circulares, e tirou-se partido de campos magnéticos que deslocam os vagões sem atrito com os trilhos. Esses novos trens podem revolucionar a arquitetura das estações e a construção das linhas, pois não exigem túneis profundos. “Há grandes projetos no Brasil para a implantação de metrôs leves, inclusive em São Paulo”, comenta Peter Alouche. “ Só espero que essa tecnologia seja introduzida de maneira racional, em vez de se adotar um método diferente em cada cidade.”