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Planetas anões na mira das viagens espaciais

Os asteróides começam a chamar a atenção dos astrônomos e tornam-se alvo das viagens espaciais ¿ não só porque podem atingir a Terra com efeito devastador, mas também porque guardam segredos sobre a origem dos planetas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 jul 1991, 22h00

Carl Sagan

Estamos acostumados a imaginar a Terra solitária na vastidão do espaço. Mas existe em seus arredores imensa quantidade de corpos, com dimensão de alguns milímetros ou até de dezenas de quilômetro. Os menores, chamados meteoritos, são incontáveis e caem sobre o plante a uma taxa de 10 000 toneladas ao ano. Com velocidade média de 150 000 quilômetros por hora, são consumidos no atrito com a atmosfera. Mas os corpos maiores, os asteróides, são outra conversa. Só a partir da década de 70 se descobriu que muitos asteróides cruzam a órbita terrestre. Apenas entre aqueles que têm mais de 1 quilômetro de diâmetro já foram catalogados 170 e, no total, imagina-se que a Terra a cada 300 000 anos, mas colide com força descomunal, afirma os astrônomos americanos Clark Chapman, do Instituto de Ciência Planetária, e David Morrison, da agência espacial NASA. Eles avaliam que tal impacto teria energia de 100 000 meganuclear existente.

Em vista disso, nos últimos anos, os asteróides de órbita próxima têm sido mais bem estudados. Em janeiro deste ano, por exemplo, os astrônomos conseguiram flagrar um mundinho de apenas 6 metros de comprimento, que passou a menos da metade da distância entre a Terra e a Lua (380 000 quilômetros). Apesar de pequeno, ele viajava com energia equivalente a 1 000 megatons. Em outubro próximo, a nave Galileu fará inédita visita ao asteróide Gaspra e poderá revelar alguns segredos dos micromundos – descritos pelo astrônomo Carl Sagan no didático e saboroso texto a seguir. Ele diz que as pesquisas atuais ainda são tímidas. Afinal, os asteróides podem ser vizinhos da Terra há bilhões de anos e, um dia, terão com ela um novo encontro.

Quando o sábio italiano Galileu Galilei empregou pela primeira vez um telescópio astronômico para observar Saturno – então o mais distante planeta conhecido -, descobriu que se tratava de um mundo muito peculiar. Tinha forma circular, mas com dois apêndices laterais, que o cientista comparou a “maçanetas” e outros astrônomos, a “orelhas”. O Cosmo ostenta muitas maravilhas, mas um planta com orelhas era espantoso, e até sua morte Galileu não soube a resposta para esse bizarro enigma. Nos anos posteriores. Observou-se que as orelhas às vezes se encolhiam, e em seguida, se ampliavam. Ficou claro que Galileu, na verdade, descobrira finíssimos anéis que, sem tocar em Saturno em nenhum ponto, o circundavam à altura do equador.

Sabe-se agora que os anéis são formados por uma vasta horda de minúsculos mundos, cada um dos quais seguindo sua própria órbita em torno de Saturno. Em tamanho, esses corpúsculos variam de grão de pó a “casas” inteiras. No espaço, tomam a forma de um elaborado conjunto de anéis concêntricos, achatados – revelados em toda a majestade, pela primeira vez, pelas duas naves americanas Voyager, em 1980 e 1981. Posteriormente, as mesmas naves mostraram que todos os planetas gigantes – Júpiter, Saturno, Urano e Netuno – são dotados de anéis. Em Júpiter, eles se compõem basicamente de partículas escuras, rarefeitas como fumaça de cigarro.

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Em Saturno,, os anéis são brilhantes e têm como principal componente água gelada, em forma de pedras ou de neve. Em Urano, existem nove anéis escuros que parecem feitos de carbono e moléculas orgânicas, algo como carvão ou cinza de chaminé. Vez por outra, alguns deles parecem respirar, em expansões e contrações sucessivas. Os anéis de Netuno, finalmente, são os mais tênues de todos, e sua largura varia tanto que, vistos da Terra, se mostram como grandes arcos, ou círculos incompletos. Imagina-se, atualmente que, num passado remoto, mesmo a Terra, Marte e outros planetas menores tinham anéis.
Existem duas hipóteses sobre a intrigante origem desses fenômenos. A primeira está ligada a marés – distorções provocadas por um grande planeta sobre um corpo menos, como uma lua.

Esta, quando está muito próxima do planeta, é atraída de maneira desigual: sua metade mais próxima é puxada com mais força que a metade mais distante, de modo que a lua pode ser rasgada em duas ou estilhaçada. A outra hipótese é que os anéis tenham se formado durante a colisão de dois mundos. O espaço entre os planetas é bastante propício a tais eventos, pois é ocupado por uma incrível coleção de pequenos mundos.

Perambulando em órbitas solitárias, em torno do Sol, alguns desses corpos têm a dimensão de um município ou mesmo de um Estado, e muitos têm área equivalente à de uma vila. De modo geral, os grandes são menos numerosos que os pequenos, e estes podem ter dimensões menores que as de uma partícula de poeira. Suas órbitas, muitas vezes, têm a forma de elipses extremamente alongadas e, em alguns casos, cruzam a órbita de um ou mais planetas. Ocasionalmente, deparam com uma lua em seu caminho.

Então, o choque pode esmagar e pulverizar tanto o intruso como uma grande área da lua atingida. Os estilhaços resultantes, naturalmente, serão feitos do mesmo material que compunha os corpos originais, mas geralmente a maior parte virá da lua alvo. Toda a massa dos anéis de Saturno pode ter se originado da pulverização de uma lua gelada. A desintegração de luas menores talvez explique também os anéis dos outros três planetas gigantes. Se a lua não estiver muito próxima do planeta que órbita, os seus pedaços – ou boa parte delas – voltam gradualmente a se reagrupar. Grosso modo, depois do choque, os estilhaços tendem a manter-se na órbita do corpo original.

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Assim, em seguida, eles tornam a soldar-se, mas de maneira aleatória: partes da antiga superfície da lua vão parar no interior do novo conglomerado e vice-versa. A face do corpo resultante, em vista disso, ganha aparência realmente bizarra. Um exemplo é Miranda, uma lua de Urano cuja superfície tem a intrigante aparência de uma colagem. Provavelmente, ao longo da história de 4,5 bilhões de anos do sistema solar, muitas pequenas luas devem ter sido destruídas e reconstituídas diversas vezes – mundos reciclados, capazes de renascer das próprias cinzas, como a lendária ave fênix.

Por outro lado, se uma lua for pulverizada bem perto de um planeta, não poderá ser recomposta, pois estará sob a ação desintegradora da maré gravitacional. Destroçada, seus cacos serão espalhados ao longo da órbita na forma de anel por um longo tempo. É importante lembrar que, a cada impacto, há um projétil a menos no espaço. Portanto, pelo simples fato de ter havido muitas colisões no passado, já quase não existem andarilhos. Além disso, muitos dos que restam encontram-se em órbitas circulares – não cruzam a órbita de outros planetas e têm pouca chance de atropelá-los. Mas, aqueles que têm rotas fortemente elípticas, mais cedo ou mais tarde acabarão topando com outro corpo ou serão ejetados do sistema solar.

A partir da grande quantidade de crateras observadas na Lua, por exemplo, é possível concluir que em épocas anteriores havia mais planetóides do que hoje, nas vizinhanças do que hoje, nas vizinhanças da Terra. Estima-se que há 4 bilhões de anos a taxa de colisões era centenas de vezes maior que atualmente e há 4,5 bilhões de anos, 1 bilhão de vezes maior. Embora não se vejam muitas crateras na Terra, ela deve ter sido tão duramente castigada como qualquer outro planeta. Suas marcas no entanto, foram desfiguradas pelos movimentos geológicos do planeta e aplainadas pela erosão. Apesar disso, talvez um dos vestígios mais evidentes desse passado turbulento seja a própria Lua: ela teria sido expelida da massa da Terra devido ao impacto de um corpo do tamanho de Marte, há mais de 4 bilhões de anos. Parte da decrescente provisão de planetóides recebe o nome de asteróides – minimundos concentrados numa órbita própria em torno do Sol, entre Marte e Júpiter. Outra parte pertence à classe dos cometas e um terceiro grupo transformou-se em pequenas luas. Mas essas categorias são arbitrárias – o que se nota ao examinar mais de perto os planetóides. Entre os asteróides, por exemplo, encontram-se tanto corpos rochosos quanto metálicos, ou formandos por matéria orgânica. Os astrônomos costumavam imaginá-los como restos de algum planeta demolido, mas agora está surgindo uma idéia diferente: o sistema solar, um dia, esteve repleto de asteróides e foi a partir deles que se formaram os planetas.

O problema é que nas proximidades de Júpiter eles jamais puderam soldar-se num único bloco devido à portentosa força gravitacional desse planeta. Assim, inverte-se o raciocínio anterior> em vez de serem restos de um mundo preexistente, asteróides são pedaços de um planeta que nuca chegou a existir. Há asteróides que, à maneira dos cometas, chega, ocasionalmente, a expelir baforada de gás e até esboçam curtas caudas temporárias. Também há pequenas luas, atualmente presas em órbitas planetárias, que são, provavelmente, cometas ou asteróides capturados. Os dois satélites de Marte e os satélites mais distantes de Júpiter podem ser desse tipo.

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Montanhas cósmicas

Os asteróides foram descobertos no começo do século XIX, após uma busca inspirada por motivos teóricos. O problema é que os planetas espaçam-se regularmente a partir do Sol e, seguindo essa regra,, parece faltar um planeta entre Marte e Júpiter, que guardam entre si distância maior que o esperado. Assim, verificou-se que justamente no lugar desse mundo ausente há colossal massa de rochas. Dispersas na forma de um anel em torno do Sol, elas formam o chamado Cinturão de Asteróides. Tem-se a impressão de ver fragmentos de um mundo espalhados ao longo de sua antiga órbita. O primeiro asteróide a ser encontrado, em janeiro de 1801, pelo astrônomo italiano Giuseppe Piazzi, foi Ceres.
Rocha formidável de 1 000 quilômetros de diâmetro, distante 420 milhões de quilômetros do Sol (e 270 milhões de quilômetros da Terra), Ceres ocupa exatamente a posição em que deveria existir um planeta, de acordo com a regra de espaçamento do Sol.

Mas sua massa é pequena, bem inferior à de Mercúrio, o menor dos planetas. E mesmo que se reunissem todos os asteróides sua massa total mal chegaria ao dobro da de Ceres Isso significa que os corpos pequenos são muito mais numerosos que os grandes, na seguinte proporção: se um deles tem 1 000 quilômetros de diâmetro, então existem 100 asteróides com 100 quilômetros. Em outras palavras, se o tamanho diminui dez vezes, a quantidade cresce 100 vezes. E mesmo essa fórmula é apenas aproximada, pois indica que haveria vinte asteróides com a metade do tamanho de Ceres, mas, entre os milhares de corpos já observados e catalogados, apenas dois têm diâmetro acima de 500 quilômetros.

No que diz respeito às diferenças, os cometas têm órbitas muito mais elongadas que os asteróides – é isso que lhes permite, vez por outra, visitar a Terra. Em termos de composição, os cometas são feitos basicamente de gelo, misturado a pequenas porções de rocha e material orgânico. Ao ser aquecido, o gelo vaporiza e forma longa e graciosas caudas, estiradas por força de partículas elétricas e radiação provenientes do Sol. O preço de repetidas visitas a essa central energética é a perda constante de vapor, e o que resta são rochas e matéria orgânica sem atividade. Não é raro um cometa partir-se em milhares de pequenos pedaços.

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A terra, de fato, cruza a órbita de alguns cometas em desintegração e, cada vez que uma partícula do tamanho de um grão de areia penetra na atmosfera, aparece na forma fulgurante de um meteoro ou “estrela cadente”. O motivo é que, embora pequenas, as partículas têm velocidade altíssima e, em atrito com o ar, queimam-se com violência. A beleza desse espetáculo é, portanto, um alerta: os demolidores de mundos são companheiros maiores desses grãos. Nesse caso, alguns asteróides representam ameaça semelhante à dos cometas, pois têm órbitas incomumente próximas da Terra. A maior parte tem diâmetro de uns poucos quilômetros e não levam muitos anos para completar uma volta em torno do Sol. Mais cedo ou mais tarde, pelo menos 10% deles devem atingir a Terra, com devastadoras conseqüências. O que vale é que, em Astronomia, “mais cedo ou mais tarde” pode querer dizer bilhões de anos. Supõe-se que um asteróide de 10 quilômetros de diâmetro tenha colidido com a Terra há 65 milhões de anos e foi responsável pela extinção dos dinossauros, assim como de muitas outras espécies. Catástrofes desse porte repetem-se a cada 100 milhões de anos. As colisões com corpos de 1 quilômetro de diâmetro se sucedem a intervalos de pouco mais de 100 000 anos, e de século em século ocorrem choques bem menores – com energia comparável à de um artefato nuclear. Não seria má idéia aprender um pouco mais a respeito dos asteróides de órbitas próximas da Terra…

De vez em quando se ouve falar que um asteróide errou a Terra pó pouco, mas quando a aproximação é de centenas de milhares de quilômetros não há problema. Tais distâncias são muito grandes, além da Lua. No entanto, estima-se em 6 000 o número de asteróides com diâmetro superior a meio quilômetro. Isso dá uma idéia de eventos potencialmente perigosos. Uma maneira de evitar um choque seria transportar um motor de foguete até o asteróide errante e usá-lo para alterar sua trajetória. Isso é melhor do que destruir o asteróide com uma bomba nuclear, e esperar que os pedaços se queimem na atmosfera. Seja como for, antes de tomar qualquer decisão, é preciso saber a direção exata do projétil cósmico. E não se está fazendo um bom trabalho de pesquisa atualmente. Apenas dois programas estão preparados para uma busca de tal amplitude.

Um deles é realizado há vinte anos no Observatório de Monte Palomar, no Estado da Califórnia, sob a direção de cientistas Eleanor Helin, do Laboratório de Jatopropulsão. Eleanor tem apoio financeiro dos membros da Sociedade Planetária, uma organização sem fins lucrativos, sediada em Pasadena, Ca. O outro programa é dirigido pelo casal de astrônomos Eugene e Carolyn Shoemaker. Os asteróides de órbita próxima vêm recebendo nomes de inspiração mitológica: Orfeu, Ícaro, Adônis, Apolo, Cérbero, Midas, Quetzalcóatl. Mas um dos mais interessantes entre eles não tem nome ainda. Registrado pela sigla 1982DB, recentemente ganhou a designação numérica 4 660. O que o torna tão especial? Justamente o fato de ser o mais fácil de visitar. Diversos seres humanos já permaneceram no espaço por períodos mais longos que a duração de uma viagem a esse asteróide. Também já existe a tecnologia de propulsão necessária a essa aventura – um salto muito menor do que uma visita a Marte ou um retorno à Lua.
Uma das melhores oportunidades para iniciar essa missão seria no dia 31 de janeiro do ano 2000. Após uma viagem de dez meses, haveria tempo para ficar trinta dias na superfície do 4 660 e voltar para casa em três semanas, em janeiro de 2001. Seu objetivo seria examinar a forma e a constituição desse astro e trazer amostras de sua massa, pois pode conter recursos de valor comercial. Vale a pena repetir que, interessante por si só, essa viagem também serviria de treinamento para saltos mais ousados, talvez em direção a Marte. Em resumo, seria um meio excelente de retomar com segurança a exploração do vasto oceano cósmico.

Carl Sagan, astrônomo da Universidade de Cornell, Ithaca, Estado de Nova York, e presidente da Sociedade Planetária Parade Magazine, 1991.

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Para saber mais:

Júpiter, Isaac Asimov, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1983

Cara a cara com Halley

Dispersas sobre o solo escuro feito de uma mescla de gelo, minerais e substâncias orgânicas, nove fendas, como bocas de vulcão, cospem gases e jatos de poeira. Os resíduos agitam-se num ambiente abafado, a uma temperatura em torno de 100 graus Celsius. Foi o que a sonda européia Giotto viu na superfície nebulosa do cometa Halley, em 1986. Normalmente, o pequeno núcleo dos cometas esconde-se sob um vasto véu brilhante – a cauda, que no caso de Halley pode ter 100 000 quilômetros de diâmetro. A Giotto, em vista disso, executou um vôo rasante a apenas 500 quilômetros do núcleo. Verificou que ele tem a forma de uma batata gigante, com 15 quilômetros de comprimento e de 7 a 10 quilômetros de espessura. As fendas registradas pela sonda fornecem a matéria-prima para formar a cauda: quando o núcleo sai dos extremos gelados do sistema solar e se aproxima do Sol, o calor aquece suas entranhas, fazendo ejetar os gases e a poeira. “A nave mostrou que o Halley tem a mesma composição básica dos outros corpos do sistema solar”, explica o físico alemão Rudger Reinhard, chefe do Projeto Giotto. “Ele não é um corpo do espaço interestelar capturado pelo Sol.”

Gisela Heymann, de Paris.



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