Oportunidades no espaço
Faz muitos anos, o governo brasileiro decidiu que construiria um pequeno satélite e um foguete lançador para pô-lo em órbita. Completados os primeiros estudos e iniciado o projeto, o lançamento foi programado para 1989. Estamos em 1992, e o satélite continua no chão. O projeto fracassou?
Aydano B. Carleial
Já era sabido, desde 1986, que não seria possível terminar o foguete no prazo, mas apenas o satélite. Certas autoridades, contudo, mantiveram isto em segredo, escondendo os fatos da sociedade e do próprio governo. No inicio de 1988, propusemos separar os dois cronogramas: dar mais tempo ao foguete, cujo desenvolvimento se revelava demorado e difícil; e lançar o satélite com um foguete estrangeiro, por ocasião do Centenário da República, como forma de ganhar desde logo experiência para desenvolver satélites mais avançados.
Em vez disso, naquele ano do Centenário da Emancipação dos Escravos, as autoridades tomaram uma decisão desastrosa para a tecnologia nacional: o programa de satélites ficaria cativo, não do futuro incerto do foguete, mas de um capricho. Naturalmente a escravidão o satélite de nada aproveitou ao foguete. Quatro anos de abandono encarregaram-se de deixar os dois programas igualmente prostrados.
Mas há esperança. Parece que o atual governo acorda para a importância da tecnologia espacial. Mandou liberar o satélite! (Diz-se que abril, no Bicentenário da Inconfidência, suas antenas transmitiram dentro do laboratório, em binário, aquela bonita frase da bandeira de Minas, Libertas quae será tamen.) Cresce em todo o mundo o interesse por satélites de órbita baixa, para aplicações cientificas, militares e comerciais – justamente o tipo que estivemos aprendendo a fazer. Um novo programa nacional de pequenos satélites, bem administrado, não precisará gastar, de inicio, mais de 20 milhões de dólares por ano, pois já dispomos de quase toda a infra-estrutura necessária. Para que o leitor não duvide: o custo direto o desenvolvimento, construção e testes do nosso primeiro satélite, contando os salários, não chega 15 milhões de dólares. É certo que o Brasil precisará cada vez mais de serviços espaciais. Participando de um programa de satélites nacionais, nossa indústria gradualmente se capacitará a competir no mercado de fornecedores.
“Se o Brasil pretende ir ao espaço sem pedir licença, não pode dispensar um programa de foguetes”
Benefícios semelhantes podem justificar o desenvolvimento de foguetes lançadores nacionais. Como atesta o exemplo da Índia, que recentemente pôs em órbita um satélite as duas tentativas fracassadas e quatro anos de espera, este é um empreendimento mais dispendioso e arriscado. Mas se o Brasil pretende ir ao espaço sem pedir licença, não pode dispensar um programa de foguetes. Uma vez decidido isso, precisamos estabelecer metas viáveis e prazos e competitividade. Um lançamento de um satélite de 200 quilos pelo Pegaus ( um foguete em fase de aperfeiçoamento) custa menos de 10 milhões de dólares. O mesmo lançamento por foguetes mais antigos anda por volta de 12 milhões. Então uma meta razoável para o lançador brasileiro seria um custo marginal (amortizado) de 50000 dólares por quilo de satélite posto em órbita baixa,.
Tenho convicção de duas coisas. Primeiro, de que ainda podemos mobilizar suficientes para desenvolver um lançador nacional confiável, sem compras mirabolantes de tecnologia estrangeira, partindo dos resultados já obtidos, com um dispêndio adicional e algumas centenas de milhões de dólares, a maior parte aplicada na nossa indústria. Segundo, de que nada disto será conseguido sem supervisão do governo, apoio da sociedade bem informada e adoção de métodos gerenciais compatíveis com um grande projeto espacial.
Aydano B Carleial é Ph.D pela Universidade de Stanford e trabalha na engenharia de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).