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O estranho oceano sobre sua cabeça

As nuvens regam a Terra e controlam a energia que entra e sai do planeta. Mas os cientistas ainda não compreenderam como esses flocos flutuantes, feitos de água e gelo, influem no clima terrestre.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 31 jul 1999, 22h00

Thereza Venturoli

Quando você olha para o céu, vê figuras de carneiros e castelos esvoaçando sobre sua cabeça. Quando os cientistas olham para as nuvens, enxergam esfinges. Essas ilhas de água no teto do mundo estão longe de serem decifradas.

Por um lado, elas refrescam a Terra, captando parte da radiação solar e devolvendo-a ao espaço. O planeta recebe do Sol uma quantidade de energia equivalente à produção de 10 milhões de usinas de Itaipu. Se toda essa luz e todo esse calor chegassem à superfície, o mundo esturricaria. A temperatura média, de cerca de 15 graus Celsius, subiria 11 graus. Isso só não acontece porque as nuvens refletem 22% da radiação solar.

Mas, ao mesmo tempo, parte dessa radiação chega ao solo e nos aquece, e o planeta irradia de volta esse calor ao espaço. Aí, as nuvens funcionam como uma tampa de panela. Retêm o calor aqui embaixo e, assim, aumentam o efeito estufa – o aquecimento da Terra resultante do bloqueio da sua irradiação pelos gases da atmosfera.

O balanço final é uma charada. Os cientistas simplesmente ignoram se o telhado aquoso está aquecendo ou resfriando o planeta. “Além de existirem muitas nuvens diferentes, um mesmo tipo pode atuar tanto como abafador quanto como refrigerante, dependendo da sua altura, do solo que ela encobre e da temperatura local”, aflige-se o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). “O comportamento das nuvens é tão complexo que ainda não conseguimos construir um modelo matemático que preveja, com precisão, seus efeitos”, diz Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em Cachoeira Paulista, São Paulo.

O problema é que não há informações suficientes. A especialista em ciências atmosféricas Maria Assunção da Silva Dias, do Instituto Astronômico e Geofísico da USP, resume: “Os dados coletados por satélites ainda não são suficientes para chegarmos a uma conclusão definitiva sobre o papel das nuvens, globalmente”. A saída é tentar resolver o mistério por partes.

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Telhado líquido

A atmosfera guarda 13 quatrilhões de litros de água, o mesmo que 6 500 Baías de Guanabara. Tudo vem da transpiração da vegetação e da evaporação de rios e mares. A cobertura aquosa mantém o equilíbrio na Terra: sem ela, a temperatura média do planeta seria mais alta.

Ilhas de gelo

Parte dessa umidade passa do estado gasoso para o líquido, formando gotículas que depois congelam. São as nuvens. Elas só chovem quando se acumula gelo demais no topo delas. Aí, a força da gravidade puxa os cristais para baixo. Na queda, eles derretem e se transformam em gotas.

Pra que servem?

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Enquanto não despencam, as nuvens sombreiam e, portanto, refrescam a superfície. Mas também abafam o planeta e aumentam o aquecimento global. Até hoje não se sabe qual desses efeitos predomina.

Umas somem, outras não chovem

Pra começar, há menos nuvens no céu do que deveria haver. Essa constatação desconcertante perturba os pesquisadores do clima. O raciocínio é simples. Nos últimos 100 anos, a temperatura média da Terra subiu 0,6 graus Celsius, devido à emissão de gases poluentes que abafam a atmosfera. Parece pouco, mas já é um décimo de todo o aquecimento que o planeta sofreu desde o fim da última era glacial, há 18 000 anos, quando um terço do globo estava coberto de gelo. Ou seja, não é pouco, é muito.

Se a temperatura se elevou, a evaporação de água dos rios e mares também só pode ter aumentado. Portanto, a cobertura de nuvens agora é maior, certo? Errado. Todas as tentativas de medir esse aumento global de nebulosidade fracassaram. Onde estão essas nuvens? As medições em solo tampouco indicam que esteja chovendo hoje mais. Hoje, chove praticamente os mesmos 1 000 milímetros de água por ano que chovia no início do século. “Esse quadro é incompatível com as leis da Física”, ressalta, inconformado, Paulo Artaxo.

A única nebulosidade que os climatologistas sabem que está crescendo é a gerada por restos de combustível lançados pelos aviões entre 10 e 17 quilômetros de altitude. O vapor d’água e as partículas de sujeira que escapam das turbinas congelam assim que saem. Formam nuvens que demoram a se desmanchar e já cobrem 0,2% da superfície do globo. Em regiões onde o tráfego aéreo é mais intenso, como a Europa Central, essa cobertura já chega a 0,5%.

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Um relatório elaborado por uma equipe internacional de 100 pesquisadores prevê que, até o ano 2050, o aumento no número de vôos deve triplicar o consumo de combustível. Com isso, o material emitido pelas turbinas pode aumentar em até quatro vezes a quantidade de nuvens de grande altitude. O documento foi divulgado em junho passado pelo Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), um comitê de cientistas e técnicos ligado à ONU. O quanto isso vai esfriar ou aquecer o planeta é ainda impossível calcular. Responder a essa dúvida é um dos objetivos da Metereologia nos próximos anos.

Esculturas de ar

A cor cinza-chumbo desta nuvem, sobre o Estado americano de Oklahoma, indica que está saturada de gotículas de água e cristais de gelo. Nuvens desse tipo mais resfriam do que aquecem o planeta

Disco voador

Nuvens de grande altitude costumam abafar mais do que resfriar a Terra. Esta da foto, no sul da China, foi esculpida por rajadas de vento que contornam montanhas. É chamada nuvem orográfica, ou seja, moldada pelo relevo.

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Chuvas precoces e gotas gigantes

Além de não entenderem como as nuvens se relacionam com o clima, os cientistas também não sabem direito como elas se desmancham em chuva. A temperatura, os ventos e a poluição da atmosfera são fatores imprevisíveis. Eles são capazes de gerar situações regionais surrealistas.

Em Ji-Paraná, Rondônia, no sudoeste da Amazônia, as nuvens chovem quando bem entendem. Até mesmo antes de estarem prontas. “Normalmente, para que se desmanchem, elas precisam estar carregadas de cristais de gelo”, explica Maria Assunção. “Mas lá a chuva pode cair de nuvens que carregam só água em estado líquido.” Como isso é possível?

Tem mais: a chuvarada lança pingos descomunais, com 8 milímetros de diâmetro. O tamanho máximo, no resto do planeta, é de 6 milímetros. “Tudo o que temos para explicar essas esquisitices são suposições”, diz Artaxo. Uma delas é que as chuvas precoces da Amazônia são causadas pela excepcional limpeza da atmosfera local (veja o infográfico).

Um dos instrumentos que vão ajudar os cientistas a desvendar esses segredos é o projeto LBA-TRMM, que estuda o ambiente amazônico. LBA significa Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia e TRMM, Missão para Medição das Chuvas Tropicais. Desde 1996, cientistas brasileiros e americanos sobrevoam a mata em aviões equipados com radares e instalam equipamentos na selva.

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Outra esperança é o satélite americano Terra, que deve ser lançado até o final deste ano, com cinco instrumentos a bordo. Durante seis anos, ele vai rodopiar na órbita terrestre, fotografando e medindo a interação entre atmosfera, solo e mares. A precisão dos novos detectores é tão grande que os estudiosos estão comparando o Terra ao telescópio espacial Hubble, que tem feito fotos reveladoras de confins do Universo desde 1990.

“Não nos iludamos: é impossível resolver todos os mistérios com um único instrumento”, afirma, realista, o físico José Vanderlei Martins, que está de partida para a cidade de Greenbelt, em Maryland, Estados Unidos, para trabalhar na Nasa com os dados colhidos pelo Terra. “Mas esse tipo de equipamento completo e de última geração, que pode fazer estudos localizados e, ao mesmo tempo, compor um quadro global, com certeza vai aumentar nossa compreensão das nuvens.”

TORRES TENEBROSAS

Imagens obtidas do alto revelam muito sobre o teto líquido da Terra. As montanhas vaporosas que brotam de um chão de nuvens mais baixas são típicas das regiões tropicais. Elas alcançam 18 quilômetros de altitude e trazem grandes tempestades, muitas vezes com saraivadas de granizo

FUROR TROPICAL

Furacões como este, o Luís, fotografado pela tripulação do ônibus espacial Endeavour, em 1995, nascem da evaporação dos mares dos trópicos. Os cientistas suspeitam que as mudanças climáticas podem aumentar o número desses redemoinhos

Rastro de gelo

Veja como os aviões contribuem para nublar os céus.

1. Os jatos voam acima de 10 quilômetros de altitude. Ali, a atmosfera é extremamente seca e a temperatura atinge até 60 gaus Celius negativos.

2. Os restos de combustível que escapam das turbinas contêm gases, vapor d’água e partículas de sujeira – os chamados aerossóis.

3. Devido ao frio e à secura da atmosfera, as moléculas de água grudam nos aerossóis e viram cristais de gelo, imediatamente. A nuvem criada pode durar até duas semanas antes de se vaporizar de novo.

As sementes das gotas

Os pingos descomunais das chuvas da Amazônia podem ser uma criação do ar puro da região.

Poluição molhada

O ar de cidades grandes como São Paulo tem 10 000 aerossóis em cada centímetro cúbico. São partículas de poeira, poluição, cinza e grãos de pólen que sobem com os ventos e permanecem flutuando. Em torno delas o vapor d’água se condensa, congela e cai. As gotas chegam a ter 6 milímetros de diâmetro.

Limpeza total

Na Amazônia, há cinqüenta vezes menos aerossóis do que em grandes cidades e muito mais umidade no ar. Assim, em torno de cada partícula condensam-se mais moléculas de água. De tão pesadas, as gotas despencam antes de se congelar. Alcançam 8 milímetros de diâmetro.

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