Por Felipe Van Deursen
A fabricante dinamarquesa de brinquedos Lego tem cerca de 300 milhões de consumidores espalhados por 130 países. Desses, muitos largam os tijolinhos de plástico (mais especificamente acrilonitrila butadieno estireno) no fim da infância, relegando o brinquedo a um canto sorridente da memória. Outros seguem consumindo – ou voltam a comprar – tornando-se mais um afol (sigla para “adultos fãs de Lego”, como eles se intitulam). E consumindo muito. Gastam milhares de reais comprando caixas e mais caixas, indo a feiras, participando de encontros com outros fãs, no Brasil e no mundo.
Mas tem também um grupo muito seleto que não gasta em Lego. Eles ganham para brincar. São artistas, escultores que se especializaram em construir com as peças da marca. Não são funcionários da empresa. Mas ela reconhece seu trabalho e ajuda a divulgá-lo. Conheça os profissionais de Lego.
Leia na SUPER de setembro a reportagem que conta como a Lego se salvou ao juntar internet, redes sociais, conteúdo colaborativo e a criatividade dos seus fãs. A partir de 25/08, nas bancas e no ipad.
// Qualquer um pode, teoricamente, tentar a sorte e montar esculturas de Lego. Crie, dê a cara a tapa e tente expor, vender. Mas a Lego reconhece apenas 11 desses artistas com o certificado de profissional de Lego, o que lhes garante uma página no site oficial da empresa e divulgação e apoio da marca. Eles foram escolhidos por sua dedicação ao brinquedo, além, óbvio, talento e relevância criativa. E a Lego não é boba, claro. Está reconhecendo uma pessoa que faz propaganda gratuita e que leva ao nível artístico o que nos acostumamos a ver como brincadeira. “A escultura de Lego permite que você veja como tudo foi montado e até mesmo vislumbre você criando por conta própria”, diz o americano Sean Kenney, primeiro artista reconhecido pela Lego e criador do fórum MOCpages, que reúne fãs de Lego que se dedicam a fazer os chamados MOCs (sigla para “minha própria criação”, em inglês). “Isso não acontece com esculturas em bronze ou pedra ou então com pinturas a óleo”, opina. “Queria elevar o brinquedo de infância a um lugar onde nunca esteve: galerias de arte e museu”, resume sem modéstia o também americano Nathan Sawaya, outro artista reconhecido pela Lego. “Gosto da limpeza dos tijolos. Dos ângulos retos, das linhas distintas”, diz. “De perto, o tijolo é distinguível. Mas de longe a forma dos ângulos e retos e linhas começa a mudar, vai ficando curva. Eu gosto de criar em cima de algo familiar, que muitas crianças têm em casa”, explica.//
Em seu estúdio de Nova York, ele faz esculturas que lembram alguns estilos artísticos do século 20, como o surrealismo e a pop art. Entre suas obras mais famosas está um tributo ao renascimento de New Orleans, devastada pelo furacão Katrina em 2005. A escultura está hoje na biblioteca da cidade. Já Sean, cujo estúdio também fica em Nova York, fez fama ao erguer réplicas de locais famosos da cidade, como o Empire State. Desde então, ele mantém uma relação próxima com a cidade. “Ajudei a criar uma cidade interativa em uma loja de brinquedos daqui”, diz. “Visito com frequência e me deixa muito feliz ver crianças nela, sorrindo, pulando, apertando botões”.
Sean fez ainda algumas obras encomendadas por grandes empresas, como a Google, cujos fundadores, Larry Page e Sergey Brin, são fãs confessos dos tijolinhos. Ele também atende pedidos corporativos, além de muitas encomendas particulares. Mas não diz “sim” sempre. “Já tive que negar. Pessoas vêm com ideias que são inapropriadas para serem materializadas com um brinquedo, como álcool.” Nathan usa o mesmo argumento para negar encomendas, que às vezes chegam às dezenas de milhares de dólares. Por exemplo, a obra Bicicleta Triunfa no Tráfego, de Sean, sai por US$12,5 mil.
Infância
“Brinquei de Lego a vida toda”, lembra Sean. “Era a única coisa que ganhava de aniversário”. A brincadeira atravessou a adolescência e virou hobby enquanto ele trabalhava como ilustrador, webdesigner e cartunista. “Até que decidi encarar como trabalho meu lado artístico com Lego, que hoje é o meu cotidiano – enquanto meus amigos fazem reuniões chatas. Eles têm ciúme”, brinca.
Já Nathan se lembra de um episódio específico. “Por volta dos 10 anos, eu queria um cachorro. Meus pais disseram que eu não ia ganhar, então fiz um cão em tamanho real com meus tijolos de Lego. Foi um marco para minha carreira de artista.”
Ser reconhecido pela Lego é orgulho para ambos. “Por volta de 2005, percebemos que se o grupo Lego reconhecesse nosso trabalho de alguma forma, nós divulgaríamos ainda mais a marca”, lembra Sean. “Hoje somos 11, nos conhecemos bem, fazemos trabalhos juntos, dividimos experiências.”
Ficou animado em ser um artista profissional de Lego? “Sobre o próximo… Não sei. É a Lego que decide. E ela está sempre de olho em quem pode se enquadrar”, diz Sean. Quer um estímulo? Participe do concurso “Designer de Brinquedo” e seja reconhecido pelas suas criações de tijolos coloridos. Boa sorte.
NATHAN SAWAYA – https://www.brickartist.com/
SEAN KENNEY – https://www.seankenney.com/