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Como preparar um espagueti à carbonara perfeito

Fazer macarrão parece fácil, mas acertar no carbonara é uma tarefa complexa até para profissionais. Aprenda aqui.

Por Marcos Nogueira
Atualizado em 31 mar 2017, 15h35 - Publicado em 31 mar 2017, 15h23

Quando viajei para roma, minha bagagem foi extraviada no aeroporto de Lisboa, onde fiz conexão. Chovia e fazia frio. Depois de cruzar a ponte sobre o Tibre e caminhar meio a esmo nas vielas milenares, encontrei o que procurava. Era uma lojinha velha. Não tão velha quanto o Foro Romano, mas com prateleiras empoeiradas de madeira escura, que atestavam sua idade avançada – assim como o dono, um senhor com boina de lã. Vendia apenas roupa de baixo, branca ou preta, de algodão. Era tudo de que eu precisava para aguentar mais uns dias até que a mala me fosse entregue.

A loja fica no Campo dei Fiori, um dos principais pontos turísticos da capital italiana. Acabara de anoitecer. Eu estava cansado, aborrecido e molhado. Sem nenhuma disposição de procurar um bom restaurante. Do outro lado da praça, vi um letreiro gigantesco: LA CARBONARA. Pensei: é arapuca para turista, com certeza. Mas, além de cansado, estava faminto. Resolvi arriscar, mesmo porque carbonara é algo tão romano quanto a Sophia Loren.

Ao entrar, o salão era como eu esperava: cheio de mesas cheias de americanos. Ao ver o cardápio, a primeira surpresa. A tal carbonara vinha com penne – não com espaguete, como preceitua a brigada dos defensores da pureza da cozinha italiana. A segunda surpresa veio junto com o prato. Ele era absolutamente delicioso, com a massa quente e os ovos cremosos, pimenta e guanciale na medida.

Naquela viagem, praticamente só comi macarrão. E só comi bem, não importa se o restaurante era indicado por algum guia ou se simplesmente o encontrava quando cansava de caminhar. É praticamente impossível comer um prato de massa ruim em Roma. Também pudera: é o berço do macarrão.

Espera aí: mas e a China?

Discutir se o macarrão é chinês ou italiano é algo que só interessa aos chineses e italianos que vendem macarrão.

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Assim como o pão e a cerveja, a massa cozida pode muito bem ter surgido em diversos pontos do planeta, independentemente e em épocas distintas. A espécie humana aprendeu que os cereais, secos e moídos, viram um pó que batizamos de farinha; esse pó, quando misturado à água, se transforma em uma massa elástica e ainda indigesta. Se deixada para fer- mentar, se torna pão – ou cerveja, dependendo da quantidade de água. Mas às vezes a pasta não fermentava. Em qualquer caso, era preciso cozinhar a massa antes de comê-la. Cortá-la em pedaços pequenos e jogá-la na água fervente é uma ideia que pode ter ocorrido a muita gente.

Independente da origem, o macarrão faz sucesso no mundo inteiro porque é delicioso – uma injeção de carboidratos quase instantânea misturada àquilo que você quiser. Porque é prático – fica pronto em minutinhos e dura uma eternidade na despensa. E porque é muito fácil de fazer.

Será mesmo tão fácil? É o que vamos ver agora.

*

(bhofack2/iStock)

Já ouvi dizer que o ovo é, dentre os alimentos, aquele que possui a embalagem natural mais inteligente. Discordo. A embalagem mais genial é a da banana, que não precisa ser lavada e é fácil de descascar. Mas o ovo está entre os cinco melhores designs da natureza, é certo. Não apenas isso: o ovo é um dos alimentos mais práticos e versáteis que existem.

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O ovo é muito traiçoeiro também. Estragar um prato à base de ovos é facílimo, basta a menor distração ou falta de jeito. A começar pela tal embalagem: a casca não permite ver se o ovo está bom ou podre. Por isso, quando for fazer uma receita que leve vários ovos, sempre os quebre um a um em um recipiente separado, para depois juntá-lo aos demais.

É o ovo que torna o espaguete à carbonara – que ainda leva toucinho e muita pimenta preta – um prato complicado de preparar. A grande dificuldade dessa receita é encontrar o ponto de equilíbrio entre o cozimento ideal dos ovos (devem se converter em um molho cremoso) e a temperatura de serviço (deve ser quente). A coisa mais fácil do universo é transformar a carbonara em ovos mexidos. Ou então servi-lo frio e, pior ainda, com os ovos crus.

A primeira situação acontece quando você atira os ovos na panela quente demais. Também quando resolve esquentar só um pouquinho mais e, de repente, talhou tudo.

Depois de cozinhar demais a carbonara algumas vezes, você muda radicalmente a abordagem. Passa a jogar os ovos batidos sobre o espaguete recém-escorrido, já na travessa, com fé nas instruções de quem diz que o calor da massa é suficiente para fazer o molho. Não é. Mesmo quando esse calor basta para cozinhar os ovos, não se obtém a textura cremosa desejável para a carbonara. Fica aquela sopinha rala de ovos sobrando no fundo do prato. Os convidados, educados, sorriem e elogiam.

Esses desastres não acontecem somente com novatos inexperientes. É corriqueiro se deparar com carbonaras intragáveis em restaurantes de renome. Para driblar o comportamento difícil dos ovos, muitos cozinheiros apelam para artifícios que fazem os italianos esmurrar a própria cabeça de ódio.

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O mais comum é a adição de creme de leite. Como todo doceiro sabe, é bem simples obter uma textura lisa e cremosa misturando ovos e creme de leite em temperatura branda. Trata-se de um ótimo recurso para minimizar riscos. O molho resultante, porém, fica muito diferente da carbonara verdadeira.

Outra intervenção bastante comum – a mais comum, aliás – é fazer a carbonara com bacon. Para os italianos do século 21, uma heresia. Será? Há inclusive uma versão que atribui aos americanos a paternidade do prato, de certa forma. Quando as forças aliadas ocuparam Roma na Segunda Guerra Mundial, as tropas forneceram mantimentos para a população local. Tratava-se da mesma ração que os soldados americanos comiam no café da manhã: bacon e ovos em pó. Famintos, os romanos não hesitaram em transformar o rancho em molho de macarrão – mais tarde aperfeiçoado, com a substituição do bacon por guanciale. A tese é corroborada por Emilio Dente Ferracci, um respeitado historiador italiano especializado em culinária. Segundo ele, a massa à carbonara não é encontrada em nenhum receituário romano antes da década de 1940.

(YelenaYemchuk/iStock)

É uma história boa de contar e que faz sentido, mas que perde força quando você examina outros pratos tradicionais em Roma. A pasta alla gricia, nada menos que uma carbo- nara sem ovos, é considerada uma das primeiras receitas de macarrão já inventadas. O molho à amatriciana também se parece muito com a carbonara: os ovos, no caso, dão lugar para o tomate.

Não existe documentação histórica sólida para a gênese de nenhuma dessas receitas, mas pode-se intuir que a população pobre das cercanias de Roma gostava bastante de temperar seu espaguete com carne gorda de porco. Quando sobrava um dinheirinho, as pessoas incrementavam o prato com ovo, tomate e o que pudessem comprar.

Outro furo na teoria americanista é o próprio nome do prato. A palavra carbonara deriva de carbone, “carvão” em italiano. Como encaixar os soldados americanos numa his- tória que envolve carvão e romanos? Difícil. Levando-se em conta o nome, existem duas teses para a origem do espaguete à carbonara.

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Uma delas dá conta de que a receita veio dos mineiros de carvão que carregavam toucinho e ovos para comer na hora do almoço. A outra remete à carboneria, uma sociedade secreta napolitana do século 19. Nenhuma das duas é comprovada. Nenhuma convence muito, tampouco. Que carvoeiro leva ovos crus na marmita? Sociedade secreta? Poupe-nos.

Independentemente da origem, o uso de bacon não é reco- mendado porque o resultado fica a anos-luz de distância de uma carbonara que você comeria em Roma. Caso não ache guanciale nem pancetta, use toucinho fresco e calque a mão na pimenta.

Essa é a parte fácil. O difícil é acertar o ponto dos ovos.

A técnica mais difundida consiste em manter todos os in- gredientes – exceto os ovos – tão quentes o quanto for possível com a chama do fogão desligada. Você usa água fervente para aquecer a travessa de serviço, reaquece o guanciale com o ma- carrão escorrido e depois joga os ovos batidos em temperatura ambiente. Para terminar, mexa tudo muito rapidamente com um pouco da água do macarrão para formar o molho. Como já disse antes, nunca funcionou bem comigo.

A única coisa que deu certo na minha cozinha foi uma adaptação do método usado para engrossar o cacio e pepe. Misturado à gordura derretida do guanciale, o amido da água do macarrão cria uma emulsão cremosa que, além de dar consistência ao molho, ajuda na manutenção da temperatura.

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Existe alguma controvérsia quanto ao uso de ovos inteiros ou de gemas somente. Descartar as claras dá ao molho um ama- relo mais intenso, bonito. Mas a proteína das claras também é um elemento ligante, que engrossa o molho. E, ao usar apenas gemas, você vai precisar aumentar a quantidade delas: o prato fica pesadão. Eu gosto de fazer a carbonara com um ovo inteiro e uma gema por cabeça. Dá mais cor e não pesa tanto assim.

Por último, queijo e pimenta-do-reino são essenciais. O queijo mais tradicional (ê, Itália, sempre a tradição) é o pecorino romano. Mesmo entre os italianos é comum adi- cionar pecorino e parmesão em partes iguais, para suavizar um pouco a pegada do queijo de ovelha. Não me parece um pecado tão grave fazer a carbonara somente com parmesão.

Então – aleluia! – vamos finalmente à receita prometida.

Você frita o guanciale na própria gordura (se usar pancetta magra, adicione azeite de oliva) enquanto aquece a água do macarrão. Desliga o fogo quando o porco começar a dourar. Põe o macarrão na água fervente (quanto menos água, mais amido – lembre-se) e acende de volta a boca em que está o guanciale. Enquanto a massa cozinha, vá adicionando aos poucos a água da panela ao toucinho, mexendo até formar um molho.

Um ou dois minutos antes do tempo de preparo recomendado na embalagem, você remove o espaguete da água com uma pinça e o transfere para a outra panela, de preferência uma frigideira larga. Siga cozinhando a massa – jogue mais água da panela se for preciso – até o molho ficar grosso e cremoso. Jogue os queijos, mexa mais uns instantes e desligue o fogo.

Sem vacilar um segundo, passe a massa quente para a vasilha em que os ovos estão batidos. Misture vigorosamente e tempere com a pimenta preta.

Então você corre para a mesa de jantar com a travessa de espaguete. É bom que a toalha, os pratos, os talheres, os convidados e o vinho já estejam lá, porque a carbonara não pode esperar. Nunca.

*

RECEITA: SPAGHETTI ALLA CARBONARA

(Márcio Moreno/Superinteressante)

I N G R E D I E N T E S

– 500 G DE ESPAGUETE

– 150 G DE GUANCIALE

– PANCETTA OU BARRIGA

DE PORCO FRESCA

– 4 OVOS EM TEMPERATURA

AMBIENTE

– 4 GEMAS EM TEMPERATURA

AMBIENTE

– 75 G DE QUEIJO PECORINO RALADO

PIMENTA-DO-REINO PRETA RALADA NA HORA

SAL A GOSTO

 

MODO DE FA Z E R

1. Em uma frigideira larga de ferro, frite o guanciale na própria

gordura, até ficar levemente dourado. Desligue o fogo e reserve

na própria frigideira.

2. Ponha o macarrão para cozinhar em água fervente salgada.

3. Numa travessa de serviço funda, bata levemente os ovos e as gemas.

4. Ligue de novo a frigideira do guanciale. Jogue 1 ou 2 conchas

da água do macarrão e misture, para fazer um molho.

5. Com um pegador manual e sem deitar fora a água, retire o macarrão

da panela 2 minutos antes do tempo de cozimento recomendado na

embalagem. Transfira-o diretamente para a frigideira com o guanciale.

6. Termine de cozinhar o macarrão até obter um molho cremoso.

Adicione mais água da panela se for necessário. Junte os

queijos e mexa um pouco mais. Desligue o fogo.

7. Despeje o espaguete na travessa com os ovos. Misture rápida

e vigorosamente para finalizar o molho à carbonara. Ajuste o

sal, tempere com bastante pimenta preta e sirva.

—–

*Este é um trecho do livro Cozinha Bruta, de Marcos Nogueira. O lançamento é nesta terça feira, 5 de Abril, na Livraria Cultura do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, das 19h às 21h30. Mas você já pode compar o livro aqui:

(Redação/Superinteressante)

 

 

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