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O trem na pista de decolagem

A linha inaugural do Maglev japonês, capaz de flutuar sobre um colchão magnético, começa a realizar as ousadas promessas dos supercondutores, fios onde a eletricidade corre sem resistência e sem perder energia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 31 out 1991, 22h00

Flávio Dieguez

A série de desenho animada Jetson’s, grande sucesso da televisão nos anos 60, popularizou a idéia de que, no futuro, cada família teria o seu próprio carro voador com o qual chegaria a qualquer local em vias expressas traçadas em pleno ar. Mas a concepção moderna vem ganhando contornos bem diversos: dá-se mais valor aos transportes coletivos, como trem e o metrô, do que ao pouco prático carro de família. Os próprios aviões quando se consideram as complicada instalações necessárias ao pouso e à de colagem, têm um espaço interno bastante acanhado. Tanto que, se depender do empenho dos japoneses, boa parte da aeronaves será aposentada nos próximos anos, cedendo lugar aos primeiro trens voadores da história.

Capazes de levitar sobre um colchão magnético, essas máquinas empregam inovadora tecnologia dos supercondutores—fios que transportam eletricidade sem resistência, ou seja, sem que a energia da corrente elétrica seja dissipada na forma de calor. Esse fenômeno ocorre apenas em certos materiais e assim mesmo quando submetidos a temperaturas próximas do zero absoluta. Mas a economia que propiciam, comparados aos condutores comuns, é enorme, sem contar que com que eles. podem projetar equipamentos sem precedentes. Uma ilustração simples são a bobinas magnéticas, comuns em motores e geradores de todos os tipos: como sua fiação se aquece muito pouco, pode se tornar muito mais compacta e gera potência bem maior.

São justamente bobinas desse tipo que fazem voar o trem japonês. Conhecido pelo nome Maglev— sigla inglesa para levitação magnética— ele já está voando há vários anos em pistas experimentais. Desde o final do ano passado, no entanto, tomou-se decisão de construir o novo sistema de transportes, a cargo do IPTF, Instituto de Pesquisas Técnicas Ferroviárias uma empresa privada. Na mesma época começou a ser construída a linha inaugural entre as cidades de Kofu e Yamanashi a cerca de 100 quilômetros de Tóquio. Nessa acidentada região 80% da via férrea, de 43 quilômetros estará sob túneis, o que exigirá o máximo da aerodinâmica do trem.

O motivo é que a imensa força do ar, comprimido pela aproximação do Maglev a 500 quilômetros por hora, poderia facilmente arrancá-lo dos trilhos. Daí sua geometria afiada, quase como uma agulha -um corte transversal em sua fuselagem mostraria que ela ocupa apenas 12% da área do túnel, enquanto os trens convencionais ocupam pelo menos 22%. Resolvido por ora, esse problema fundamental deverá ocupar os projetistas que procuram ampliar os horizontes das novas ferrovias. Sem a resistência do ar, prevê-se que a velocidade dos trens voadores romperá a barreira dos 1 000 quilômetros horários: Especulações sobre como viabilizar tais sonhos povoam a mente de vários cientistas e engenheiros.

Imagina-se, por exemplo, um tubo estanque de metal, quase destituído de ar, dentro do qual as composições magnéticas” deslanchariam desimpedidas. O especialista alemão Gerard O’Neill calculou como seria uma viagem em tal via expressa, num trajeto equivalente à rota São Paulo-Rio de Janeiro: ela levaria apenas 10 minutos, a uma velocidade média de 3 000 quilômetros por hora, e gastaria menos energia do que se pode obter com 1 litro de gasolina. Não se trata, é certo, de um estudo para valer, mas apenas de um exercício preliminar. Serve, no entanto, para mostrar as possibilidades das novas idéias. O fato é que mesmo no estágio atual, de 500 quilômetros horários, o impacto do Maglev será formidável.

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A tendência atual em favor do transporte ferroviário já é bem clara—nos últimos meses, a Inglaterra, a Espanha e os Estados Unidos decidiram equipar algumas linhas de meia distancia com o trem francês TGV. Embora não seja magnético o TGV move-se entre 270 e 310 quilômetros horários, o que o torna um respeitável concorrente dos aviões. No caso da máquina japonesa, as vantagens são ainda maiores. Os técnicos do IPTF fizeram a comparação crucial do consumo de energia para a rota Tóquio-Osaka, de aproximadamente 500 quilômetros, e concluíram que o Maglev será duas vezes mais econômico que o avião. Além disso, a viagem terá a mesma duração, pois, apesar de o vôo ser feito a 900 quilômetros horários, é preciso computar o tempo gasto para embarcar, bem maior no caso do avião.

Apenas em trajetos muito longos, as linhas aéreas são hoje consideravelmente mais rápidas. Os técnicos também chamam a atenção para uma série de outras vantagens do Maglev, como a segurança, o conforto e os reduzidos danos ao meio ambiente. Afinal, ele voa, mas apenas a 10 centímetros do solo, e é puxado por um motor eletromagnético tão silencioso e inofensivo quanto um ímã atraindo um pedaço de metal. “Não há dúvida de que a decisão de construi-lo é um fato marcante no campo da tecnologia”, saúda o físico brasileiro Roberto Nicolsky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde é líder do grupo de pesquisas de supercondutores.

O seu ramo não é propriamente o dos meios de transporte, mas sim a aplicação à eletrônica. E os materiais que estuda são muito mais refinados que as ligas empregadas nas bobinas do Maglev, feitas de nióbio-titânio. Mas Nicolsky acredita que a tecnologia avançará por uma estrada de duas pistas, empregando supercondutores mais e menos refinados. A característica crucial das ligas de nióbio-titânio é que só se tornam supercondutoras quando mergulhadas em hélio líquido, a menos 262 graus C, cerca de 11 graus acima do zero absoluto (ou 11 kelvins, como preferem os físicos).

Isso constitui problema porque o hélio é raro e extremamente volátil— difícil de manter nos mais bem vedados vasilhames. Assim, ele restringe o uso dos supercondutores, até hoje, a alguns instrumentos científicos e aparelhos médicos, como os tomógrafos. O trem japonês é o primeiro sinal de que essas fronteiras podem se ampliar em grande escala. A partir de 1986, porém, surgiram materiais, antes inconcebíveis, que passam a conduzir eletricidade sem perda de energia a apenas 148 graus negativos (ou 125 kelvins, valor que se obtém subtraindo 148 de 273). Parece ainda muito frio, mas temperaturas dessa ordem podem ser obtidas sem ajuda da hélio: basta usar o nitrogênio liqüefeito, elemento mais comum e menos volátil que acaba custando mil vezes menos que o seu antecessor.

Esses novos supercondutores, descobertos pelos pesquisadores George Bednorz e Alex Müller, da IBM Suiça, eram curiosamente semelhantes às cerâmicas, que, em geral, não conduzem eletricidade. Hoje, numa definição mais rigorosa, eles são classificados como óxidos metálicos. O sonho dos pesquisadores, nos últimos cinco anos, tem sido encontrar supercondutores realmente “quentes”, que mantenham suas propriedades à temperatura ambiente. Parece difícil chegar lá, embora, no principio, o termômetro tenha subido rapidamente de 30 kelvins até 125 kelvins, o recorde atual. Mesmo assim, em outros aspectos as pesquisas revelam novidades cada vez mais animadoras.

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Um exemplo são as correntes elétrica que se podem impor aos supercondutores, cujo valor foi multiplicado diversas vezes, nos últimos anos. Agora, alcançam 100 000 ampères em cada centímetro quadrado de um supercondutor-densidade equivalente ou superior àquelas encontradas nos aparelhos elétricos comuns. Esse progresso deve-se às mudanças na composição dos óxido metálicos. Desde o principio, eles se caracterizaram por conter átomos de cobre e oxigênio em sua estrutura molecular. Mas, nas primeiras substâncias descobertas a estrutura era completada pelos elementos Trio e bário, enquanto as vedetes atuais apresentam os elementos bismuto, estrôncio e cálcio.

Surgiram novidades também na construção de equipamentos reais com os supercondutores, em vez de meras amostras de laboratório. São, certamente, máquinas modestas, como, por exemplo, um acumulador de energia elétrica inventado pelo físico Masato Murakami, do Centro Internacional de Pesquisa em Tecnologia de Supercondutores, Tóquio. Trata-se de um disco metálico equipado com imãs comuns e instalado junto de uma bobina. Esse arranjo é muito parecido com um convencional motor elétrico porque, quando a bobina é ligada à tomada, o disco gira à razão de 3 600 rotações por minuto. Mas não se trata de um motor: a função do disco é transformar energia elétrica em energia mecânica de rotação e assim conservá-la para uso posterior.

É claro que isso não funcionaria se o disco estivesse preso a um eixo, pois o atrito logo dispersaria a energia em forma de calor. No esquema de Murakami, porém, os imãs fazem o disco flutuar sobre uma placa supercondutora, resfriada a 77 kelvins. Assim, depois de uma carga inicial de eletricidade, afasta-se a bobina e o disco conserva a rotação por um tempo teoricamente indefinido. Para retirar energia, basta reaproximar a bobina desligada: o movimento dos imãs cria corrente em seus fios, e ela se torna um gerador de eletricidade. Não se trata de mágica: a energia que se obtém ao final é apenas aquela que havia sido introduzida, num primeiro momento. Na prática, mesmo nos supercondutores existe alguma perda, mas em períodos não muito longos ela é desprezível.

Em vista disso, equipamentos como esse seriam muito úteis nas hidrelétricas, que trabalham a maior parte do tempo com excesso de produção; a eletricidade acumulada nessa fase poderia ser distribuída nos horários de pico do consumo. O modelo de Murakami é ainda um protótipo, mas o próximo passo, diz ele, é construir um acumulador de 500 quilos e 3 metros de diâmetro. “Assim se poderiam armazenar 10000 quilowats-hora de energia.” Inventos parecidos pipocam em todos os laboratórios do mundo desenvolvido. Há alguns meses, no entanto, surgiu uma nova substância que suplantou em brilho tudo o que se fazia no mundo dos supercondutores. Trata-se da bola de carbono, cuja molécula tem o curioso formato de uma cúpula geodésica— por isso, em homenagem ao inventor dessas cúpulas, Buckminster Fuller, ganhou o apelido de buckminsterfulereno ou apenas buckybola

Os 60 átomos de carbono se ajustam tão bem a essa estrutura que ela age como um átomo gigante, compara o químico Richard Smalley. da Universidade Rice, em Houston, Estados Unidos. Entre suas propriedades mais marcantes está uma grande resistência à compressão: mesmo depois de esmagada a quase um décimo do volume original recompõe-se por completo. Também pode ser ampliada, o que talvez melhore sua estrutura—os alemães Dirk Bakowies e Walter Thiel, da Universidade de Wuppertal, conseguiram moldar geodésicas de até 540 átomos de carbono. Ainda modesta como supercondutora, pois adquire essa propriedade a 45 kelvins, bem abaixo de outras substâncias, a buckybola parece guardar um importante trunfo na manga: composta de moléculas esféricas, conduz eletricidade igualmente bem em qualquer direção. Nos óxidos metálicos, em vez disso, a eletricidade caminha numa certa direção, preferencialmente, e ignora as outras.

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Por isso, é difícil moldá-los na forma exigida pelas aplicações práticas, como fios, placas e outras. Algumas medidas preliminares indicam que a buckybola pode superar seus similares em termos de corrente. “Ela é tão boa ou melhor que os outros supercondutores”, aposta o físico americano Karoly Holczer, da Universidade da Califórnia. Tudo isso parece muito distante do trem japonês. Dentro de uns poucos anos, porém, ele poderá muito bem estar funcionando com bobinas construídas a partir de buckybolas. Pelo menos essa é a estratégia que os japoneses—e também os europeus—deixam entrever em suas atitudes. De um lado, procuram dominar a tecnologia básica dos supercondutores de alta temperatura.

Mas. ao mesmo tempo, empenham-se em criar produtos acabados, o que só se pode fazer com matéria-prima mais convencional, as ligas de nióbio-titânio. Assim, quando a nova tecnologia sair do casulo, será fácil transplantá-la para esses produtos. É verdade que os Estados Unidos perseguem uma trilha diferente —uma agressiva estratégia de pesquisa que permitiria dominar. dentro de cinco anos, e de uma vez só, a tecnologia básica e suas possíveis aplicações. Naturalmente. é impossível saber quem está com a razão. Mas uma coisa é certa: os supercondutores voltaram à crista da onda para ficar. E há pouca dúvida de que, no prazo estipulado pelos especialistas americanos, inúmeras mudanças, para melhor, sacudirão a economia dos países e a vida das pessoas.

 

 

 

 

 

Para saber mais:

Fio maravilha

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(SUPER número 1, ano 1)

 

Trens a jato

(SUPER número 4, ano 3)

 

 

 

 

Surfe em ondas eletromagnéticas

O Maglev se move, por incrível que pareça, de acordo com o mesmo principio que permite a um surfista se deslocar sobre as ondas do mar. Mas a onda que impulsiona o trem é muito diferente das ondas do mar. A seguir, o físico Roberto Nicolsky da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica em detalhe como funciona essa nova e promissora tecnologia.

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“A propulsão magnética é obtida por uma interação entre dois tipos de bobinas. O primeiro tipo é o das bobinas supercondutoras instaladas no próprio trem e resfriadas em hélio líquido, a 4,2 kelvins. O segundo tipo é composto por uma camada de bobinas comuns, fixadas ao longo das calhas laterais da via férrea. Estas últimas, quando energizadas por corrente elétrica, tornam-se capazes de exercer força sobre ímãs ou outras bobinas. O campo magnético responsável pela força de cada bobina é de 5 teslas, mais de 100 000 vezes mais intenso que o campo da Terra. Uma bobina de propulsão situada à frente do trem atrai sua primeira bobina supercondutora e põe os carros em movimento (figura 1).

É importante notar que a segunda bobina de propulsão repele a primeira bobina do trem: mas como está um pouco atrás desta última, reforça o movimento à frente. Isso acontece porque a corrente gira num sentido na primeira bobina, e em sentido oposto na segunda. Em outras palavras, elas têm polaridade oposta e criam forças em sentidos opostos. Tanto na via férrea como no trem, cada bobina tem polaridade invertida com relação às suas vizinhas imediatas. Pode-se pensar que haveria problema quando o trem avançasse um pouco: nesse caso, sua primeira bobina ficaria atrás de uma bobina que a repele e à frente de uma bobina que a atrai. O trem tenderia a mover-se para trás.

Isso só não acontece porque a polaridade das bobinas é invertida de forma regular, alterando continuamente o sentido das forças. As inversões constituem uma onda propagando-se ao longo da via, e quando são muito freqüentes, aceleram o trem; para freá-lo, basta reduzir a freqüência das inversões. De modo bem diverso funciona o sistema de levitação e guia do trem, pois então as bobinas supercondutoras interagem com outras bobinas. Situam-se na parte externa da calha, enquanto as bobinas de propulsão ficam na parte interna (figura 2). Além disso, não têm energia própria: são as bobinas supercondutoras que, ao se moverem junto com o trem, induzem corrente nelas. Trata-se da mesma lei física que rege o funcionamento de um gerador de Itaipu ou de um alternador de carro.

Essas bobinas “inertes” têm a forma de um oito e a parte superior do oito tem polaridade oposta à da parte inferior. O trem, inicialmente, se move sobre rodas e sua bobina supercondutora fica bem à altura mediana do oito. Nesse caso, não há indução de corrente, nem força de re-ou atração Mas pulsão ou atração. Mas quando o trem atinge os 100 quilômetros horários e recolhe as rodas, ele tende a aproximar-se do solo. Esse movimento com relação ao oito é que induz corrente na bobina de levitação. Como a corrente sempre é criada de forma a cancelar o efeito que lhe deu origem, ela gera forças que reconduzem o trem à sua posição original. Um sistema similar mantém a composição no centro da calha em que se move (figura 3). Se o veículo tende a um dos dois lados da calha, as forças magnéticas criadas pela indução se opõem ao desvio e restauram o alinhamento.”

 

 

 

 

 

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