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O lado negativo do Universo

A antimatéria é invertida. Em tudo, tem o sinal trocado: se um átomo comum tem carga positiva, ela é negativa. Mas é também um grande enigma: por que é que não se consegue ver os átomos de antimatéria no espaço, se até em laboratório eles podem ser fabricados? Agora, os cientistas estão mais perto da resposta.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 31 out 1997, 22h00

Flávio Dieguez

A metade do Cosmo que não se vê

Desde que os físicos aprenderam a provocar colisões frontais entre as partículas subatômicas para transformá-las em energia pura, notaram um paradoxo que até então não havia ocorrido a ninguém. É que a energia produzida desse modo geralmente toma a forma de novas partículas, metade das quais é feita de matéria comum e a outra metade, de antimatéria. Ou seja, sempre que se cria um próton de carga elétrica positiva, também surge um antipróton, que é negativo. Se nasce um elétron negativo, ao seu lado existe um antielétron positivo. Antimatéria é simplesmente isso: um inverso elétrico da matéria usual. Mas, então, por que não se vê antimatéria no grande laboratório natural que é o Universo? Tudo indica que ela deve ter sido criada em grandes quantidades durante o Big Bang, a explosão que criou o Cosmo, há 15 bilhões de anos. Mas é praticamente certo que, dentro do enorme volume gigantesco à nossa volta, não existe o menor traço de antiestrelas ou antigaláxias.

Eletricidade invertida

A necessidade de resolver essa contradição explica, em parte, a importância da máquina experimental montada no laboratório americano Fermilab, desde novembro do ano passado, para fabricar anti-hidrogênios. São átomos inteiros de antimatéria nos quais os prótons não têm carga positiva, mas sim negativa. E os elétrons passam de negativos a positivos. Então, esses elementos de eletricidade invertida podem fornecer uma pista para a sua aparente ausência no Cosmo: se forem examinados bem de perto, talvez revelem alguma propriedade nova, que não havia sido percebida antes.

A oportunidade surgiu somente agora porque os anti-hidrogênios são conquista recente. Só passaram a ser produzidos no final de 1995, numa experiência dirigida pelo físico alemão Walter Oelert, do Cern, sigla em francês para Centro Europeu de Pesquisas Nucleares. Oelert deu o primeiro passo, mas fez somente nove antielementos.

Este mês, o Fermilab deu um salto à frente ao demonstrar que é viável fabricar antiátomos em quantidade – e, talvez, no fim do processo, fabricar energia. Os cem exemplares produzidos desde a montagem da “antifábrica”, em novembro de 1996, não são muita coisa. “Ainda vai ser preciso multiplicar esse número por vinte ou trinta, para poder fazer um estudo rigoroso”, diz David Christian, um dos responsáveis pela experiência. Mas, dado o primeiro passo, não vai ser difícil aumentar a produção e começar a investigar as propriedades dos anti-hidrogênios.

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Por enquanto, os físicos não sabem exatamente que tipo de coisa terão que procurar. Talvez a antimatéria sofra de alguma instabilidade, alguma propensão interna para desintegrar-se. Isso explicaria o seu sumiço durante a história do Universo. Para Christian, a probabilidade de achar alguma anomalia não é grande. Mesmo assim, o trabalho não se perderá. Pois, enquanto mantêm um olho no enigma cósmico, os físicos vão explorar um novo tipo de material à disposição da humanidade. E não é muito improvável que, nos próximos anos, ele sirva para desenvolver tecnologias inimagináveis atualmente.

O sonho de uma fonte de energia

Os cem anti-hidrogênios que o laboratório americano Fermilab conseguiu produzir este ano não parecem muita coisa. E de certo modo não são mesmo. Para se ter uma idéia, mesmo se produzissem 5 trilhões de antiátomos por dia, os físicos levariam 1 bilhão de anos para acumular 1 único grama de anti-hidrogênio. Na prática, o máximo que se conseguiu nos Estados Unidos, até agora, foi produzir cinco elementos num só dia, e em todo o período da experiência o rendimento, na média, não passou de oito por mês.

Só que 1 grama é uma quantidade absurda, em termos de pesquisa. Para estudar a antimatéria bastam alguns milhares de antiátomos. E isso, daqui para a frente, não vai ser difícil de armazenar, mesmo porque o assunto está pegando fogo. Há diversas equipes, em vários países, prontas para fazer seus primeiros anti-hidrogênios. No Cern, o laboratório europeu que fabricou os primeiros nove anti-hidrogênios, há dois anos, o trabalho vai recomeçar nos próximos meses. Dessa vez, segundo o responsável pela pesquisa, o alemão Walter Oelert, o projeto será bem mais amplo que o original.

Antipartícula anticâncer

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“Vamos tentar produzir e armazenar grande quantidade de antiátomos em gaiolas magnéticas”, disse Oelert à SUPER, pela internet. “Como esses antielementos não existem em nosso mundo, determinar as suas propriedades fundamentais é decisivo para a compreensão da natureza”. É até possível que a pesquisa acabe resultando em alguma aplicação prática. Para justificar essa crença, ele lembra que alguns tomógrafos já funcionam à base de antielétrons. Eles são injetados nos pacientes, se desintegram em contato com elétrons no interior do organismo e produzem raios X que atravessam os tecidos formando uma imagem dos órgãos. É como uma radiografia de dentro para fora. Mais recentemente, segundo o cientista, surgiram planos de bombardear células cancerosas com raios de antiprótons.

Oelert só não acredita na proposta mais popular: a de usar a antimatéria como fonte de energia, seja na forma de partículas ou de átomos. “Sairia caro demais”, calcula. Ainda assim, a possibilidade de um dia se abastecerem naves interestelares dessa maneira é uma tentação irresistível para muitos cientistas.

Agora mesmo existe um projeto interessante em andamento na Universidade da Pensilvânia. Muito bem bolado, o motor proposto pelo chefe do estudo, Gerald Smith, usaria um raio de antiprótons para energizar um reator nuclear. A grande vantagem desse sistema sobre idéias anteriores é que exige apenas alguns milhares de partículas, quantidade fácil de produzir com a tecnologia existente. Segundo Smith, se a coisa funcionar, e se for possível reduzir o custo do combustível, que é hoje altíssimo, poderá acelerar uma grande nave pilotada a uma velocidade em torno de 100 000 quilômetros por hora e reduzir pela metade o tempo de vôo aos planetas. Uma viagem a Marte levaria cerca de 100 dias. O esforço pode não dar em nada. Mas a idéia de usar a antimatéria como combustível deve continuar sendo uma inspiração para o avanço das pesquisas.

Para saber mais

Os Três Primeiros Minutos, Steven Weinberg, Gradiva, Lisboa, 1987.

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Dos Raios X aos Quarks, Emilio Segrè, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1980.

Desintegração radical

Num choque frontal a quase 300 000 quilômetros por segundo, duas partículas subatômicas da classe dos prótons viram energia pura, e esta, imediatamente depois, dá origem a novas partículas que se afastam da colisão em espirais.

Metade dos fragmentos criados na trombada representam matéria comum, como prótons e elétrons, entre outros

A outra metade, voando em direção oposta, é formada por antiprótons e antielétrons. Ou seja, antimatéria

Em busca de antilascas no ar

Veja como o antielétron foi detectado em 1932.

Os físicos custaram a descobrir como se monta um antiátomo inteiro. Mas as antipartículas usadas para construí-lo fazem parte da rotina científica desde o início da década de 30. Em 1932, o teórico inglês Paul Dirac previu a existência do antielétron, e apenas dois anos mais tarde o americano Carl Anderson comprovou a teoria. Anderson ainda não dispunha dos grandes tubos a vácuo nos quais, atualmente, partículas comuns são, primeiro, aceleradas e, depois, forçadas a colidir entre si a uma velocidade próxima à da luz. Elas então se desintegram e se recompõem na forma de estilhaços subatômicos. Metade dos quais é antimatéria. Como esse processo só começou a ser usado na época da Segunda Guerra Mundial, Anderson teve que observar o antielétron nos raios cósmicos. São principalmente prótons que viajam, enlouquecidos, entre as estrelas. Vez por outra, explodem nas camadas mais altas da atmosfera, gerando grandes chuveiros de lascas microscópicas. Foi o primeiro contato da humanidade com a antimatéria.

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De Einstein ao anti-hidrogênio

Os passos que levaram à descoberta da antimatéria.

O pai da idéia

Como quase tudo na Física, a existência da antimatéria foi deduzida a partir da Teoria da Relatividade, criada por Einstein em 1905.

Retoques na teoria

Em 1924, o francês Louis de Broglie, aprimorando as fórmulas de Einstein, preparou o caminho para a pesquisa nos anos seguintes.

Inglês genial

Em 1930, o inglês Paul Dirac mostrou que cada partícula deveria ter um par, idêntico a ela mas de carga elétrica oposta.

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Carl Anderson

Em 1932, o americano Carl Anderson detectou um antielétron. Era idêntico ao elétron de carga negativa. Mas tinha sinal positivo.

Walter Oelert

Em setembro de 1995, o alemão Walter Oelert juntou um antipróton e um antielétron e fez o primeiro antiátomo. Um anti-hidrogênio.

A antifábrica americana

Veja como se monta um antiátomo.

Um choque entre partículas subatômicas, como os prótons, sempre gera antiprótons. Um deles é desviado para fabricar um antiátomo.

No mundo louco da Física subatômica, a velocidade do antipróton se materializa na forma de um elétron e um antielétron.

Atraído pelo antipróton, o antielétron passa a formar com ele um antiátomo de hidrogênio.

Ao passar muito perto de um grande núcleo atômico, o antipróton perde velocidade, ou seja, energia, que vai ser aproveitada em seguida.

Para desintegrar as distâncias

Na Órion-Medusa, os motores queimam antiprótons.

Para reduzir custos, no motor da Órion a massa de antiprótons seria bilhões de vezes menor que 1 grama. Mesmo assim, daria um reforço às reações nucleares que impulsionam a nave.

O simples contato entre matéria e antimatéria faz com que a massa de ambas vire energia. Meio grama de cada libera o dobro da força produzida pela bomba atômica que destruiu Hiroshima. Para se ter uma idéia do desafio enfrentado pelos projetistas, estima-se que o custo de produção de 1 micrograma de antimatéria, hoje, seria de 100 bilhões de dólares. Veja aqui como um novo projeto de nave espacial, a Órion-Medusa, tenta resolver esse problema.

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