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Telas em língua de gente

O monte de letras sobre um fundo preto virou a mesa com pastas, documentos e funcionamento baseado no jeito humano de trabalhar.uma colorid

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 29 fev 1992, 22h00

Fátima Cardoso

Quando surgiram os primeiros computadores pessoais, há dez anos, Iidar com a máquina parecia um trabalho para especialistas. Ligado o aparelho, surgiam no caminho da tela preta dois caracteres, C>, esperando o usuário digitar no teclado o nome do programa desejado para começar a funcionar. Até descobrir quais letras fariam o equipamento entrar em ação, quem era pouco íntimo da computação chafurdava num mar de manuais de instrução, uma espécie de Ali Babá tentando encontrar o “abre-te, sésamo” para entrar na caverna dos microprocessadores. Era assim que funcionavam quase 90% dos 80 milhões de computadores pessoais espalhados pelo mundo, baseados no sistema operacional MS-DOS. Sistema operacional é o cérebro do computador, o programa que coordena o arquivo, roda os aplicativos desenvolvidos para ele — de processadores de texto a planilhas de cálculo — e organiza o modo como essas informações aparecem na tela.

A sigla MS vem da empresa que o inventou, a americana Microsoft Corporation, e DOS é a abreviação em inglês de sistema operador de disco. Durante todo esse tempo, quem quisesse trabalhar num computador tinha de aprender a linguagem da máquina. Agora, porém, as máquinas é que estão falando língua de gente com a consolidação da interface gráfica, em que o usuário dá ordens ao computador manejando figuras na tela.

Desde 1981, quando a IBM escolheu o MS-DOS como sistema a ser usado em seus computadores pessoais, estabeleceu-se um padrão onde antes máquinas de fabricantes diferentes trabalhavam cada uma a seu modo. A padronização deu um impulso à nascente indústria de microcomputadores, já que os programas fabricados por empresas diversas podiam rodar em qualquer máquina. O único problema é que o DOS, além de um enigma para os iniciantes, é muito chato e complicado de trabalhar. Cada vez que se quer mandar o computador fazer qualquer coisa, é preciso digitar no teclado uma ordem na língua que ele entende.

Digamos que se queira apagar todos os arquivos que começam com a letra “A” no subdiretório chamado C:\despesas\empresa (subdiretório é uma lista com o nome dos arquivos dentro de uma lista maior, o diretório). Digita-se no teclado CD\despesas\empresas, mais a tecla enter. Na linha de baixo, digita-se Del A*.*, e de novo a tecla enter. Bem diferente desse tedioso monte de comandos que muita gente nem sequer conseguia decorar era o Macintosh, lançado pela Apple em 1983, o primeiro computador pessoal com interface gráfica.No Macintosh, para fazer a mesma operação descrita acima, basta clicar com o mouse em cima da figura—ou ícone —de um documento e arrastá-la até a lata de lixo no caminho da tela. É simples, óbvio e humano: as pessoas costumam jogar no lixo o que não serve mais. E é tão mais fácil trabalhar assim num computador que o jeito Mac de ser virou moda.

O árido MS-DOS ganhou uma nova cara, o ambiente Windows (também da Microsoft), e a IBM desenvolveu o sistema operacional OS/2, ambos pilotados com mouse e com telas coalhadas de figuras.“A intenção da interface gráfica é deixar a operação do computador o mais intuitiva possível”, explica Sérgio Dutra Vianna, gerente de produtos da Microsoft brasileira A estratégia da maior produtora de software do mundo, estabelecida por seu dono e mentor William Gates— um homem de 35 anos que ficou bilionário durante a última década—, é permitir a cada usuário de computador ter a informação na ponta dos dedos. Num livreto publicado pela Microsoft há pouco mais de um ano, Gates disse-ca o conceito: hoje, obtém-se informação de fontes como livros, revistas, jornais. televisão e videocassete sem que seja preciso aprender novas técnicas para manipulá-los. Se se pretende que o computador seja o melhor método de conseguir informações, é preciso torná-lo simples e atraente, e fazer com que as pessoas gostem de usá-lo no trabalho ou em casa.

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Embora esteja se tornando quase tão popular quanto um eletrodoméstico — pelo menos nos países desenvolvidos—, ainda é muito mais difícil fazer um computador funcionar do que ligar um aparelho de TV. Quando se liga uma TV, compara Gates ninguém precisa sacar uma chave de fenda para sintonizar os canais que quer assistir. O computador, ao contrário, sai da fábrica cru: é preciso instalar o sistema operacional, os programas com que se pretende trabalhar e ajustá-lo passo a passo para que execute algumas funções. No futuro, ele deverá fazer todos os ajustes sozinho bastando ao usuário ligá-lo para começar a trabalhar com os programas, da mesma forma que hoje a pessoa dá partida num carro e sai guiando sem entender nada de mecânica.

Enquanto o computador auto- suficiente sonhado por Bill Gates não vira realidade, a repercussão do ambiente Windows demonstra que a interface gráfica é um caminho sem volta. Desde que foi lançada nos Estados Unidos, em maio de 1990, a terceira versão do Windows vendeu 6 milhões de cópias, e estima-se que mais 8 milhões serão vendidas este ano. As duas versões anteriores, existentes desde 1985, não tinham sequer afetado o mercado. O sucesso sem precedentes da versão 3.0 deve-se, em parte, ao próprio aprimoramento do programa, mas é fruto sobretudo da evolução dos microcomputadores. Antes, era necessário ter micros poderosos e caros, baseados nos microprocessadores 80286 e 80386, da Intel (cujos chips equipam a quase totalidade de computadores de pequeno porte existentes no planeta).Os microprocessadores continuam os mesmos, o que mudou foi o preço e o tamanho do equipamento que os abrigam — diminuíram vertiginosamente. Hoje, um 80386SX existe dentro de um laptop, o computador portátil que parece uma maletinha e custa pouco mais de 1000 dólares.

O Windows, porém, nunca vai fazer o DOS sumir do mapa, pois sem o DOS ele não funciona, já que é um ambiente e não um sistema operacional. Só que nenhuma empresa produtora de software é insana a ponto de lançar no mercado aplicativos que só rodem em DOS. “Ou os fabricantes lançam o programa nas duas versões, ou lançam só para Windows”, constata Sérgio Vianna, da Microsoft. “E já são mais de 5 000 os programas disponíveis para Windows.”A Microsoft orgulha-se do sucesso do Windows e soube como ninguém farejar essa tendência no mercado, mas os louros pela invenção da interface gráfica pertencem a outras cabeças. Essa história começou no início dos anos 70, na Califórnia, no Xerox PARC (sigla em inglês de Centro de Pesquisa Palo Alto). Na época dos hippies, a Xerox distribuiu polpudas bolsas a uma centena de cientistas de computação para que trabalhassem no laboratório de Palo Alto, onde ficavam sentados pelo chão e escrevendo em lousas. Entre as idéias concebidas por aquele grupo estava a da interação visual entre o usuário e o computador, conhecida por Steve Jobs numa visita que fez ao PARC em 1979. Jobs, o fundador da Apple, foi o homem que enxergou naquela tecnologia o futuro da Informática, e transformou a idéia num produto de mercado — o Macintosh.

Bem mais fácil de operar, o Mac é o computador preferido para uso em educação, mas nunca conseguiu entrar nas grandes empresas, que sempre preferiram os PC. Seu modo lúdico de funcionar, porém, acabou entrando nos escritórios por vias tortas, por meio do Windows e do OS/2. E não é só a vida do povo ignorante em computação que vai ser facilitada com a invasão da interface gráfica. A Microsoft americana promete lançar este ano o Windows NT (de New Technology, nova tecnologia), um sistema operacional (e não apenas um ambiente) para computadores de maior porte, com microprocessadores 80386 e 80486. Os 486 normalmente são utilizados como servidores (o computador central) de redes locais, ou seja, vários pequenos computadores interligados dentro de um mesmo lugar.

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A intenção é fazer com que tanto os computadores menores como os maiores tenham a mesma “cara”.A IBM, pelo contrário, teve de simplificar o OS/2 para que rodasse em computadores menores, já que o sistema foi idealizado justamente para máquinas maiores. Desenvolvido em parceria com a Microsoft, o OS/2 é hoje—depois de a parceria ter sido desfeita—um óbvio concorrente do Windows. Tanto investimento em interface gráfica não é apenas uma questão filosófica. A conversa com o computador por meio de figuras, antes vista até como coisa de gente pouco séria, provou ser um ótimo negócio. Um estudo realizado pelo instituto Temple, Baker & Sloane de Massachusetts, concluiu que a produtividade dos usuários de interface gráfica é 35% maior do que a dos usuários de interface por caracteres. Eles trabalham mais rápido, ficam menos cansados e têm menor nível de frustração (número de tarefas que não conseguem completar).

Pelo que se observa dos caminhos tomados pela indústria da Informática, a interface gráfica é só o começo da interação cada vez mais natural entre o homem e o computador Na, última grande feira de Informática nos Estados Unidos, a Comdex Fall 91, todas as grandes empresas apresentaram programas e equipamentos da Penbased Computing, ou computação baseada em caneta. Com ela, teclados e mouses podem ser dispensáveis: o usuário escreve diretamente na tela com uma caneta. O programa depois se encarrega de converter a grafia em caracteres. Trabalha-se numa tela dessas quase como se se escrevesse numa folha de papel. Mais intuitivo, impossível — os computadores ficaram tão pequenos e fáceis de operar que nem se percebe a presença deles.

Um dia na venda eletrônica de automóveis

Windows faz figuras das letras do PCAbaixo, uma tela de MS-DOS depois de aberto o arquivo. Ao lado, a tela do Windows: em vez de escrever o nome do arquivo no teclado, o usuário aponta o cursor em cima da figura, clica duas vezes com o botão do mouse e a janela daquele programa se abre. Abaixo, à direita, o processador de texto Word for Windows, com ícones dos recursos mais usados, no altoMacintosh, o primeiro da interface gráficaAo lado, a tela típica do Macintosh, o primeiro computador a falar com os usuários em linguagem de ícones. Os documentos são guardados em pastas, e no canto, à direita, há uma lata de lixo para se jogar fora o que não presta mais. Abaixo, à direita, os balões do System 7.0 explicam para que serve cada comando. Abaixo, o “manual de instruções” doHypercard demostra na tela como funciona o programaA IBM na era da imagem com o OS/2Desenvolvido para ser o Windows dos computadores de grande porte, o OS/2 da IBM está chegando também aos computadores pessoais. Abaixo, a tela mostra os ícones de todos os arquivos e as janelas abertas daqueles selecionados.

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A janela de fundo preto, cheia de caracteres, é de MS-DOS. Na tela ao lado, um exemplo de que, além de amigável, a interface gráfica pode ser arranjada ao gosto do freguês. Para mudar a cor de uma janela, basta clicar com o mouse em cima da cor desejada e arrastar o rolinho de pintura até o lugar escolhido — tão intuitivo quando colocar um pincel na tinta e pintar a paredeO retorno da caneta e da caligrafiaTantas voltas dá a tecnologia que acaba retornando ao princípio. quando a proliferação de computadores parecia ter abolido a caligrafia dos locais de trabalho, a indústria da Informática constrói equipamentos adequados ao jeito humano de escrever. Abaixo, a caneta eletrônica escreve na tela de cristal líquido. Ao lado, os sinais usados para cortar, copiar e inserir palavras, todos feitos com a caneta. Abaixo, ao centro, a frase escrita na tela é transformada em caracteres pelo programa. À direita, um exemplo prático das aplicações do computador portátil: protótipo de uma multa aplicada por um guarda de trânsitoUm dia na venda eletrônica de automóveisUm programa demostrativo da IBM aponta o futuro do escritório. À esquerda, a primeira tela mostra a filosofia do projeto: transportar a mesa de trabalho para o computador, transformando-a em ícones na tela. A seqüência apresenta um dia de trabalho numa revendedora de automóveis. Escolhido um modelo pelo cliente, o vendedor procura nos seus arquivos a ficha completa do carro desejado, que inclui até a fotografia do modelo. Na terceira foto, uma animação mostra o funcionamento da suspensão. A seguir, um mapa permite localizar o carro no pátio. Na quinta foto, o vendedor abre uma ficha para anotar os dados do cliente (representados por bonecos) e, por fim, pede autorização a seu chefe, via computador, para fechar o negócio. Notam-se no canto da tela os ícones, como telefone e caixa de correspondência interna.

Para saber mais:

Espelho mágico

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(SUPER número 1, ano 9)

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