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A hora do rock

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 30 set 2004, 22h00

Texto Fernando Rosa

Foi tudo culpa do cinema. um filme sobre rebeldia, uma canção arrebatadora e aconteceu que uma respeitável cantora de samba-canção acabou envolvida com esse tal “novo ritmo”, o rock’n’roll. e, ainda que aquilo fosse visto como mais um modismo para os salões de dança, o que ocorreu nos estúdios da continental naquele mês de outubro de 1955 ressoa até hoje. foram os primeiros e acanhados passos da música jovem brasileira.

“A surpresa, outro dia, no programa de César de Alencar (na Rádio Nacional), foi Nora Ney cantando em inglês uma melodia que estava sendo lançada num filme”, dizia uma notinha da Revista do Rádio, em sua edição de novembro de 1955. A tal “melodia” era “Rock Around the Clock”, gravada às pressas em disco de 78 RPM, no final de outubro, em cima da versão original de Bill Haley & His Comets, da trilha sonora do filme Sementes da Violência (Blackboard Jungle). O senso de oportunidade funcionou: lançada pela gravadora Continental, em uma semana a música já ocupava o primeiro lugar das paradas, reproduzindo o sucesso do filme de Richard Brooks.

E assim nascia o primeiro rock gravado no Brasil, pela voz de Nora Ney, cantora de samba-canção de sucesso. Então com 33 anos, Nora cumpria o papel de preencher o espaço ainda não ocupado por artistas jovens, que só foram entrar em cena alguns anos depois. O insólito de Nora Ney interpretando “Rock Around the Clock” se deveu, além de suas óbvias qualidades vocais, à sua failiaridade com a língua inglesa. Ou seja, o rock brasileiro nasceu por causa da boa dicção de uma cantora de fossa.

De qualquer modo, o sucesso não impressionou a cantora, que nunca mais gravou outro rock. Pelo contrário, em 1961, ironicamente, Nora Ney lançou “Cansei de Rock”, encerrando categoricamente sua aventura passageira por aquele gênero musical.

Em 1955, canções eram disputadas como commodities valiosas. As outras gravadoras ficaram em polvorosa por causa do sucesso de “Rock Around the Clock” e, logo em dezembro, a pioneira gravadora Odeon (atual EMI) lançou uma versão em português do sucesso, de autoria de Júlio Nagib, que virou “Ronda das Horas” e foi gravada por Heleninha Silveira. A Columbia (atual Sony Music) também apostou na música, produzindo outra versão, com o acordeonista Frontera, também lançada em dezembro. As duas gravações não tiveram repercussão porque a juventude queria mesmo era ouvir algo próximo do original que conhecera no cinema, como no caso de Nora Ney.

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Heróis das telas

O estouro de “Rock Around the Clock” que detonou o surgimento do rock’n’roll no Brasil aconteceu, como em todo o mundo, por meio do filme Sementes da Violência. Incluída na trilha da fita, a música tocava apenas em sua abertura, durante a apresentação dos créditos, mas o suficiente para agitar os jovens espectadores e produzir grandes confusões nas salas de cinema. Retratando os conflitos de uma juventude que começava a buscar seu espaço na sociedade, o filme estreou em São Paulo e Rio de Janeiro em outubro de 1955 – no calor da morte trágica do maior ídolo jovem da época, James Dean. “Um dia, em 1956, matei aula e entrei no Cine Excelsior, na Praça da Sé, em Salvador. Começou um filme no qual Bill Haley abria cantando ‘Rock Around the Clock’. Nossa! Eu chorei naquela cadeira, estremeci, era uma coisa igual à Fonte da Nação”, disse o futuro tropicalista Tom Zé em entrevista ao jornal República, referindo-se à bica d’água em sua cidade natal, Irará. “Aquele espetáculo das pessoas todas lavando roupas ali embaixo. Um gramado extenso, onde todas as roupas da cidade estavam estendidas, todas aquelas cores. Quando eu vi essa loucura, fiquei ali, alumbrado. Aquela luminosidade do Nordeste, que deixa tudo ser visto com grande clareza. E aquilo tinha som: ‘Meu divino São José…’ Aquelas mulheres com aquela voz muito aguda: ‘A mulher do cego morreu…’ E os homens todos cantando junto, aquelas vozes muito fanhosas… A primeira vez que ouvi ‘Rock Around the Clock’ pode se comparar a isso.”

A surpresa e o espanto da juventude diante de Sementes da Violência apenas abriram caminho para a explosão incontrolável do também clássico Ao Balanço das Horas (Rock Around the Clock, no original), lançado menos de um ano depois. Basicamente um filme musical, a fita, batizada com o nome do megahit de Haley, trazia o próprio cantor e outros intérpretes e personagens de sucesso, como The Platters, Freddie Bell e o DJ Allan Freed, a quem se credita ter cunhado a expressão “rock’n’roll”. O filme, na verdade, faturava o sucesso comercial da música e amplificava ainda mais a sua febre inicial.

A situação de “descontrole” da juventude, que chegava a depredar cinemas ao som do rock, não agradou às autoridades. Em muitos casos, o filme chegou a ser proibido, como conta o pioneiro Albert Pavão em seu fundamental livro Rock Brasileiro, 1955/1965 – Trajetórias, Personagens e Discografia. O governador de São Paulo, Jânio Quadros ordenou ao secretário de Segurança que determinasse “à polícia deter, sumariamente, colocando em carro de preso, os que promoverem cenas semelhantes; e, se forem menores, entregá-los ao honrado juiz”. Como efeito, o juiz de menores, Aldo de Assis Dias, baixou uma portaria proibindo o filme para menores de 18 anos, argumentando (com uma irônica precisão) que “o novo ritmo é excitante, frenético, alucinante e mesmo provocante, de estranha sensação e de trejeitos exageradamente imorais”.

Revolução involuntária

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Apesar de se beneficiar com tanto frenesi, a verdade é que o destino previsto para “Rock Around the Clock” era outro, bem diferente. Gravado por Bill Haley & His Comets em 12 de abril de 1954 e lançado no mesmo ano, o single foi inicialmente um fracasso, vendendo somente 75 mil cópias nos Estados Unidos. Com menos repercussão do que os discos anteriores de Haley como Crazy, Man, Crazy, a música parecia destinada a sepultar a idéia de tornar o rhythm’n’blues palatável à classe média branca americana (Elvis Presley e “That’s All Right” ainda não existiam). Foi apenas um ano depois, com a inclusão na trilha de Sementes da Violência, que a música explodiu em vendas não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.

A gravação de Haley era, na verdade, uma cover de um original lançado havia um mês pelo cantor ítalo-americano Sonny Dae & His Knights. Seu autor, Max C. Freedman, era um nova-iorquino de 63 anos – nada mais distante do juvenil rock’n’roll que ajudou a construir. Ainda mais interessante é que Dae a relegou a um discreto lado B de “Thirteen Woman”, um tema de pós-guerra, a verdadeira aposta da gravadora. A música, no entanto, estava marcada por confluências históricas, que, talvez, sejam a principal razão de seu sucesso.

Uma espécie de “jump-boogie” no original de Sonny Dae, a versão de Haley para “Rock Around the Clock” traz, pelo menos, três outras canções em seu DNA. O próprio Haley admitiu a “inspiração” explícita de um antigo blues de 1922 chamado “My Daddy Rocks Me (With One Steady Roll)”, de Trixie Smith. Outra fonte, dessa vez não assumida, seria o country-boogie “Move It On Over”, de Hank Williams, de 1947. A terceira influência direta é o tema instrumental “Syncopated Clock”, de Leroy Anderson (1945), da qual “Rock Around the Clock” seria uma espécie de variação roqueira.

Composta em outubro de 1952, a canção já havia sido oferecida a Bill Haley naquela época, pelo promotor e empresário James Myers. A música, no entanto, não entusiasmou Dave Miller, produtor da Essex Records, então dono do passe de Bill Haley, que preferiu outra versão, de “Rocket 88”. Como se não bastassem tantas confusões, ainda vale dizer que existem outros dois registros com o mesmo nome de “Rock Around the Clock” anteriores à gravação de Haley, interpretados por Hal Singer (1950) e por Wally Mercer (1952). A autoria da música também é confusa. Um das versões reafirma a parceria de Max C. Freedman e James Myers. Segundo o próprio Myers, em entrevistas concedidas à imprensa americana, ele teria “completado” a canção iniciada por Freedman. Outra, sugere que Myers apenas assinou a música, na condição de editor, e também agente de Bill Haley, como era comum ocorrer na época.

De volta ao Brasil

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Passada a explosão inicial de “Rock Around the Clock” na versão original e na cover de Nora Ney, Elvis já estava entronado como o “Rei do Rock” em todo mundo, o que nos traz de volta ao Brasil, onde novas gravações marcavam os primeiros passos do rock. “Rock and Roll em Copacabana”, de autoria de Miguel Gustavo (compositor do célebre hino da Copa de 1970, “Pra Frente Brasil”), é apontada como o primeiro originalmente composto em português. Lançada em 1957 pela RCA Victor, a música foi cantada por Cauby Peixoto, àquela altura o cantor mais popular do país. Cauby havia chegado recentemente dos Estados Unidos, onde flagrara in loco o furacão Elvis.

A letra descreve a entrada do rock na cena carioca e no Brasil com uma incendiária levada rhythm’n’blues. “Revira o corpo, estica o braço, encolhe a perna e joga para o ar… Eu quero ver qual é o primeiro que essa dança vai alucinar… E continua a garotada na calçada a se desabafar”, diz um trecho da letra.

Ainda em 1957, outro famoso cantor popular emplacou na primeira fase do rock brasileiro. Era Agostinho dos Santos, que gravou “Até Logo, Jacaré”, uma cover em português para “See You Later, Alligator”. Em maio do mesmo ano, Carlos Gonzaga gravou “Meu Fingimento”, versão de “The Great Pretender”, dos Platters.

Enquanto isso, um grupo de jovens cariocas se reunia no cruzamento das ruas Haddock Lobo e Matoso, em frente ao Cine Roxy, na Tijuca, para conversar sobre a nova onda. Eram Erasmo e Roberto Carlos, Tim Maia, Jorge Ben, e outros. Seriam eles, numa daquelas trajetórias fantásticas de que a história do rock é repleta, que dariam identidade ao gênero no Brasil. E tudo graças ao rastro explosivo deixado por “Rock Around the Clock”.

1955

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Fevereiro

• Pela primeira vez a venda de discos de 45 rotações supera a de 78 RPM.

Março

• Elvis Presley faz sua primeira aparição na televisão e Tom Parker se torna seu empresário.

• Morre o saxofonista de jazz Charlie Parker.

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• “Blue Suede Shoes”, de Carl Perkins, chega à parada de R&B.

• Johnny Cash, Little Richard e Eddie Cochran lançam suas carreiras.

Abril

• Estréia na televisão o programa Clube do Mickey.

• Morre Albert Einstein, autor da Teoria da Relatividade.

Agosto

• Carmen Miranda morre nos Estados Unidos.

Novembro

• O vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, assume interinamente a Presidência do Brasil.

Dezembro

• A General Motors se torna a primeira empresa a vender mais de 1 bilhão de dólares em um ano.

1956

Janeiro

• Buddy Holly realiza suas primeiras gravações pela Decca.

• O presidente Juscelino Kubitschek toma posse.

Fevereiro

• Elvis Presley atinge a parada da Billboard pela primeira vez com “Heartbreak Hotel”. Ele, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins e Johnny Cash gravam juntos nos estúdios Sun, em Memphis, o que ficou conhecido como Million Dollar Quartet.

Maio

• A bomba de hidrogênio é testada pelos Estados Unidos no atol Bikini, no Oceano Pacífico.

• A IBM cria o hard disk.

Setembro

• Elvis Presley se apresenta no Ed Sullivan Show.

Novembro

• Elvis Presley estrela seu primeiro filme, Love Me Tender.

• Dwight D. Eisenhower é reeleito presidente dos Estados Unidos.

Cinema delinqüência

Texto Carlos Primati

“Contra o que você está se rebelando, Johnny?”, uma moça pergunta ao motoqueiro interpretado por Marlon Brando no filme O Selvagem (The Wild One). “Contra o que você quiser”, responde o malvado. Lançado no final de 1953, o filme tornou-se um símbolo da inquietação juvenil, antecipando o conflito de gerações que seria detonado definitivamente pela explosão do rock’n’roll, alguns anos depois.

A ressaca do pós-guerra trouxe embutida a necessidade de contestar antigos valores. A perda da inocência e a conseqüente desconfiança nos mais velhos ampliaram o abismo entre gerações. Nada mais perfeito do que o frenético, indecente, imoral e excitante rock’n’roll para selar esse conflito. O cinema não demorou para perceber o potencial desse novo filão e a indústria de Hollywood tratou de estampar nas telas o inconformismo.

O drama estudantil Sementes da Violência (Blackboard Jungle) estipulou o marco zero do rock’n’roll nas telas ao exibir “Rock Around the Clock”. O filme captava o clima tenso entre os “rebeldes sem causa” e as instituições conservadoras. A cena do delinqüente que quebra uma coleção de discos de jazz não deixa de ter um forte simbolismo.

Atento a todo o alvoroço provocado pelo novo ritmo, o veterano produtor Sam Katzman decidiu investir no primeiro filme sobre a febre do rock’n’roll. Em março de 1956, Ao Balanço das Horas (Rock Around the Clock) levava o verdadeiro rock às telas, contando a história (um pouco ingênua, deveras fictícia) da ascensão e descoberta de Bill Haley e seus cometas. No filme, o rock’n’roll é tratado como uma “onda”, à qual todo artista que quer fazer sucesso deve aderir o quanto antes. Mais ou menos como aconteceu com Haley, um cantor caipira de meia-idade, alçado da noite para o dia ao posto de “ídolo da juventude”.

Claro que detalhes como esse pouco importavam aos produtores; os filmes de rock não defendiam ideais ou estilos de vida. O objetivo era faturar com a nova mania. Eram garotos entre os 13 e 25 anos que lotavam os drive-ins, então nada mais lucrativo do que fazer filmes para esse público rejuvenescido.

Foi o cinema que cuidou de transformar o rock numa manifestação sociológica perene. O espírito inquieto do novo ritmo se manifestava por meio da arruaça promovida durante as sessões. Assim, os filmes ajudaram a definir o famoso jargão “o rock não pode parar”.

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