Sede de conhecimento
A nova pós-graduação, que transforma sua casa ou ambiente de trabalho em sala de aula, está aos poucos se instalando no Brasil - e promete vir para ficar. A nova lei: a instrução não acaba nunca
Cássio Leite Vieira
Hoje, quem ficar parado desaparece. Fale com qualquer analista de recursos humanos e ouça o mesmo conselho: aprenda sempre. Mas aprender e trabalhar quase nunca é uma equação equilibrada. Acordar cedo, ir para o trabalho, dar duro o dia todo, sair, jantar um salgadinho, pegar condução, ir para uma escola noturna e assistir aula é uma maratona que poucos agüentam. O ensino à distância dá uma solução para esse impasse e mais e mais pessoas descobrem que é possível trabalhar e aprender sem que para isso seja preciso afundar no estresse.
E como é a vida em um curso virtual? Parecida com a vida em um curso real, só tirando um ou outro deta-lhezinho. Pense, por exemplo, em uma defesa de dissertação de mestrado, mas com algo peculiar. O candidato está na frente de uma câmera de vídeo numa sala em Recife e a banca de examinadores… em Florianópolis. Familiares, amigos e centenas de interessados assistem à defesa em computadores pessoais. No final, o novo mestre recebe os cumprimentos de todos. Tudo online e em tempo real.
Nos cinco continentes
Os números da educação à distância no mundo já impressionam. Até outubro do ano passado, cerca de 60 instituições no planeta ofereciam, em 40 áreas do conhecimento, doutorados não-presenciais, isto é, o aluno não precisa pisar uma única vez no campus da universidade. Em mestrado, o número de instituições bate em 600, abrangendo 120 áreas. Em muitos desses cursos são aceitos alunos que vivem em qualquer coordenada geográfica do planeta.
Só nos Estados Unidos, no biênio 1997-1998, o número de matrículas em disciplinas à distância chegou a 1,5 milhão, sendo 280 000 delas em cursos de pós-graduação. Em geral, esses programas não fazem distinção entre ensino presencial e não-presencial. Ou seja: os diplomas são idênticos, “porque essas instituições consideram a educação à distância de qualidade igual ou superior à presencial”, diz Ricardo Miranda Barcia, diretor geral do Laboratório de Ensino à Distância da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Doutorado via rede
No Brasil, as iniciativas nasceram por volta de 1995. Coincidência ou não, é a época em que a internet pública se instalou em todo o mundo. A oferta se estende de cursos livres e de curta duração, do tipo “como empregar a crase”, à pós-graduação pesada, com obrigatoriedade de defesa de tese.
A principal iniciativa no Brasil é o Laboratório de Ensino à Distância da Universidade Federal de Santa Catarina (LED). Ele oferece cursos que vão da capacitação ao doutorado em engenharia de produção e áreas afins (ver “Brasil de Primeiro Mundo”).
Na área de biológicas, a tradição fica com um homônimo: o Laboratório de Ensino à Distância, da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Responsável pela Unifesp Virtual (www.virtual.epm.br), o laboratório é um desdobramento das experiências feitas ainda em meados da década de 1980 pelo Departamento de Informática em Saúde da EPM.
Entre os vários cursos de especialização oferecidos pela Unifesp Virtual, os mais procurados são os de dermatologia, bioestatística e dependência química. Cada curso tem seus pré-requisitos especiais e os candidatos passam por uma entrevista que pode ser feita, por exemplo, via correio eletrônico. Esses cursos custam, em média, 400 reais mensais e podem durar até um ano. Já os de atualização podem ser gratuitos ou custar 100 reais por mês, com duração de um a dois meses.
Apesar de usar páginas na Web, listas de discussão, chats, e-mail, vídeos, CDs, textos impressos e teleconferência, o LED paulista não fica apenas na tecnologia, no novo pelo novo. É preciso saber ensinar com essas novas ferramentas. Como ressalta Monica Parente Ramos, coordenadora do laboratório, “estamos mais preocupados com a metodologia envolvida nos cursos e não apenas com os recursos tecnológicos”.
Para todas as tribos
Para enfrentar os desafios da educação à distância, cerca de 60 instituições públicas de ensino superior formaram a Unirede, sigla para Universidade Virtual Pública do Brasil. A idéia é, além de oferecer cursos, desenvolver novas metodologias que possam contribuir para aprimorar o ensino à distância.
A Universidade Virtual (www.universidadevirtual.br), ligada à Universidade de Brasília e uma das consorciadas da Unirede, já oferece cursos de extensão em saúde, educação, administração e filosofia.
Apesar de estabelecida há pouco mais de meia década no país, a temática dos cursos à distância já é razoavelmente variada. Por exemplo, pode-se encontrar desde uma pós-graduação em moda na Universidade Interativa Anhembi Morumbi (www.anhembi.br/cursos/online.htm) até um curso livre sobre cultura cyberpunk na “Sala de Aula”, ambiente virtual criado pela Universidade Federal da Bahia (www.facom.ufba.br/saladeaula).
Quem não chegou ainda à universidade não fica desamparado. Por exemplo, a experiência da Escol@ 24 horas (www.escola24horas.com.br) tem como foco o aluno do ensino fundamental e médio. Os destaques do site são o “Laboratório”, um banco de dados com experiências em física, química e biologia, e a seção “Vestibular”, voltada para quem vai precisar enfrentar a “pedreira” do exame nos próximos anos.
Se até agora nenhum dos cursos acelerou seu batimento cardíaco, então vale dar uma pesquisada em https://www.gev.com.br, um guia de ensino virtual na internet. Quem sabe, está lá o curso que vai fazer com que você passe umas boas horas na frente do computador… estudando.
Só tome um cuidado: veja se o curso que você quer fazer é credenciado. E esse problema não acontece apenas aqui; nos Estados Unidos também existem cursos meio “piratas”, sem credenciamento.Portanto, antes de investir seu dinheiro em uma pós-graduação (à distância ou não) oferecida em alguma universidade ou faculdade no Brasil, consulte a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (www.capes.org.br) e o Ministério da Educação (www.mec.org.br).
O site da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) traz cursos virtuais voltados para a comunidade da área de saúde
Petersons, site norte-americano de informações sobre cursos à distância
Vire-se sozinho
Nem sempre é preciso empregar seu suado dinheiro para se atualizar. Na internet existem cursos gratuitos (tutoriais) que podem trazer bons dividendos para a sua carreira. Jader Rosa, 23 anos, é um exemplo. Com um pouco de disciplina pessoal, no final de 1998 o webdesigner acrescentou linhas importantes a seu currículo depois de fazer um tutorial do Flash, programa de animação criado pela Macromedia (www.macromedia.com).
Bastaram duas semanas de dedicação e não mais do que duas horas diárias de estudo. Graças a isso, ele levou o primeiro lugar na versão 2000 de um concurso de sites promovido anualmente pela Apple.
Muito além do “the book is on the table”
De que adianta você ficar enchendo seu currículo com tudo o que é curso de pós-graduação se o seu inglês continua sem-vergonha? Saber uma língua estrangeira – de preferência inglês – é hoje tão importante quanto ter um diploma universitário.
Inglês
No início do ano, a Cultura Inglesa (www.culturainglesaonline.com) lançou um curso totalmente online com recurso de voz, em que os alunos podem conversar entre si no chat ou podem entrar em salas monitoradas por professores. Outras escolas oferecem também cursos à distância, como o Parlo (www.parlo.com.br), listado pelo Yahoo em 2001 como um dos 100 melhores sites de toda a rede, e a English Town (www.englishtown.com), que dá diploma aceito pelas escolas norte-americanas.
Português
Agora, também é verdade que mandar um inglês britânico e ter um português que está na base do “pra mim fazer”, “por causo de que” ou “a nível de” não adianta nada. Nesse caso, vale também dar uma escovada na língua materna. Para cursos mais leves, confira a Universidade Virtual (www.univir.com.br) – que, além de letras, oferece cursos em outras 15 áreas.
Mas se você já é formado e quiser mesmo esmiuçar as belezas da língua de Camões, confira a opção oferecida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (acd.ufrj.br/sead/cep.html).
Trata-se de um empreendimento conjunto entre a Universidade e o Centro de Estudos de Pessoal do Exército Brasileiro.
Quer dar aula via web?
Quer criar um curso online mas não entende nem quer entender nada de informática? Solução: AulaNet. Basta se cadastrar no site e fazer o download gratuito do programa. O software, desenvolvido pelo Laboratório de Engenharia de Software da PUC-RJ, é distribuído na Eduweb (www.eduweb.com.br). Para aproveitar todos os recursos que o AulaNet oferece é preciso ter instalados em seu micro pelo menos o Adobe Acrobat Reader, o RealPlayer, o Shockwave e o QuickTime.
O vovô da educação à distância
Quando o assunto é ensino à distância, a Open University (www.open.ac.uk) de Londres é logo lembrada. Fundada em 1971, tem até cursos de pós-graduação. Mas, pelo menos por enquanto, só quem é da Comunidade Européia pode cursá-los. A OU ainda é o que se chama de ensino à distância “clássico”, pois impressos, CDs e vídeos enviados pelo correio ainda são o grosso do material empregado nos cursos. Outra coisa: as provas são feitas diante de fiscais nada virtuais.
No ensino online, é preciso não confundir gato com lebre
A grande tendência na incorporação das novas tecnologias para educação à distância no ensino superior é a proliferação de cursos. Nos integralmente virtuais (sem um componente presencial, como aulas práticas ou provas), o aluno se matricula, cursa as disciplinas, consulta a biblioteca e é avaliado sem jamais ter pisado no prédio da escola, que pode ficar em outro país. Será que a qualidade de um curso assim é igual à dos cursos presenciais? E o diploma, será que vale a mesma coisa no mercado? Com essas preocupações em mente, já surgiram iniciativas combinadas por parte de instituições de ensino superior, empresas e governo, como o GATE (Global Alliance for Transnational Education, https://www.edugate.org) ou o INQAAHE (International Network for Quality Assurance in Higher Education, https://www.inqaahe.nl). O GATE, sediado nos EUA, usa um método já tradicional no mundo acadêmico: cria uma comissão de especialistas que visita e avalia a instituição que deseja ser credenciada. O segundo é uma entidade principalmente normativa
Brasil de Primeiro Mundo
Costuma-se dizer que o Brasil é um país de extremos. A área de educação não é exceção. Na ponta “boa” desse espectro está, por exemplo, o Laboratório de Ensino à Distância (LED), ligado ao Programa de Pós-Graduação em engenharia de produção, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Quando se fala de ensino à distância, é preciso fazer uma ressalva em relação ao LED/UFSC (www.led.ufsc.br): seus cursos são classificados como “presenciais virtuais”. Isso graças a um tipo de vedete entre as tecnologias de comunicação empregada pelo LED: a videoconferência, que permite troca de áudio e vídeo em tempo real. Em resumo: o professor vê e escuta os alunos e vice-versa. “É uma aula presencial”, resume Andrea Valeria Steil, gerente de processos do LED. E esse é o motivo pelo qual os cursos são reconhecidos pelo governo brasileiro. Além disso, professores e alunos podem marcar horário e se encontrar na rede para tirar dúvidas ou conversar sobre o trabalho de dissertação.
As defesas de tese podem ser feitas por videoconferência ou de forma presencial, na própria universidade. O aluno escolhe. “Em breve, qualquer interessado poderá assistir pela internet e participar com perguntas ao vivo, se quiser”, adianta a gerente.
O LED desenvolve cursos conforme a demanda, ou seja, entra com sua tecnologia e experiência e põe em contato professores da UFSC com turmas de interessados em qualquer ponto do país. Portanto, para usar o LED, você precisa fazer parte de algum grupo ligado a universidade, empresa ou órgão governamental.
As turmas devem ter entre 20 e 32 alunos, dispor de sala com telão (ou com duas TVs grandes), câmeras de vídeo e um técnico durante as aulas.
Os preços variam segundo o perfil do curso. Porém, Andrea Steil cita uma analogia que ilustra bem as diferenças de custos entre o “presencial” e o “à distância”. “Com o dinheiro investido no mestrado de um único engenheiro – contando salário, despesas para viver em outra cidade, mais o que custa a contratação de um substituto para aquele que está fora estudando -, a empresa poderá dar o mesmo treinamento a cerca de 30 engenheiros.”
FAQ educação digital
Museu virtual
Só recentemente museus come-çaram a digitalizar seus acervos de maneira a permitir que visitantes “não-físicos” desfrutem deles. O Louvre e a Biblioteca do Vaticano estiveram entre os pioneiros nessa vertente, ainda no início dos anos 1990.
O passo seguinte é dado pela tecnologia de VRML, que permite a criação de ambientes em 3D nos quais o usuário pode passear, como se estivesse no espaço de verdade. O realismo do VRML ainda deixa muito a desejar mas, em comparação com as páginas eletrônicas dos primeiros museus virtuais, é um grande avanço.
O melhor exemplo de museu em VRML é o Jardim das Esculturas, de Minneapolis, pertencente ao Walker Art Center (www.walkerart.org). Nele, é possível andar, circundar as obras expostas e clicar nelas para ver textos explicativos. Mas a interatividade nesses ambientes ainda fica restrita a andar e observar.
O Museu de Arte Contemporânea de Chicago foi o primeiro a montar uma exposição virtual que permitia aos visitantes dispor objetos no espaço do museu. A exposição Transmute ainda está no ar e pode ser visitada no site https://www.mcachicago.org.
O próximo passo em termos de exposições virtuais é dar a elas mais movimento e realismo. Para isso, estão sendo empregadas técnicas de videogame 3D, como as usadas nos jogos Quake e Doom.
Realidade expandida
Realidade expandida ou aumentada é a combinação de uma cena real com imagens virtuais geradas por computador. Em um ambiente de realidade virtual, o usuário fica imerso em um mundo completamente gerado pela máquina. Já na realidade expandida, ele vê o mundo físico, adicionado de informações ou objetos virtuais. Um mecânico, por exemplo, pode enxergar através de óculos semitransparentes o carro à sua frente e também receber dados sobre equipamentos e procedimentos para sua manutenção.
Para que o usuário veja os dois mundos unidos em uma só imagem, é necessário o uso de alguns dispositivos. O mais simples deles é um monitor, chamado tanque de peixe, que não proporciona uma boa imersão no ambiente. As outras opções são os equipamentos presos à cabeça (head-mounted displays, HMD). Um deles isola completamente a visão ao redor da pessoa e necessita do uso de câmeras alinhadas ao visor para captação das imagens do mundo real. O outro HMD utiliza óculos semitransparentes que permitem que a pessoa veja a cena real e a imagem gerada pelo sistema gráfico unidas opticamente.
Os problemas enfrentados nessa tecnologia são a taxa de atualização das imagens, que deve ser de 10 vezes por segundo, no mínimo, e a fusão exata das imagens real e virtual.