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O computador invisível

As máquinas do futuro serão tão integradas ao cotidiano que ninguém vai reparar nelas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 30 nov 2002, 22h00

Paulo D¿Amaro

Há 100 anos, uma casa que tivesse luz elétrica era motivo de admiração nas grandes cidades brasileiras. As pessoas se encantavam ao ver fios que vinham de postes na rua para dentro do lar e o resultado deles: lâmpadas que acendiam com um toque num botão e curiosos buraquinhos, chamados tomadas, de onde brotava um luxo conhecido como “eletricidade”. Eletricidade essa que nem tinha muito uso ainda, já que o rádio – principal eletrodoméstico do começo do século XX –, só chegaria ao Brasil em 1923. Já no final da década de 30, a luz elétrica não impressionava mais ninguém. Estranho era quando uma casa não a tinha. Isso é o que deve acontecer com o computador nas próximas décadas. “Ele deixará de ser esse objeto fixo, num cômodo da residência, para se tornar um equipamento quase invisível, integrado à casa e ao usuário”, afirma Jean Paul Jacob, gerente de relações técnicas do Centro de Pesquisas da IBM em Almaden, nos Estados Unidos, e professor da Universidade da Califórnia.

Em outras palavras, quase a mesma coisa que aconteceu com a luz elétrica no século passado.

IBM, Compaq, Microsoft, Intel e vários outros fabricantes de computadores e afins têm departamentos especializados em bolar as coisas mirabolantes que vêm por aí nas próximas décadas. Sem contar os institutos de pesquisas ligados a universidades. O objetivo para esse futuro próximo é descomplicar totalmente o computador, para que seja usado por qualquer um, em qualquer lugar. Não é ficção nem devaneio. As idéias partem todas de tecnologias que estão muito próximas de ficar disponíveis.

“Para começar, os fios e os cabos vão acabar”, diz Marcos Pinedo, diretor, no Brasil, do .Net, um departamento da Microsoft encarregado pelo todo-poderoso Bill Gates de prospectar o futuro da informática. Dentro de 20 anos, a transmissão de dados por sinais de rádio será uma realidade para todos os equipamentos, dentro e fora de casa. Ela permitirá que o computador se interligue à internet (se é que ela ainda será chamada assim) e também “converse” com diversos outros equipamentos, como celulares, palmtops e a própria televisão. Se você estiver digitando um texto, por exemplo, e se cansar de ficar enfurnado no quarto, poderá ir para a sala e continuar seu trabalho usando a TV – sem a necessidade de transferir nenhum arquivo. Ou andar até a varanda e ligar o palmtop: o texto aparecerá na tela, tal e qual foi deixado no computador que você usava antes. Ou, ainda, você poderá sair para dar uma volta de carro e ditar o resto do seu trabalho para o micro embutido no painel.

Em outras palavras, esses aparelhos estarão sempre interligados e não será necessário transferir os dados de um para o outro. Isso acontecerá instantaneamente.

Monitor dobrável

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Mas, se preferir, você poderá simplesmente sair andando pela rua levando o próprio micro nas mãos. Essa é outra revolução que se anuncia para muito breve. A miniaturização vai unir o computador doméstico, o notebook e o palmtop numa coisa só. Esse conceito se chama tablet (prancheta) e está sendo desenvolvido por várias companhias. Tudo se reduzirá ao tamanho da tela. E não estamos falando dos trambolhos que são os monitores de vídeo de hoje, mas de telas finas e leves, ainda melhores que as de cristal líquido que começam a vingar no mercado. A base dessa tecnologia é o Oled (sigla em inglês para Diodo Orgânico Emissor de Luz). Diferentemente das telas de cristal líquido, que precisam de retro-iluminação, as do tipo Oled emitirão sua própria luz. Por isso, terão espessura inferior à de uma moeda, além de serem flexíveis – podendo ser dobradas e guardadas em um bolso.

E, segundo os cientistas que estão desenvolvendo os primeiros protótipos, terão definição de imagem ainda melhor que a dos monitores de vídeo atuais.

Tanta miniaturização leva à pergunta: “E o teclado, onde vai?” Não vai. A tecnologia do reconhecimento de voz será dominante. Ela já existe, mas é limitada e falha. A máquina só entende alguns comandos, muitas vezes de forma errada. Em duas décadas, porém, as imperfeições devem estar corrigidas e você poderá, de fato, falar com seu micro – não só para xingar, como acontece hoje. O computador ouvirá a voz do dono, atenderá seus comandos e o verá por meio de câmeras.

Para quem acha o cúmulo conversar com máquinas, a digitação será substituída por sistemas sofisticadíssimos de análise de caligrafia. Nada da complicação dos palmtops atuais, que exigem um alfabeto todo especial para escrever na tela do computadorzinho. Os mais tradicionalistas, inclusive, poderão escrever sobre papel, num dispositivo especial, e não com as canetas plásticas dos palms de hoje em dia. Mesmo os garranchos mais complicados serão decifrados e digitalizados. “Os computadores substituirão desde os cadernos dos estudantes até as pranchetas utilizadas pelos médicos no hospital”, prevê Marcos Pinedo.

Todas essas inovações visam uma coisa: a adequação dos computadores aos desejos humanos. “Até hoje, o homem se curvou diante da máquina e teve de aprender a fazer as coisas do jeito dela”, diz o engenheiro Marcelo Zuffo, coordenador da área de sistemas interativos do Laboratório de Sistemas Integrados da Universidade de São Paulo (USP). “Daqui para a frente, o computador terá de se humanizar e entender a linguagem dos homens”, completa Zuffo, que está à frente da Caverna Digital, o maior projeto de realidade virtual já desenvolvido no Brasil.

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Isso porque o micro do futuro será bem mais que um instrumento de trabalho e diversão. Ele tende a se tornar um eletrodoméstico integrado à casa. Enquanto dita um e-mail, você poderá apontar o dedo para uma lâmpada e dizer: “Desligue esta aqui”. Ou então olhar em direção a uma janela e comandar: “Abra ali”. E depois continuar o seu trabalho.

As câmeras facilitarão muito a vida de todos. “Elas permitirão ao computador identificar quem o está usando e seus hábitos”, diz Jean Paul Jacob, da IBM. Segundo ele, o sistema poderá fazer coisas inusitadas como monitorar os olhos do usuário enquanto ele lê as notícias na tela para saber que tipo de assunto o atrai mais, e assim personalizar a apresentação nas próximas vezes. Ou, então, identificar o usuário que se aproxima para já deixar na tela tudo o que ele gosta de ver, automaticamente.

Ao gosto do freguês

Por sinal, como estará agregado à casa, o computador ajustará ao gosto do freguês tudo o que for possível: da estação de rádio à posição da poltrona. Bastará ele reconhecer visualmente quem está entrando pela porta. Sem contar outros sensores, como os de tato, por exemplo, que estarão nos teclados, nas cadeiras e nos controles remotos. Eles perceberão se a pessoa está com calor ou frio, se está agitada, calma ou com sono. Quem não gostaria que as cortinas fechassem quando se pega no sono no sofá da sala? Ou que o ar-condicionado se ajustasse sozinho à temperatura ao menor sinal de suor nas mãos? Será o paraíso dos preguiçosos.

O computador saberá tudo sobre você e compartilhará essas informações quando isso lhe for conveniente. A questão da identificação, por sinal, é a que abre o maior leque de possibilidades num futuro próximo. Quem assistiu ao filme Minority Report – A Nova Lei, de Steven Spielberg, deve se lembrar da cena em que o outdoor de cerveja percebe a presença do protagonista, vivido por Tom Cruise, e lhe diz em alto e bom tom: “Ei, John Anderton, você podia tomar uma Guinness agora, não?” Pois isso, segundo os pesquisadores, é exatamente o que acontecerá daqui por diante. Talvez não de uma forma tão invasiva quanto no filme, mas com limites impostos pelo usuário.

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Você poderá programar seu computador portátil para se comunicar com os de lojas, museus, cinemas ou outros lugares aonde for. Ao pisar em um parque de diversões, por exemplo, surgirão na tela do seu computador de bolso as principais atrações dele, quais brinquedos estão com fila, quais estão quebrados etc. E mais: os computadores poderão comparar automaticamente a lista de visitantes do parque com a sua agenda particular e, assim, descobrir se, naquele momento, há algum conhecido seu por ali. Se houver, você receberá um aviso do tipo: “Seu primo Luís está no parque, andando na montanha russa”.

Há várias outras utilidades nessa comunicação automática e silenciosa entre computadores. Um shopping center, por exemplo, pode pesquisar automaticamente o perfil das pessoas que nele entram, ao receber os dados diretamente dos computadores portáteis de cada uma. Outros tipos de pesquisas serão feitas sem que ninguém lhe pergunte nada, apenas com os dados que o seu aparelho deixa disponível para quem quiser saber.

E como será a aparência desse equipamento? É aí que entra o que os especialistas chamam de convergência digital. Além dos tablets, quem preferir poderá usar aparelhinhos ainda menores, semelhantes aos celulares de hoje, mas com funções de videofone, computador, máquina fotográfica, filmadora, rádio, music player, GPS… Ou seja, tudo. Em casa, esse aparelhinho pode ser acoplado a uma tela e a um teclado. Na rua, fica no bolso. As possibilidades são tantas que algumas coisas até perdem o romantismo. Supondo que um casal de turistas viaje para a Itália, por exemplo. Uma foto que for tirada deles na mesa de uma cantina será enviada imediatamente para o seu lar e aparecerá num porta-retratos digital. Os filhos, na sala de casa, verão a cena antes mesmo que o casal tenha tempo de brindar com o vinho da casa.

Menores e mais potentes

Quem preferir algo ainda mais compacto que um celular precisará esperar um pouco. Mas terá sua vez. Já estão em andamento pesquisas que pretendem substituir os atuais chips de silício por coisas muito menores e mais potentes. Há várias linhas de estudos, mas a mais promissora é a computação quântica. Em lugar dos transistores, o computador quântico empregará as propriedades quânticas dos átomos para realizar cálculos e operações. Enquanto o transistor pode assumir apenas duas posições (ligado ou desligado, representando zero ou um), átomos podem ser induzidos simultaneamente a diferentes estados. O resultado disso é uma capacidade exponencialmente maior de processar informação. Sem contar a miniaturização, já que se trabalhará em nível atômico – uma escala ínfima de tamanho se levados em conta os filamentos dos chips tradicionais.

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Outra tendência é a do computador de DNA – o ácido desoxirribonucléico que existe em nosssas células. Em 2001, cientistas israelenses desenvolveram um processador simples baseado nele. No futuro, quando a tecnologia estiver bem dominada, um tubo de ensaio contendo processadores de DNA executará um bilhão de operações por segundo. Apenas 28 g de DNA fariam cálculos 100 mil vezes mais rápidos que o melhor dos supercomputadores atuais.

São tecnologias espetaculares, mas ainda distantes. “Elas demandarão muitos anos de pesquisa para vingar”, alerta Marcelo Zuffo, da USP. Igualmente espantosa, mas bem mais próxima da realidade é a invenção dos computadores sem tela. “Num futuro não muito distante, teremos óculos que projetam as imagens na retina de quem os usa”, conta Zuffo (leia mais na reportagem “Somente para seus olhos. Em outras palavras, a tela estará dentro dos olhos do observador. Não há limites para imaginar o que isso nos proporcionará. “Você verá as pessoas com legendas”, brinca. Faz sentido: se os computadores pessoais vão se comunicar entre si automaticamente, nada impede que, ao olhar para uma pessoa, você receba dela uma verdadeira ficha completa, com nome, idade, profissão e outras informações que ela esteja disposta a disponibilizar.

Dessa forma – ultraminiaturizado e capaz de entender comandos de voz e projetar imagens dentro do seu olho –, o computador tende a “sumir” de vez. O equipamento – que hoje necessita de um monitor de vídeo pesado, uma CPU desengonçada e um teclado cheio de fios – poderá caber na haste dos seus óculos ou mesmo num pin na sua roupa. Ficará embutido, escondido, disperso. Como os fios elétricos, que tanto fascinavam as pessoas 100 anos atrás e hoje sequer são percebidos.

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Meu PC é o seu PC

Uma previsão feita por nove em cada dez futurólogos da informática é o compartilhamento dos computadores mundo afora dentro de alguns anos. Calma, ninguém vai obrigá-lo a deixar o filho do vizinho passar a tarde no seu micro. O tal compartilhamento é o uso do seu computador por instituições de pesquisa ou empresas durante o tempo em que você está fora de casa, dormindo ou fazendo qualquer outra coisa. Essa atividade já existe atualmente e seu maior propagador é o projeto SETI, uma análise de bilhões de sinais eletromagnéticos vindos do espaço na esperança de encontrar algum que faça sentido e, portanto, advinda de uma inteligência extra-terrestre. As centenas de anos que os laboratórios levariam para analisar tantos dados são reduzidas pelo uso de milhares de computadores pessoais mundo afora. No entanto, hoje em dia, o compartilhamento ainda é pequeno em razão das dificuldades de conexão à internet.

Mesmo nos Estados Unidos, o telefone continua sendo o meio mais usado e, por mais que adore assistir ao Arquivo X, ninguém é louco de deixar o micro ligado na internet o dia inteiro só pra ajudar a descobrir ETs. No futuro, porém, quando a maioria dos computadores estiver conectada 24 horas por dia, em alta velocidade e a baixo custo, será muito mais fácil usar esse potencial de milhões de computadores pessoais ociosos pelo planeta. Já se prevê, inclusive, uma espécie de aluguel por tempo de uso. “Será uma poderosa arma na luta para encontrar a cura de doenças, desenvolver novos remédios e fazer previsões meteorológicas com precisão”, diz o pesquisador Marcelo Zuffo, da USP.

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