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Como se criam os criadores?

Só um supercientista poderá decifrar a receita das mentes geniais. Duas pistas: um ambiente favorável e a hereditariedade.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 30 set 1998, 22h00

Ulisses Capozoli

Albert Einstein tinha 26 anos quando formulou a Teoria da Relatividade. Qualquer uma das 220 000 crianças que estão nascendo hoje pode ser o Einstein do ano 2024. Na prática, alguns indivíduos têm mais chances do que outros. Os pais, o ambiente, os genes – tudo isso tem, certamente, alguma influência, mas a medida exata de cada ingrediente permanece um mistério.

Por enquanto, o que se sabe é que nenhum gênio vem ao mundo prontinho da Silva. Os neurônios de Picasso e de Freud, quando nasceram, eram iguais às células cerebrais de qualquer outro bebê. As conexões neuronais – ou sinapses – que fizeram deles talentos extraordinários se formaram a partir de suas experiências de vida. Mas que o berço faz diferença, faz.

Um caso evidente é da pesquisadora francesa Irène Joliot-Curie (1897-1956), filha do casal de físicos Pierre e Marie Curie. Mãe, pai e filha são ganhadores do Prêmio Nobel (veja texto na página 18). É evidente, em Irène, a presença dos dois fatores da genialidade – a hereditariedade e o ambiente. Quem poderá dizer qual foi o decisivo?

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Fenômenos de proveta e talentos autodidatas

O caso clássico do gênio de proveta é o do austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), compositor dotado de um talento quase sobrenatural. Mozart foi estimulado para a música desde o útero. Sua mãe, grávida, já tocava cravo para ele. O pai, Leopold, era professor de violino e o treinava sistematicamente desde muito cedo. Aos 6 anos, Wolfgang começou a compor. Quase dois séculos depois, o físico inglês Stephen Hawking, hoje com 56 anos, autor de descobertas importantes sobre os buracos negros, demorou para demonstrar sua genialidade. Era um aluno medíocre e nunca se interessou pela Medicina, profissão do pai. Em compensação, lia muito e tinha um autodidatismo excepcional. “Ele era um mata-borrão”, definiu sua mãe, Isobel. “Absorvia tudo o que lhe interessava.”

Para os adeptos da tese de que a inteligência é um bem hereditário, tanto Hawking quanto Mozart foram bafejados por um patrimônio genético privilegiado. Mozart vinha de uma família de músicos. O pai de Hawking, Frank, era um pesquisador apaixonado em várias áreas além da Medicina. No entanto, os irmãos de Hawking, que cresceram no mesmíssimo ambiente, estão longe de ser considerados gênios. O mais novo, Edward, toca uma firma de construção, sem dar a mínima para o que aconteceu antes do Big Bang, a explosão primordial do Universo. A irmã de Mozart, Nannerl, tocava piano divinamente, mas entrou para a história apenas como a irmã de Mozart. Ou seja, os ingredientes – genes e ambiente – podem se combinar sem que o bolo cresça. Ainda está por surgir um gênio capaz de descobrir a receita da genialidade.

Contra a maré

Se a obra e o poder de criação dos gênios são invejáveis, o mesmo não se pode dizer de sua vida pessoal. A biografia de muitos criadores está marcada por tragédias familiares e muito sofrimento. Alguns estudiosos acreditam que o infortúnio pode ser uma das fontes da extraordinária disposição dos gênios para enfrentar problemas e de sua coragem para remar contra a maré do pensamento dominante em sua área.

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As desventuras do gênio começam na infância. Tolstói, Michelângelo, Wagner, Rafael, Bach e Chaplin ficaram órfãos antes dos 10 anos de idade. As biografias de grandes artistas e escritores mostram que o índice de orfandade entre esses criadores é maior que no resto da população. A morte não é o único trauma que marca as famílias desses homens e mulheres iluminados. Muitos deles vêm de lares desagregados pelo alcoolismo de um dos pais, pela loucura ou pelo divórcio. Pobreza, falência e doenças também fazem parte da mórbida receita da genialidade em diversos casos. Marie Curie, por exemplo, nasceu numa família arruinada pelos maus negócios do pai. Há também os gênios que levam uma vida pessoal muito complicada. Einstein não conseguiu emprego depois de formado. E jamais conheceu a primeira filha, Liserl, dada à adoção pela mãe, Mileva – já então separada do físico.

Cromossomos premiados

A capacidade intelectual pode estar nos genes.

Quando você nasceu, a sua inteligência – ou grande parte dela – já estava escrita. Não nas estrelas, mas nas seqüências de fosfatos e bases nitrogenadas que compõem o seu DNA. E o dos seus pais. E o dos seus avós, também. Esta é a conclusão a que chegaram os pesquisadores dedicados à procura de uma explicação genética para a inteligência. |

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Os primeiros estudos sistemáticos foram feitos nos anos 70, por pesquisadores da Universidade do Havaí. Comparações entre indivíduos da mesma família e outros sem nenhum laço sanguíneo mostraram que o desempenho intelectual tende a ser mais parecido entre parentes próximos. Pesquisas posteriores demonstraram que a herança genética responde por 60% da variação da habilidade espacial, um dos ingredientes da inteligência, e por 50% da habilidade verbal. E mais: gêmeos idênticos – aqueles que têm exatamente a mesma carga genética – submetidos a testes obtêm resultados mais parecidos entre si do que os gêmeos fraternos, que compartilham apenas a metade dos genes.

No final do ano passado, a equipe do geneticista Robert Plomin, do Instituto de Psiquiatria de Londres, encontrou um indício que reforçou a teoria da inteligência hereditária. Ela está no cromossomo 6 e foi batizada de IGF2R, o “gene da inteligência”.

Ele faz parte de um grupo de genes que parecem atuar em conjunto, determinando algumas das habilidades mentais.

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A descoberta de Plomin corta para os dois lados. Ao mesmo tempo em que comprova o que há anos se deduzia por estudos de comportamento, reforça a perigosa tese do determinismo genético – a idéia simplista de que tudo na sua vida, desde a maneira como você coça a cabeça até o seu voto para presidente da República, está ligado aos genes. Essa teoria deu origem a disparates como o livro A Curva do Sino, dos geneticistas norte-americanos Richard Herrnstein e Charles Murray. No livro, lançado em 1994, os autores tentam comprovar que, por razões genéticas, o Quociente de Inteligência dos negros é, em média, 15 pontos inferior ao dos brancos. Uma bobagem perigosa.

Tesouro de família

A inteligência não consta em testamentos. Mas é uma herança que passa de geração para geração.

Se a inteligência fosse uma propriedade rural, algumas famílias seriam donas de verdadeiros latifúndios. Seus membros, se não gênios, são pessoas extremamente talentosas – seja por influência do ambiente familiar ou pela pura herança genética. É o caso da família Leakey. O antropólogo queniano Louis Leakey (1903-1972) chocou a comunidade científica quando, na primeira metade deste século, afirmou, com base nas teorias de Charles Darwin, que o homem pode ter surgido na África e de lá ter-se espalhado pelo mundo. Leakey provou o que disse ao descobrir, no continente africano, o primeiro fóssil do Homo habilis. Sua mulher e parceira de escavações, Mary Leakey, desenterrou o Australopithecus boisei em 1959 e concluiu que o homem andava sobre duas pernas há 3,5 milhões de anos, muito antes do que se supunha até então.

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O filho do casal, Richard, que rejeitava o ofício dos pais e só queria ser guia de safáris, literalmente esbarrou numa mandíbula de australopiteco em 1963. Virou antropólogo e não se arrependeu. Em 1967, ele e sua equipe desenterraram mais de 400 fósseis de antepassados do homem no Lago Turkana, na Etiópia. Há quatro anos, a mulher de Richard, Meave Leakey, comprou uma briga com a sogra (que morreria em 1996) ao descobrir que o homem andara sobre duas pernas há 4 milhões de anos – 500 000 anos antes do que supunha Mary Leakey.

A marca da genialidade também acompanha a família Huxley. Quem procura por esse sobrenome na Enciclopédia Britânica encontra lá nada menos que cinco personagens, todos parentes em primeiríssimo grau.

O patriarca, o biólogo Thomas Henry Huxley (1825-1895), foi um dos cientistas mais influentes da Inglaterra no século passado.

Amigo de Darwin – que o reverenciava assim como Caetano Veloso reverencia João Gilberto –, ajudou a difundir a então revolucionária Teoria da Evolução. Foi ele também que cunhou o termo “agnóstico” para definir a si próprio como um homem que não acreditava em Deus mas não descartava sua existência. O filho de Huxley, o escritor Leonard, teve três filhos geniais: o zoólogo Julian (1887-1975), o fisiologista Andrew Fielding (1917), ganhador do Prêmio Nobel de Medicina, e o mais famoso, o escritor Aldous Huxley (1894-1963), autor do clássico Admirável Mundo Novo. Admirável, mesmo, é a família dele.

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