O que Maomé?
Maomé era fã de Jesus Cristo e fundou uma religião que hoje só perde para o próprio cristianismo em número de fiéis
Claudio Angelo
Maomé fundou o islamismo de modo dramático: atacou Meca, a sua cidade natal (hoje, por isso mesmo, cidade considerada sagrada por seus seguidores) em aliança com os judeus (hoje, curiosamente, inimigos mortais dos mesmos muçulmanos). Havia 622 anos, Jesus tinha nascido. Maomé tinha 52 anos e seis filhos – todos de sua única mulher, Cadija, morta três anos antes. Foi um homem monogâmico em uma cultura que lhe dava o direito de ter uma companheira e mais vinte concubinas. Depois da morte de Cadija – sem a qual jamais teria sido o líder que se tornou –, decidiu lançar mão de sua prerrogativa de homem árabe: casou-se de novo e chegou a ter três mulheres ao mesmo tempo. Uma delas esposada aos 9 anos.
Para conquistar Meca, Maomé enfrentou a poderosa aristocracia comercial da cidade, a mais rica e mais importante de Hijaz, nação que hoje corresponde à Arábia Saudita. Meca não chegava a ser uma capital porque o mundo árabe se organizava em tribos independentes. Não havia governo unificado nem religião própria. Muitos árabes eram cristãos. A maioria seguia doutrinas antigas, vindas do Egito e da Pérsia. A confusão espiritual era tão grande que, só em Meca, se adoravam 360 deuses. Parece que Maomé enxergou aí uma oportunidade. E tratou de vender entre os árabes uma postura contrária ao politeísmo.
Para tanto, Maomé inspirou-se no cristianismo e no judaísmo, cuja idéia central era a existência de um deus único. Surgia ali Alah, o Criador, ao qual todos deveriam demonstrar “submissão” (em árabe, Islã). Maomé admirava Abraão, Jesus Cristo e a sua mãe, Maria. Simpatizava com o monoteísmo desde a juventude pobre. Ainda menino, Maomé perdeu os pais. Foi educado por um tio e acabou se tornando, a exemplo do seu tutor, condutor de caravanas. Foi assim que conheceu Cadija, mulher rica, que o contratou para levar mercadorias à Síria. Casaram-se – ele com 25 anos, ela com 40, viúva –, e Maomé tornou-se rico.
Maomé sabia que seria perseguido pelos aristocratas de Meca se tentasse mudar os costumes. Cimitarras tirariam a sua cabeça de cima do pescoço se ele não tirasse logo da cabeça aquelas idéias sobre monoteísmo. É aí que Cadija começa a exercer o seu papel histórico. Sua inteligência e coragem foram virtudes decisivas quando, em 610, Maomé começou a disseminar as suas idéias – ou a palavra de Alah, como você preferir – e atrair ódio e perseguições. (É curioso que a relevância de Cadija não tenha garantido melhor lugar para as mulheres árabes.) Em 617, seus poucos seguidores, enxotados de todos os lugares, foram forçados a se refugiar em um bairro afastado de Meca, logo cercado por guardas e espiões dos aristocratas e transformado em um bunker. Esses primeiros muçulmanos ficaram cinco anos cercados, recebendo comida por contrabando. O cerco e as adversidades esgotaram a saúde de Cadija, levando-a à morte, conta a historiadora americana Karen Armstrong, biógrafa de Maomé, pouco antes de o grupo de Maomé fugir de Meca, em 622. Essa fuga dramática, a hégira, tornou-se a data inicial da nova religião e o ano zero do calendário muçulmano.
Maomé e seus seguidores se refugiaram em Yathrib, atual Medina. Ali o futuro líder dos árabes se preparou para voltar a Meca e subjugar os aristocratas da cidade. Apesar da perseguição, Maomé foi aos poucos conquistando os corações e mentes do povo. Muitos dos moradores de Yathrib eram judeus e,
ˆportanto, monoteístas como Maomé. Ou seja: solo fértil para a mensagem do Islã, que começou a crescer. De fato, as orações islâmicas, que hoje são feitas com o rosto voltado para Meca, eram na época dirigidas a Jerusalém, cidade sagrada dos judeus. Em 625, Maomé deflagrou a guerra contra Meca, que terminou dois anos depois com a vitória dos muçulmanos.
Não demorou para Maomé provar que era um dos grandes líderes da História. Com seu carisma e sua vocação para o poder, dez anos depois de subjugar Meca, todas as tribos de Hijaz estavam reunidas sob o seu governo. E vinte anos depois da sua morte, aos 62 anos, em 632, o novo Estado já havia crescido e derrotado os dois maiores impérios vizinhos, o bizantino e o persa. Menos de 100 anos depois de fundar o Islã, o território muçulmano tinha 4 000 quilômetros de extensão – os seguidores de Maomé se estendiam da Líbia, no Mediterrâneo, até o Irã, na Ásia.