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O poder da superstição

As origens - e as motivações - que estão por trás de algumas das mais antigas crenças do ser humano.

Por Erika Sallum
Atualizado em 26 abr 2023, 11h12 - Publicado em 30 abr 2006, 22h00

O presidente François Mitterrand, da França, estava indeciso naquele janeiro de 1991. Deveria seu país aderir à Guerra do Golfo, aliando-se aos EUA contra o Iraque? Cheio de dúvidas, o político resolveu consultar sua astróloga, Elizabeth Teissier, que anos mais tarde publicou um livro revelando o episódio.

Por causa da “lua nova saindo de um eclipse solar, sinal de mau agouro”, ela o aconselhou a adiar a decisão, no que foi obedecida imediatamente.

O senador José Sarney também não quis saber de dar sopa para o azar: ao substituir Antonio Carlos Magalhães na presidência do Senado, em 2003, fez uma varredura no gabinete para checar se havia algum grampo. Descobriu patuás de candomblé espalhados pela sala. Cauteloso, Sarney preferiu ocupar um espaço menor ali do lado.

Até os sisudos diretores britânicos do Banco HSBC pediram uma forcinha para o além na hora de erguer seu escritório central na China. Durante a construção do prédio, o arquiteto Norman Forster teve de seguir recomendações de um guru para atrair boas vibrações e respeitar o feng shui.

Os relatos acima podem parecer exagerados, mas, cá entre nós, quem nunca bateu na madeira 3 vezes para afastar uma notícia ruim ou se vestiu de branco na virada do ano para atrair sorte? Há séculos seguimos esses costumes, muitas vezes sem saber como nasceram.

Mas, afinal, como eles surgem, há quanto tempo fazem parte da nossa vida e, o mais intrigante, por que continuam existindo até hoje, quando tudo parece ter uma explicação lógica e científica?

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(Antes que você saia perguntando, o hábito de bater na madeira apareceu milhares de anos atrás entre os pagãos, que acreditavam que as árvores serviam de moradia dos deuses. Para chamar o poder das divindades, povos como os celtas batiam nos troncos, afugentando maus espíritos. Já a roupa branca do Réveillon é uma influência das tribos africanas que vieram para o Brasil durante o período da escravidão. Segundo elas, o branco tem o significado de paz e purificação.)

Superstição ou religião?

Superstições são tão antigas quanto a humanidade. Existem desde a época em que os primeiros grupos humanos louvavam a natureza com seus rituais pagãos. Antes de o cristianismo se tornar religião oficial do Império Romano, por exemplo, no século 4, magia e superstição eram costumes bastante populares.

Os homens daquela época viviam mais próximos dos seus deuses, e fazer pequenos feitiços era tão normal quanto plantar ou colher. Até que as religiões monoteístas deflagraram uma guerra ao paganismo e à feitiçaria, condenando qualquer um que não concordasse com suas regras de comportamento.

Superstição virou sinônimo de ignorância, coisa de povos “menos desenvolvidos”. “É complicado definir o que é exatamente superstição. Porque a crença do outro é sempre a supersticiosa, nunca a nossa”, diz Ricardo Mário Gonçalves, professor aposentado de história das religiões da USP. “Superstição envolve avaliações extremamente subjetivas. Ficamos todos com a impressão errada de que só os fracos acreditam nessas bobagens”, afirma.

Professor do Departamento de Sociologia da USP e autor do livro A Magia, Antônio Flávio Pierucci vê na confissão católica, que permite zerar os pecados praticamente num vapt-vupt com o padre, um bom exemplo de como o que é crença para uma pessoa pode facilmente soar como esquisitisse para outra. “Os protestantes acham a absolvição (confessional) algo esquisitíssimo, quase feitiçaria. Tudo depende do ângulo pelo qual avaliamos os costumes alheios”, afirma .

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Mas, apesar de ser possível apontar características supersticiosas dentro de praticamente todas as religiões, os pesquisadores consideram um equívoco confundir as duas coisas. “Religião não é magia. Enquanto uma prática supersticiosa, como uma simpatia ou um talismã, serve para melhorar nossa existência aqui e agora na Terra, a religião trata da vida espiritual. A superstição traz um benefício imediato, enquanto a religião busca a paz divina, envolvendo normas éticas e códigos de conduta”, diz Pierucci.

Diferentemente da religião, a superstição tem fins específicos. Apelamos para ela quando precisamos de uma “forcinha” a mais, venha ela de onde vier. Que mal há em ter sobre a mesa do escritório uma pequena ferradura que um amigo deu de presente? Desde a Grécia antiga, o objeto é considerado um amuleto, por vários motivos. Primeiro, porque na época era feito de barro, material que os gregos pensavam proteger contra o mal. Segundo, porque seu formato lembra a Lua, símbolo de prosperidade. O talismã ganhou, séculos depois, a simpatia dos romanos. A fama dura até hoje.

Quando se trata de superstição, tudo é mais prático, porque envolve os que estudiosos do assunto chamam, em inglês, de half-belief – ou meia-crença. Ninguém precisa acreditar 100% numa simpatia para executá-la nem ser um legítimo esotérico bicho-grilo para ter um cristal em cima da mesa. Basta acreditar um pouquinho que já vale. Como diz aquele manjado ditado espanhol, Yo no creo em las brujas, pero que las hay, las hay (“Não acredito nas bruxas, mas que existem, existem”).

Pequenos rituais, como comer lentilha no Réveillon (já que o grão, quando cozido, aumenta de tamanho, o que significa crescimento e fartura, segundo a tradição grega), geralmente não dão muito trabalho e são quase sempre acessíveis a todos, pobres ou ricos. Assim, resistem ao tempo.

“As superstições sobrevivem por causa de nossa eterna busca pela segurança, algo inerente à natureza humana. Para nossa decepção, nem tudo é explicável, e a ciência sabe muito bem disso. Procuramos encontrar tudo certinho num mundo nada certo e, quando isso não acontece, lançamos mão do sobrenatural, sem grandes culpas”, diz o professor Gonçalves. Trata-se de algo saudável, que nos ajuda a encarar os desafios, a diminuir nossa ansiedade e a ter fé em que tudo, no final, vai dar certo.

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Mesmo sem sentido para quem não acredita nelas, as superstições têm um poder enorme na vida das pessoas que as praticam. Até hoje não há nada que comprove a má fama do número 13, mas muita gente prefere evitá-lo (saiba o porquê no quadro abaixo). O elevador do Palácio do Anhangabaú, construído na década de 1930 a mando do conde Francisco Matarazzo e atual sede da Prefeitura de São Paulo, por exemplo, passa direto do 12º para o 14º andar. O andar fatídico continua a influenciar os arquitetos: erguido em 1988, o edifício do Banco Safra, na avenida Paulista, também não possui o 13º andar, assim como a Torre Norte do Centro Empresarial Nações Unidas, um predião de 1999 localizado na Marginal do Pinheiros.

“As crenças não são apenas coisas dentro da cabeça das pessoas. Elas realmente afetam seu comportamento”, escreveu Gustav Jahoda no livro A Psicologia da Superstição, em que explica como elas atuam na dinâmica da personalidade do ser humano. Ou seja, de tanto se acreditar por aí que o 13 é símbolo de azar, o número acabou ganhando uma força particular, capaz de alterar nossas ações e, por conseqüência, seus resultados.

Uma pesquisa realizada em 1948 mostrou que até pássaros podem ter comportamentos parecidos. O psicólogo americano Burrhus Frederic Skinner colocou algumas aves famintas dentro de uma gaiola, onde um mecanismo depositava comida em horas fixas. Skinner percebeu que os animais associavam alguns movimentos à entrega do alimento, como se só ganhassem a refeição se os realizassem.

Um deles, por exemplo, dava voltas anti-horárias na gaiola toda vez que se aproximava o momento do lanche. Outro balançava a cabeça sem parar até ganhar o alpiste. Nas devidas proporções, os pássaros da pesquisa lembram casos como o do atacante Robson, o Robgol, do Paysandu, que só entra em campo depois de cheirar sua chuteira. Isso mesmo que você leu. Segundo ele, depois que começou a fazer o ritual, em 1995, sua sorte virou. O jogador jura que o sucesso na carreira se deve em parte a essa bizarrice.

O mundo evoluiu, a ciência hoje consegue provar um monte de fenômenos que no passado assustavam o homem, a tecnologia está cada vez mais desenvolvida, mas ainda há aqueles que acreditam em trevo de 4 folhas, exatamente como acontecia no Egito antigo, onde a rara planta associada à deusa Ísis era utilizada em rituais de amor, para dar sorte.

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Apesar de tantos avanços, não conseguimos explicar muitos dos mistérios da vida – felizmente, porque dessa maneira conservamos crenças milenares que enriquecem a história e a cultura das civilizações. Se até o intelectualizado Mitterrand consultava os astros para tomar grandes decisões políticas, quem somos nós para tirar sarro do Robgol e sua chuteira cheirosa?

Como surgiram?

Pular 7 ondas no ano-novo

Trata-se de uma tradição africana ligada à umbanda e ao candomblé. O 7 é um número considerado espiritual (são 7 os dias da semana e os chacras). Pular 7 ondas ajudaria a invocar os poderes de Iemanjá, a deusa do mar, que purifica e nos dá força para vencer os obstáculos do ano que está por vir.

Figa da sorte

Já na Grécia antiga e em Roma, o amuleto era comum, principalmente para mulheres, por ser considerado símbolo de fertilidade. O polegar entre os dedos representaria o órgão masculino penetrando no feminino. Com o tempo, a figa também passou a ser usada contra mau-olhado.

A urucubaca do 13

Sua provável origem está nos mitos nórdicos, como o de Loki, espírito maligno que apareceu sem ser chamado em um banquete celestial onde havia 12 convidados. A má fama do número ganhou força com o relato bíblico da Última Ceia, em que 13 pessoas se reuniram à mesa na véspera da crucificação de Jesus.

Quebrar espelho dá 7 anos de azar

Os gregos tinham o costume de ler o futuro a partir da imagem de uma pessoa refletida sobre uma tigela com água. Se o pote quebrasse, era azar na certa. Os romanos herdaram o hábito, acrescentando que a má sorte se estenderia por 7 anos. Quando os (caros) espelhos de vidro surgiram, no século 16 em Veneza, atual Itália, a superstição ganhou novas dimensões: os nobres avisavam a seus serviçais que, se quebrassem um, estariam fadados a viver 7 anos de mau agouro.

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Estranhas crenças

• Na Tailândia, quase todas as lojas são enfeitadas com um pênis de madeira, símbolo de fertilidade e riqueza. Os falos podem ser encontrados também em templos, alguns medindo mais de 2 metros de comprimento.

• Não se deve varrer ou limpar o chão depois do pôr-do-sol no Paquistão. Caso contrário, corre-se o risco de atrair azar para toda a vida.

• Para arranjar namorados no Japão, as moças devem escrever o nome do pretendente no braço esquerdo e depois cobri-lo com um pedaço de esparadrapo por 3 dias. Dizem que após uma semana o sujeito cai de amores pela garota.

• Na tradição chinesa, o número 8 dá sorte. Tanto que a cerimônia de abertura da Olimpíada de Pequim foi marcada para 8h08 da noite do dia 8 de agosto de 2008.

Para saber mais

Um Adivinho me Disse,

Tiziano Terzani, Globo, 2005

A Magia,

Antônio Flávio Pierucci, Publifolha, 2001

A Psicologia da Superstição,

Gustav Jahoda, Paz e Terra, 1977

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