Tatuagem: eterna, enquanto dura
Graças ao avanço tecnológico, ficou mais fácil remover uma tatuagem. Agora, flashes de luz recuperam a pele sem dor, sem demora e sem deixar cicatrizes.
Ricardo Franca Cruz
Do osso para a máquina de costura
Dificilmente um ancestral humano sentaria à beira do caminho, triste, arrependido por ter feito um monte de desenhos no próprio corpo. Quando as técnicas de tatuagem foram criadas, há pelo menos 5 300 anos (a idade de uma múmia tatuada encontrada na Suíça em 1991), ninguém se ligava em moda. A idéia era identificar a tribo, ganhar status ou proteger-se contra maus espíritos. E era uma idéia fixa. O desenho tinha que durar uma eternidade. Assim pensavam desde os nativos do Taiti até os índios tapirapés do Brasil Central, dos antigos egípicios aos marinheiros do século XIX.
A técnica mais primitiva era furar a pele com varetas pontudas, feitas de madeira, bambu, pedra, metal, ossos ou dentes. Para dar cor, elas eram molhadas em pigmentos naturais, extraídos de plantas, animais ou minérios. Só em 1880 o americano Samuel F. O’Reilly deu ares mais modernos à arte da tatuagem. Ele inventou uma engenhoca, parecida com uma máquina de costura, que injetava tinta na pele através de agulhas de metal banhadas em nanquim. Mas o protótipo só foi patenteado como “instrumento de perfuração” onze anos depois, pelo primo de Samuel, Tom Riley.
Na década de 20, surgiu a versão portátil que, com poucas modificações, é a que se usa hoje em cerca de 10 000 estúdios de todo o mundo. A tinta pode ser natural ou sintética, diluída em álcool isopropílico e anti-séptico bucal. Ou, ainda, em álcool, água destilada e pomada de cânfora. A proporção é segredo profissional: a exemplo dos pintores de vitrais da Idade Média, os tatuadores fazem o maior sigilo sobre suas fórmulas.
A ciência prova que nada é para sempre
Quando namorava a atriz Wynona Rider, o ator Johnny Depp tatuou no braço um apaixonado Wynona for ever (Wynona para sempre). Seis meses depois, Depp caiu de amores pela modelo Kate Moss – que não gostou nadinha de ler o nome da rival no corpo do namorado. É por essas e outras que se desenvolveram métodos de remoção de tatuagem.
O arrependimento não vem de hoje. Em 54 a.C., Scribonius Largus, físico grego a serviço do imperador romano Claudius, descreveu uma pasta usada especificamente para isso. O ungüento milagroso vinha da mistura de dentes de alho branco e essência do inseto cantárida da Alexandria, com pitadas de cocô de pombo, urina humana decomposta e leite materno. Apesar da esquisitice da receita, ela prova que as primeiras pesquisas de reversão da tatuagem foram sobre métodos químicos. Hoje, além deles, existem soluções cirúrgicas e mecânicas.
Os métodos mais modernos buscam diminuir a dor e eliminar as cicatrizes dos processos de remoção. Há dez anos usa-se o raio laser de gás carbônico. O de rubi, criado na Universidade Harvard em 1990, mostrou ser mais potente ainda. A novidade agora é uma máquina chamada Photoderm PL, que emite vários de tipos de onda de luz e acaba de chegar ao Brasil. “Essa tecnologia também remove manchas de velhice, varizes superficiais e a chamada tatuagem asfástica, quando resíduos da rua ou da estrada entram na pele de quem sofre um acidente de carro, deixando uma mancha cinza no corpo”, diz o cirurgião plástico Cláudio Roncatti, de São Paulo. O problema é o preço. Apagar uma tatuagem que custou 100 reais pode custar dez vezes mais.
Um nome que foi exportado pelo Taiti
Ao desembarcar no Taiti, na Polinésia, em 1769, o explorador inglês James Cook não acreditava no que via. Nem a tripulação. Para surpresa daquele bando de branquelos suarentos, uma porção de índios vestia apenas desenhos feitos na própria pele. Em seu diário de bordo, o comandante escreveu: “Nativos de ambos os sexos injetam uma tinta preta na pele, deixando traços permanentes e irremovíveis. Alguns têm desenhados homens, pássaros, cachorros, ou diferentes figuras como círculos, quadrados e uma infinidade de formas em seus braços e pernas. Geralmente possuem um ‘z’. E todos exibem seus tattows com muito orgulho”. Estava registrada, pela primeira vez, a palavra que correria o mundo (veja o mapa abaixo). O termo tatuagem vem do inglês tattoo que, por sua vez, deriva do taitiano tatu (pronuncia-se “tatau”, o mesmo som do tattow anotado por Cook). A raíz ta significa desenho. A palavra inteira, desenho na pele.
O Pacífico foi mesmo o principal berço da tatuagem. A antropóloga americana Tricia Allen, da Universidade do Hawai, conta que nas Ilhas Marquesas havia o costume dos pais economizarem bens, como porcos, enfeites e armas de guerra, para pagar o tuhuna (tatuador) pela tatuagem do primogênito, na época do menino virar homem. No caso das mulheres, era uma obrigação que identificava o estado civil: casadas tinham a mão direita e o pé esquerdo tatuados. “Quanto mais bonito, maior e bem elaborado o desenho, mais rico, nobre e poderoso era o dono”, diz Allen.
Os maori, antigos habitantes da Nova Zelândia e descendentes diretos dos polinésios, criaram uma tatuagem que fazia sulcos em espirais no rosto, o moko. Mas não se sabe exatamente seu significado. Alguns estudiosos acham que era uma pintura de guerra permanente, já que eles viviam em conflitos tribais. Outros interpretam o moko como uma versão do símbolo chinês yin-yang, representando a oposição de forças que gera a energia vital. Mas era muito sacrifício para ficar numa boa. O processo de aplicação doía tanto que podia levar à morte.
O estilo brasileiro
Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, em algumas sociedades tribais a tatuagem fazia parte de um ritual de iniciação. No livro Antropologia Estrutural, de 1958, ele observa três aspectos fundamentais dessas cerimônias: a magia envolvendo o tatuador e o tatuado, a dor, que não devia ser demonstrada porque representava a purificação, e o sangue, que sempre foi importante nessas ocasiões.
A hipótese da iniciação bate com o relato do etnólogo alemão Herbert Baldus, que perambulou pelo Brasil Central em 1935 e 1947. Imagine a cena: anoitece na aldeia Tapirapé, região do rio Araguaia. As meninas que menstruaram pela primeira vez antes da época das chuvas estão prontas para ganhar marcas no rosto, e sabem que vai doer. Mas todas respeitam o homem que sabe usar o voamé, uma varinha de madeira com dentes de paca na ponta. Depois de mergulhar o instrumento em resina vegetal, que serve de anti-séptico, o índio faz produndas feridas nas faces e queixos das moças. Depois, esfrega os machucados com folhas de uma planta azul chamada kaauna, espremidas numa casca de tartaruga cheia de água, para dar cor à kahova – ou tatuagem em bom português.
Entre as nações indígenas do Brasil, a tatuagem não era tão comum quanto a pintura corporal. Outro etnólogo alemão, Karl von den Steinen, afirma no livro Entre os Aborígenes do Brasil Central, de 1940, que em tribos do Alto Xingu, como a dos Meinácu, Custenau e Vaurá, era comum fazer cortes terapêuticos na pele com um pedaço triangular de cuia, dentes de traíra ou unhas de roedores. O ferimento era esfregado com um osso cheio de barro, fuligem ou suco de frutas. A maior prova de que a tatuagem também se desenvolveu no Brasil, porém, é o verso da antiga nota de mil cruzeiros. É o desenho de dois jovens carajás com pequenos círculos tatuados abaixo dos olhos, pintados com a tinta extraída do jenipapo. A tatuagem indicava que eles já tinham chegado à maturidade – uma mensagem que talvez esteja enrustida no braço dos roqueiros de hoje.
PARA SABER MAIS
Living Skin – Decorative tattooing ans dermatology, de Maurice Adattao, Roche, Basiléia, 1993.
Tattoo – The exotic art of skin decoration, Michelle Delio, Greenwich, Londres, 1995.
NA INTERNET:
https://tattoos.com/hmarks/books.htm
https://mrshowbiz.com/showbiz/flash/museum/tattoo3.html
https://patient-info.com/tattoo.htm
As duas técnicas de pintar o corpo
Como trabalham os tradicionalistas e os modernos.
Kit básico
O tatuador moderno usa jogos de agulhas de aço cirúrgico esterilizadas 1 que preenchem as hastes, ou “ponteiras” 2, de uma máquina elétrica 3. Além de recipientes de tinta 4, um depilador elétrico 5, máscaras e luvas descartáveis 6.
À moda antiga
Em algumas regiões do Japão e da Polinésia ainda existem profissionais que furam a pele do cliente com varetas de bambu cheias de tinta na ponta de metal. A aplicação é ao ar livre, sem cuidado para evitar contaminações.
É uma coisa de pele
Veja onde a tatuagem se fixa.
As agulhas entram de 1 a 3 milímetros na pele. O pigmento fica na fronteira entre a epiderme e a derme. Lá dentro, as gotinhas de tinta assumem a forma de macromoléculas que abrem espaço entre as células.
Cinco formas de apagar o passado
Da esfolação com sal grosso a flashes de luz, você decide.
1 – O beliscão que desbota as cores
O Q-Switched Laser Ruby emite uma luz que quebra a tinta em pedaços microscópicos. Os glóbulos brancos do organismo se encarregam de destruí-los. Um tiro de laser de rubi atinge uma circunferência de 6,5 milímetros de diâmetro e parece um beliscão. “Só 10% dos pacientes precisam de anestesia local”, diz o dermatologista Simão Cohen, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. A pele cria uma crosta fina que se solta. Um mês depois, a tatuagem desbota.
2 – O clarão que não deixa marcas
O Photoderm PL é um sistema computadorizado que analisa o tipo de pele do paciente e fornece ao médico combinações de ondas de luz. A aplicação é um flash que também destrói o pigmento. A sensação é de um jato de água muito forte. “A anestesia local é apenas para o conforto do paciente, porque não dói”, diz o cirurgião plástico Cláudio Roncatti. A vantagem sobre o laser de rubi é que atinge uma área maior, 10 centímetros quadrados.
3 – Solução química
A injeção intradermal de ácido titânico ou ácido tricloroacético dissolve, mas não destrói todos os pigmentos. Na pele muito clara e sensível, o local fica manchado.
4 – Na base da ralação
A técnica mecânica da salabrasão, ou dermoabrasão, machuca muito. O médico lixa a pele com sal grosso até a tatuagem sumir. Além de doer, deixa cicatrizes e resíduos de pigmento.
5 – Corte radical
Na cirurgia plástica com expansão, uma bolsa de silicone é colocada sob a pele e, com o tempo, estica a área tatuada. Depois, a porção pintada é cortada. Sobra uma cicatriz.
A longa viagem do tatau para o Ocidente
A rota que transformou a tatuagem em mania de marinheiro
O costume do marinheiro tatuado começou no final do século XVIII, quando a tripulação comandada pelo inglês James Cook aderiu à moda dos nativos do Taiti e dos índios maori da Nova Zelândia. De lá para a Europa e até os Estados Unidos, a palavra tatuagem chegou na pele de marinheiros que usavam como prova de suas andanças pelo mundo
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