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Bruno Garattoni

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Vencedor de 15 prêmios de Jornalismo. Editor da Super.

A palavra “meritocracia” foi inventada por um escritor de esquerda. E é uma distopia

Termo que caiu nas graças da direita, e descreve a possibilidade de subir na vida pelo esforço individual, na verdade tem a conotação oposta: surgiu num livro de ficção, publicado em 1958, que descreve um mundo profundamente injusto

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Atualizado em 5 set 2024, 08h59 - Publicado em 12 ago 2019, 17h06

Termo que caiu nas graças da direita, e descreve a possibilidade de subir na vida pelo esforço individual, na verdade tem a conotação oposta: surgiu num livro de ficção, publicado em 1958, que descreve um mundo profundamente injusto  

Meritocracia, segundo o Dicionário Houaiss, é “o predomínio numa sociedade, organização, grupo, ocupação etc. daqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores, mais dedicados, mais bem dotados intelectualmente etc.)”, ou um “sistema de recompensa e/ou promoção (p.ex., num emprego) fundamentado no mérito pessoal”. Você já deve ter ouvido esse termo, que é frequente no discurso liberal contemporâneo e costuma ser utilizado por partidos e governantes à direita no espectro político: o governador de São Paulo, João Dória, e o ministro da economia, Paulo Guedes, por exemplo, já falaram em “meritocracia” ao defender medidas que pretendiam implantar. Ela também é hit em conversas de bar e bate-bocas nas redes sociais: numa discussão entre uma pessoa de direita e outra de esquerda, é comum que a primeira utilize o termo. 

O que pouca gente sabe é que, na verdade, essa palavra foi cunhada por um escritor de esquerda: o inglês Michael Dunlop Young, que em 1958 publicou o romance The Rise of Meritocracy. Young, que foi um membro importante do Partido Trabalhista inglês, queria que seu livro fosse publicado pela Fabian Society: grupo que reunia os adeptos do chamado socialismo fabiano (uma corrente mais branda, que não prega a estatização dos meios de produção). Os fabianos rejeitaram o livro, mas Young conseguiu lançá-lo por uma editora comum (depois de ser recusado 11 vezes).  

A obra retrata uma Inglaterra do futuro em que as pessoas são classificadas de acordo com sua inteligência, medida por testes padronizados. Os “mais inteligentes” recebem a melhor educação e tem acesso aos melhores empregos, e os “menos inteligentes” ficam com o que sobra. Mas esse sistema, que Young batiza de “meritocracia”, contém distorções evidentes: os “mais inteligentes” o são, em parte, justamente porque recebem educação de qualidade – sem a qual os “menos inteligentes” jamais terão qualquer chance de ascender. O livro mostra como um sistema aparentemente justo pode se tornar uma máquina de produzir e agravar injustiças. Termina na Revolta da Meritocracia, uma convulsão social que se passa em 2033. 

Em suma: na origem, o termo “meritocracia” é pejorativo. Isso não impediu que, ao longo das décadas, fosse mudando de significado – e acabasse adotado pela direita como exemplo de coisa positiva, o que Young detestava. “O livro era uma sátira, uma advertência (que, nem preciso dizer, não foi ouvida)”, escreveu ele em 2001, um ano antes de morrer, no artigo Down with Meritocracy (“abaixo a meritocracia”), publicado pelo jornal inglês Guardian. No texto, Young argumenta que “as habilidades, que costumavam ser distribuídas de forma mais ou menos aleatória entre as classes sociais, se tornaram muito mais concentradas devido ao sistema educacional”. E pergunta: “Será possível fazer alguma coisa com relação a essa sociedade meritocrática?”

 

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