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Qual é a dos orgânicos

A agricultura que dispensa agrotóxicos e fertilizantes é a que mais cresce no mundo. Mas esses alimentos realmente fazem bem para você e para o meio ambiente?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h25 - Publicado em 31 out 2006, 22h00

Texto Ana Gonzaga

“A batalha para alimentar a humanidade acabou. Centenas de milhões vão morrer nas próximas décadas, apesar de todos os programas contra a fome”, escreveu o biólogo americano Paul Ehrlich em seu best seller A Bomba Populacional, de 1968. Não era à toa. O número de pessoas no mundo chegava a assustadores 3,5 bilhões, e, de fato, não existia terra suficiente para alimentar esse povo todo.

Mas Ehrlich, você sabe, errou. Ele não acreditava que um daqueles programas contra a fome daria certo do jeito que deu. Era a Revolução Verde, um movimento que começou nos anos 40. O revolucionário ali foi bombar a agricultura com duas novidades. A primeira foram os fertilizantes de laboratório. Criados no começo do século 20, esses compostos químicos funcionam como um esteróide para as plantas, turbinando o crescimento delas com 3 nutrientes fundamentais: nitrogênio, potássio e fósforo. A segunda novidade eram os pesticidas e herbicidas químicos, capazes de destruir insetos, fungos e outros inimigos das lavouras com uma eficiência inédita.

E o resultado não poderia ter sido melhor: com essa dupla no front, a produtividade das lavouras cresceu exponencialmente. Tanto que, hoje, dá para alimentar uma pessoa com o que cresce em 2 mil metros quadrados. Antes, eram necessários 20 mil.

A química salvou a humanidade da fome. Mas cobrou seu preço. Os restos de fertilizantes, por exemplo, tendem a escapar para rios e lagos próximos às plantações e virar comida para a vegetação aquática. Resultado: as algas se multiplicam a rodo e, quando finalmente morrem, sua decomposição consome o oxigênio da água. Os peixes acabam sufocados. Além disso, os fertilizantes aumentam a produção de óxido nitroso, um gás emitido pelo solo e que representa 5% das emissões relacionadas ao efeito estufa.

Com os pesticidas é pior ainda. Eles não são terríveis só contra os insetos que destroem lavouras, mas também contra borboletas, pássaros e outras formas de vida que não têm nada a ver com a história. A biodiversidade ao redor das fazendas fica minguada. Mais: quando os agricultores exageram na dose, sobram resíduos nos alimentos; toxinas que, segundo alguns estudos, podem causar câncer.

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Diante disso, muitos consumidores partiram para uma alternativa: os alimentos orgânicos, que dão um chega pra lá nos pesticidas e fertilizantes químicos em nome de integrar a lavoura com a natureza.

O que é um orgânico, afinal?

Mais do que um meio de produção diferente, esse tipo de agricultura é uma filosofia. Começou em 1940, quando o botânico inglês Albert Howard (1873-1947) sugeriu que as lavouras deveriam ser tratadas como florestas, como “organismos” capazes de se sustentar sem a química. Ali, então, os fertilizantes de laboratório cedem lugar a adubos como esterco e restos de vegetação. Os dois são fontes naturais daqueles nutrientes básicos, só que bem menos concentrados que os fertilizantes químicos – por isso, aliás, a agricultura orgânica não produz vegetais tão grandes quanto os da convencional.

Bom, no lugar dos pesticidas sintéticos entram seres vivos – vespas para combater insetos comedores de cana, joaninhas contra pulgões de hortaliças, e por aí vai. Mais: a rotação de culturas também serve como “pesticida” ali. Se você reveza uma plantação de milho com uma de legumes, por exemplo, não deixa nem as pragas que gostam de milho nem as chegadas em legumes dominar a lavoura. Mas não fica nisso. Para ter mais produtividade, a agricultura orgânica também usa pesticidas menos “verdes”, como enxofre e inseticidas à base de plantas. A diferença é que eles devem ter origem natural e não causar problemas à saúde ou ao meio ambiente. Mas há controvérsias.

Hoje, quem indica as substâncias que podem entrar nessa lavoura é a Federação Internacional da Agricultura Orgânica (Ifoam), com sede em Bonn, na Alemanha. Mas as regras que ela define não são universais: cada lugar se regula como quiser. E aí vêm alguns conflitos. Nos EUA, por exemplo, o governo deixa os cultivadores de orgânicos usar um mineral chamado nitrato chileno. É um fertilizante 100% natural, só que na Europa foi considerado tão nocivo ao meio ambiente quanto os artificiais. E acabou banido.

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Já o Brasil só vai ter uma lei federal para reger seus orgânicos em 2007. Por enquanto, quem dita os parâmetros são entidades privadas. “Nos guiamos pelo padrão de exigências mais alto que houver em cada caso”, diz o agrônomo Gwendal Bellocq, gerente do Instituto Biodinâmico (IBD), a maior dessas organizações no país. A idéia, afinal, é manter portas abertas nesses dois mercados.

Não é à toa: as vendas mundiais desses alimentos cresceram 20% ao ano nesta década. E a área dedicada à agricultura orgânica no mundo quadruplicou.

Eles ajudam o ambiente?

Eles viraram moda de vez. Seu apelo como algo mais saudável e menos agressivo ao meio ambiente casou direitinho com o clima de “consciência ecológica” dos últimos tempos. E eles entraram para a lista de consumo das pessoas que reciclam seu lixo, apóiam fontes alternativas de energia e tiram a bicicleta da garagem para não colaborar com o efeito estufa. Ok. Mas até que ponto isso faz sentido?

Depende. Os fertilizantes artificiais são responsáveis por 60% das emissões de óxido nitroso. É um gás barra-pesada para o aquecimento global: 1 tonelada dele tem o mesmo potencial de esquentar a atmosfera que 310 toneladas de dióxido de carbono. E agora olha isto: as fazendas dos EUA produziram 690 mil toneladas do óxido em 2004. Isso dá uma emissão equivalente à de 55 milhões de carros – ou 40% mais que toda a frota brasileira.

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A fonte desse gás é o nitrogênio, principal componente dos fertilizantes químicos. Então os defensores da agricultura orgânica alegam que seus adubos são inofensivos para a atmosfera. Só que um estudo feito neste ano pela Universidade Stanford, dos EUA, mostrou que plantações orgânicas e convencionais produzem a mesma quantidade de óxido nitroso.

Essa mesma pesquisa, no entanto, foi favorável aos orgânicos. Mostrou que a quantidade de nitrogênio que vai parar na água, aquela que asfixia os peixes, é até 5,6 vezes maior na agricultura convencional. A vida aquática agradece.

Mais: a produção industrial de fertilizantes químicos gera CO2 , pois as máquinas que fazem isso são movidas a combustíveis fósseis, como carvão e petróleo. E os adubos da agricultura orgânica não. Outro ponto para ela? Mais ou menos.

O Instituto de Pesquisa em Política Alimentária Internacional (IFPRI) calculou quanto dióxido de carbono os caminhões que transportam comida da fazenda para o mercado gastam no trajeto e chegou a um resultado curioso: eles liberam mais CO2 durante o trajeto do que a indústria emite para fazer os fertilizantes usados nos alimentos que estão na caçamba. Conclusão: do ponto de vista das emissões de carbono, é melhor comprar alimentos convencionais de produtores vizinhos do que orgânicos de longe. Para eles, só valeria a pena comprar estes últimos se eles forem produzidos a menos de 20 quilômetros da sua mesa. Se no Brasil isso já é difícil, no mundo desenvolvido é quase impossível: Europa e EUA consomem 97% dos orgânicos plantados no mundo. E metade da produção sai da América Latina, da Ásia e da Oceania.

São melhores para a saúde?

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Quando se fala em pesticidas, os benefícios da agricultura orgânica para o ambiente são mais claros. Por exemplo: algumas fazendas do estado de São Paulo começaram a produzir cana seguindo os princípios orgânicos. E pesquisas constataram que a biodiversidade ao redor delas é 3 a 4 vezes maior que a das áreas que plantam cana pelo método convencional.

Tudo graças a cuidados sutis. “A agricultura orgânica desenvolve pesticidas bem seletivos. Posso pegar um fungo que ataca um tipo de inseto, mas que não faz mal para outros animais. Já os pesticidas normais não. Eles eliminam tudo o que tiver por perto”, diz o agrônomo Luiz Cláudio Meirelles, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Outra motivação de quem opta pelos orgânicos é não comer veneno como tempero. Mas para alguns especialistas isso é paranóia. Primeiro, porque o pesticida mais tóxico da história, o DDT, foi proibido na maior parte do mundo – no Brasil, em 1985. Segundo, porque qualquer agrotóxico passa por testes antes de ser aprovado. “E a última etapa é justamente verificar a quantidade de resíduos que ele deixa”, diz Jorge do Vale Oliveira, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas. “Se ela ficar além do que é considerado seguro para a saúde, o produto não é liberado”, completa.

Mas a tal “quantidade segura” pode significar muito. Tanto que alguns toxicologistas defendem uma tese radical. Para eles, mesmo se os resíduos estiverem em concentrações baixíssimas, dentro do que os padrões internacionais entendem como seguro, os pesticidas podem, sim, causar câncer. Pelo menos em crianças, já que elas são alvo fácil para substâncias tóxicas. Isso fez com que a Alemanha lançasse uma lei exigindo que toda comida infantil seja 100% orgânica.

Outro problema é quando não usam o veneno do jeito que deveriam. A Anvisa, por exemplo, analisou 4 mil amostras de alimentos vendidos in natura nos supermercados entre 2001 e 2004. Metade tinha resíduos. Dessas, um terço apresentava ou mais restos de pesticida do que a lei permite ou agrotóxicos proibidos (veja o resultado completo em https://www.superinteressante.com.br). “Os maiores riscos estão nas plantas folhosas, como o alface, e naquelas que a gente come com casca e tudo, como o morango. Se você tem acesso a uma produção orgânica desses vegetais, vai ter uma exposição menor a pesticidas. É um fato”, diz Meirelles.

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Seja como for, também não falta gente que consome orgânicos simplesmente porque os considera mais nutritivos. Não há consenso na comunidade científica sobre o assunto, já que a maioria acha que faltam estudos mais complexos. Mas algumas pesquisas concluíram que os orgânicos, em geral, têm mais vitamina C e minerais, além de trazer até 50% mais fenólicos – substâncias com potencial de reduzir a incidência de doenças cardíacas e de certos tipos de câncer. Motivo: os fazendeiros orgânicos pegam uma determinada cultura e escolhem as variedades mais fortes, resistentes a doenças, enquanto os produtores comuns, armados de pesticidas e fertilizantes poderosos, miram naquelas que crescem mais.

Eles vão dominar geral?

Por essas, eles estão ganhando cada vez mais mercado. Mas ainda são coisa para poucos – como a produtividade orgânica é de 50% a 20% menor, eles custam cerca de um terço a mais. Sem falar que a maior parte dos países tem menos de 0,5% de sua área agricultável dedicada aos orgânicos. Só que a imagem toda bacana deles impulsiona uma baita indústria. Existem até megarredes de supermercados dedicadas a eles, como a Whole Foods, com 183 lojas nos EUA e na Inglaterra, que vende de vinho e pizzas congeladas até cosméticos com o valioso selo de “orgânico”. Selo que também está nas etiquetas de uma grife criada por Bono Vox, do U2. É a Edun (nude, ou “nudez”, ao contrário), que vende camisetas chiques feitas de algodão orgânico.

Tantas possibilidades de lucro, você sabe, aumentam o risco de trapaças. As regulamentações internacionais pedem que a lavoura orgânica seja fiscalizada só uma vez por ano pelos institutos que certificam essas fazendas – como o alemão Ifoam e o brasileiro IBD. Desse jeito, alguns agricultores podem usar substâncias químicas escondidos e driblar a produtividade capenga dos orgânicos para encher os bolsos. O inglês Francis Blake, ex-inspetor da britânica Soil Association (“Associação do Solo”), a maior certificadora de orgânicos do Reino Unido, admitiu recentemente: “O processo de inspeção não é completamente à prova de falhas. Funciona na base da confiança”.

Essa baixa produtividade, por sinal, é o grande problema da agricultura orgânica. Segundo o húngaro Vaclav Smil, um dos maiores especialistas no assunto, o mundo é pequeno demais para que ela substitua de vez a convencional. O agrônomo calcula que os adubos orgânicos não dariam conta de fertilizar nem metade do que plantamos hoje – principalmente por causa da criação de bichos, já que vão até 50 quilos de vegetais para obter 1 quilo de carne. Quer dizer: a gente até poderia viver num mundo orgânico, mas só se largasse os cheeseburgueres, filés à parmegiana… Bom, vamos parar esta reportagem por aqui. Deu fome.

Carne verde

Nem só da horta vivem os orgânicos. Essa filosofia também se aplica à criação de animais. As regras são alimentar os bichos só com comida orgânica e nunca usar nada artificial, como hormônios de crescimento e antibióticos (que só entram quando a vida do animal está em risco). Mas a grande diferença aqui é que os produtores de carne, leite e ovos devem propiciar uma vida bacana para os bichos. Assim: enquanto as galinhas das granjas comuns passam a vida confinadas num espaço igual ao desta página, as orgânicas ficam ao ar livre durante o dia, ciscando atrás de insetos e minhocas. O resultado, segundo uma pesquisa feita pela Universidade Metropolitana de Londres, em 2004, é uma carne com 25% menos gorduras. Também há peixes orgânicos – quase todos salmões e trutas criados em fazendas de piscicultura. Os salmões convencionais, por exemplo, vivem sob uma densidade equivalente a uns 25 quilos de peixe por metro cúbico. Já os orgânicos têm o dobro do espaço. Seja como for, do mesmo jeito que acontece na agricultura, nem todos esses produtos são iguais. O leite orgânico que um americano bebe, por exemplo, é diferente do de um europeu. É que o produto só ganha esse status no Velho Continente se as vacas de onde ele sai estiverem comendo só vegetais orgânicos há pelo menos um ano. E as ruminantes da América do Norte só precisam de 6 meses de dieta orgânica para o leite delas sair nos conformes.

Superorgânicos

Se boa parte dos consumidores tem um pé atrás com os transgênicos, os adeptos da agricultura orgânica têm os dois. Nada mais antinatural que colocar os genes de uma espécie em outra, não é? É, mas a própria agricultura, orgânica ou comum, não tem nada de “natural”. Todas as espécies que cultivamos hoje são fruto de uma engenharia genética à moda antiga. Quer dizer: os agricultores foram selecionando os melhores espécimes de cada planta, geração após geração, para conseguir vegetais cada vez maiores e mais robustos. Só que muita coisa acabou perdida nesse processo. Pense no arroz. Existem mais de 80 mil tipos de semente dele. Boa parte é selvagem, nunca foi cultivada. Só que, entre essas variedades esquecidas, existem muitas com “genes bons” – que deixam alguns tipos de arroz matuto mais resistentes ao clima e a certas pestes que o nosso. Mas cruzar essas variedades da planta no braço para turbinar o arroz comum é um processo de tentativa e erro, coisa lerda, que pode levar décadas. Mas a ciência deu um jeito de acelerar o negócio: pegar arroz selvagem, detectar os “genes bons” que têm ali e transferi-los, no laboratório mesmo, para o nosso bom e velho arroz doméstico. Um dos objetivos aí é criar “superorgânicos”: vegetais tão robustos que, em tese, dispensem fertilizantes e pesticidas químicos. Tudo isso está em fase de testes, mas uma coisa é fato: a Revolução Verde dos orgânicos está para chegar.

Para saber mais

https://www.ifoam.org – Página do Ifoam, que regula a agricultura orgânica.

https://www.ibd.com.br – Site do Instituto Biodinâmico.

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