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Há 6 mil anos, essa sociedade na Suíça pode ter sido igualitária

Análise dos restos mortais de comunidade neolítica mostra que homens e mulheres tinham dieta parecida, assim como nativos e estrangeiros.

Por Bruno Carbinatto
4 jul 2024, 16h00

Analisando esqueletos encontrados no oeste da Suíça, cientistas descobriram algo inusitado: a comunidade que habitava aquela região há seis mil anos era relativamente igualitária, com mulheres e estrangeiros consumindo dietas parecidas – o que indica uma divisão equitativa dos recursos.

O estudo foi liderado por cientistas da Universidade de Genebra e publicado na revista Journal of Archaeological Science: Reports. No artigo, os pesquisadores usam uma técnica chamada análise geoquímica isotópica, que consiste em, basicamente, estudar a composição química dos ossos e dentes de humanos para saber detalhes sobre sua alimentação e sobre as migrações da época.

Sopa de letrinhas

Essa estratégia analisa a concentração de diferentes isótopos nos restos mortais estudados. Isótopos são átomos do mesmo elemento, mas com números diferentes de nêutrons, partículas no núcleo atômico sem carga elétrica – ou seja, isótopos de um mesmo elemento têm massa atômica diferentes. Um átomo de carbono, por exemplo, tem sempre 6 prótons em seu núcleo, mas pode ter 6, 7 ou 8 nêutrons, sendo que esse último é conhecido como carbono-14 e é importante para datações arqueológicas.

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A concentração de diferentes tipos de isótopos em nosso corpo depende basicamente da nossa dieta – e, para sociedades pré-históricas, do lugar em que se vivia, já que a presença desses átomos no ambiente acabava entrando na cadeia alimentar local, que também incluía os humanos daquelas regiões.

Por conta disso, a equipe de cientistas suíços analisou a composição isotópica de ossos encontrados em duas necrópoles (cemitérios) pré-históricas no sítio arqueológico de Barmaz, localizado no cantão de Valais, oeste da Suíça. Esses ossos foram escavados ao longo dos anos entre a década de 1950 e 1990, e vêm sendo estudados desde então.

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Os ossos em questão datam de 6 mil anos atrás, numa fase da pré-história conhecida como Neolítico. Nesse período, as comunidades humanas já tinham migrado de um modo de vida caçador-coletor para um estilo agropastoril, com uma dieta baseada principalmente na agricultura e na criação de animais.

Essa transição mudou radicalmente a alimentação dos humanos, e foi por isso que os pesquisadores decidiram estudar alguns restos mortais escavados nesse sítios em busca de pistas nos isótopos deixados por lá. Mais especificamente, a equipe selecionou amostras de colágeno presente em ossos e também do esmalte de dentes molares de 49 indivíduos, tanto homens quanto mulheres. 

“O segundo molar é um dente cuja coroa se forma entre os três e os oito anos de idade”, explica Déborah Rosselet-Christ, pesquisadora que liderou o estudo. ‘‘Uma vez formado, o esmalte dentário não se renova pelo resto da vida. Sua composição química reflete, portanto, o ambiente em que seu dono viveu durante a infância.”

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Mais especificamente, a pesquisadora explica que o elemento químico estrôncio (Sr) é um bom marcador de mobilidade, porque a presença de seus isótopos na natureza varia muito dependendo de quais pedras há na região – e, das pedras, esse elemento vai parar nas plantas, nos animais e, finalmente, nos humanos via alimentação, ficando “preso” no esmalte das crianças. Assim, é uma espécie de assinatura do local de crescimento para sempre marcado nos restos mortais.

A análise dos isótopos deste elemento nos 49 indivíduos encontrados mostrou uma composição química quase igual… com exceção de 14% das amostras, o que revela que uma parte dos mortos ali tinham origem em algum outro local, embora seja difícil adivinhar de onde. Fato é que parecem ter migrado para a região da atual Suíça e ali morrido – algo não tão incomum, pois já se sabia que populações neolíticas migravam com uma certa frequência. 

Igualdade?

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O resultado mais surpreendente, porém, veio do colágeno dos ossos, que guarda informações sobre a dieta dos últimos anos de vida daquelas pessoas através de isótopos de carbono (C), nitrogênio (N) e enxofre (S). Os resultados mostraram dados muito parecidos entre as amostras, indicando que aquela comunidade tinha uma dieta de fonte basicamente terrestre (ou seja, poucos peixes), e com um grande consumo de proteína animal.

O fato de que não havia muita diferença de dieta entre homens e mulheres, e de locais e estrangeiros, surpreendeu. “Estes resultados sugerem, portanto, igualdade de acesso aos recursos alimentares entre os diferentes membros do grupo, independentemente da sua origem ou sexo”, diz Rosselet-Christ. Isso, porém, não parece ser algo comum em outras comunidades da época. “Existem, por exemplo, diferenças alimentares entre os sexos nas populações neolíticas encontradas no sul de França”, conta a pesquisadora. 

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Utópico demais?

Concluir que a sociedade neolítica em questão era totalmente igualitária somente a partir da alimentação, porém, não é fácil. 

Além disso, os pesquisadores também encontraram algumas diferenças. A necrópole de Barmaz, na verdade, consiste em dois sítios separados por uma distância de 150 metros. Em só um desses cemitérios foram encontrados estrangeiros; além disso, havia sim uma diferença entre isótopos de nitrogênio entre esses dois locais. Como os enterros são contemporâneos, é possível que houvesse algum tipo de distinção social entre os grupos de mortos sepultados em locais distintos. 

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